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Crítica | Messias de Duna, de Frank Herbert

por Ritter Fan
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(arte: Marc Simonetti)

  • Leia, aqui, a crítica do primeiro livro. Há spoilers somente de Duna.

Com o sucesso estrondoso de Duna e considerando a magnitude do universo criado por Frank Herbert, uma continuação era mais do que esperada e ela veio quatro anos depois da ainda inigualável obra original, continuando a jornada de Paul “Muad’Dib” Atreides 12 anos depois dos eventos abordados na obra anterior que o colocaram como Imperador do Universo. Messias de Duna é a obra mais curta da hexalogia do autor e funciona ao mesmo tempo como epílogo de Duna e ponto de partida para Filhos de Duna, terceiro capítulo que seria lançado somente em 1976.

Essa característica transicional de Messias de Duna curiosamente dialoga muito bem com o status de Muad’Dib, que tomou o poder no que foi essencialmente um golpe de estado (podemos racionalizar da forma que quisermos, mas, em seu âmago, foi isso o que ocorreu) e, nesse interregno, aceitou também seu papel de Messias, trazendo a mistura entre Estado e Religião e colocando os Fremen, nativos de Arrakis, o planeta Duna, em um sangrento jihad pelas galáxias em seu nome. Paul tem plena ciência do fanatismo religioso ao seu redor, mas seus poderes prescientes adquiridos quando ingeriu Água da Vida em um ritual Bene Gesserit no primeiro capítulo da saga indicam muito claramente que este é o caminho menos gravoso. Os bilhões de mortes impostas pelo jihad, portanto, fazem parte de um plano maior em busca de uma espécie de equilíbrio universal.

Percebam como Herbert é inclemente com seu herói. Paul Atreides nunca foi um personagem fácil de o leitor identificar-se ou até mesmo torcer. Sim, ao colocá-lo em oposição ao Barão Vladimir Harkonnen, a escolha torna-se clara, mas Paul nunca foi um herói típico, apesar de muito de Duna beber das fontes gregas que estabeleceram a chamada Jornada do Herói. Paul faz o que precisa ser feito pensando no longo prazo e, em Messias de Duna, esse longo prazo é a perder de vista e, em perspectiva, pode realmente significar que o sacrifício de bilhões agora é apenas um grão de areia no grande esquema das coisas. Além disso, e isso é ainda mais perturbador, nós, leitores, precisamos acreditar na palavra do Messias: é ele quem afirma que o caminho sendo seguido é o melhor ou, pelo menos, o menos pior. É ele quem tem o poder da presciência e também a vida de seus antepassados em sua mente coletiva e não há nenhum fator exterior que coloque em xeque essa sua narrativa.

Sim, há forças externas querendo derrubar Paul Atreides, mas isso sempre haverá em qualquer cenário em que uma pessoa amealhe tanto poder. As Bene Gesserit, a Corporação Espacial e os Tleilaxu trabalham justamente como essas forças opositoras, tendo a Princesa Irulan, filha do ex-Imperador Shaddam IV e agora esposa de Paul com a função de emprestar uma camada de legitimidade ao seu governo, como veículo para a traição, além de um presente inesperado e irresistível: um clone de Duncan Idaho, o leal soldado dos Atreides que deu sua vida por Jessica e Paul. Mas há outras camadas nessa história, com os próprio Fremen agindo de forma antitética aos desejos e comandos de Paul.

Mas, com isso, voltamos ao começo. Paul é o Messias ou pelo menos somos levados a acreditar que ele o é. O que exatamente isso significa? O que seus poderes que lhe dão uma espécie de onisciência permitem de “espaço de manobra” para planos contra sua pessoa? Ou será que tudo não faz parte das idealizações maiores de Paul que nos faz acreditar que um jihad genocida pelas galáxias é um caminho comparativamente bom a ser escolhido? Herbert, de cer ta forma, indaga se não faria parte da natureza humana abrir mão de nosso livre arbítrio quando alguém particularmente convincente aparece para nos guiar. Uma preguiça latente em liderar ou talvez, uma vontade latente em seguir, não sei. E, com isso, podemos entrever o nascimento de ditadores, de tiranos, de líderes de culto. Paul Atreides, mesmo sendo o protagonista e, em tese, aquele por quem temos que “torcer”, reúne as piores características do tipo de gente que queremos distância. Mas – e aí é que a coisa complica – será que queremos mesmo?

Nessa estrutura, Alia, a irmã “pré-nascida” de Paul também tem sua função, com poderes em tese ainda maiores do que o do irmão, com Lady Jessica ainda atuando por trás, além de Chani sendo a consorte de Paul e, lá no fundo, apesar de ele pouco demonstrar, seu verdadeiro amor. Nada é esquecido por Herbert e ele costura uma narrativa que forma o tecido para suas obras futuras nesse universo. No entanto, Messias de Duna ainda parece um “livro do meio” e carrega esse ônus do começo ao fim de maneira bastante explícita. Claro, não era a intenção de Herbert em escrever algo auto-contido, que vivesse sozinho em relação ao que veio antes e esse peso da cronologia é sentido. Por outro lado, a obra também não “acaba” propriamente. Ao contrário, como mencionei no começo da presente crítica, ela arma o futuro da saga, levando-nos diretamente para Filhos de Duna, com seu título auto-explicativo, mas que aí sim é um novo começo de um fascinante arco narrativo.

Messias de Duna é carregado de perguntas que Frank Herbert deixa no ar propositalmente, desafiando-nos a procurar respostas olhando para o presente. O segundo capítulo da saga Duna coloca em xeque o que esperamos de um herói e joga em nosso colo a função cada vez mais “esquecida” de pensar por nós mesmos, sem seguir pensamentos de essa ou aquela pessoa. É difícil, mas é essencial.

Messias de Duna (Dune Messiah, EUA – 1969)
Autor: Frank Herbert
Editora original: Putnam Publishing
Datas de publicação: 1969
Editoras no Brasil: Editora Aleph
Datas de publicação no Brasil (Aleph – versão atual): julho de 2017
Tradução (edição atual da Aleph): Maria do Carmo Zanini
Páginas (edição atual da Aleph): 272

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