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Crítica | Menu Total (1986)

Pseudo-Hitler, dadaísmo e vômitos.

por Luiz Santiago
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…E se o salvador vier, ele comerá seus pais;

não porque ele é cruel,

mas porque eles são deliciosos.

As camadas de um trauma, quando desvendadas, inevitavelmente resultam em algo absurdo aos olhos dos outros, e é exatamente isso que testemunhamos em Menu Total, de Christoph Schlingensief; uma obra, no mínimo, desafiadora. Embora a fase formalmente reconhecida do diretor tenha iniciado dois anos antes, com Tunguska (1984), foi apenas com Menu Total que seu estilo e seus projetos cinematográficos ganharam força — o que não significa que foram amplamente aceitos ou aplaudidos por colegas e pelo público em geral — catapultando-o na cena alemã. Este foi o filme que trouxe a popularidade de nicho, ou cult, para o cineasta, tornando-o reconhecido por suas produções caóticas, experimentais e frequentemente metalinguísticas e políticas.

Se existe uma linha narrativa aqui, ela está no jovem que mora numa mansão sombria e tem um pai que abusa dele de todas as formas. O filme não explora esses abusos de maneira metódica: traz apenas algumas cenas que margeiam tais eventos e justificam os arroubos oníricos do rapaz, que, para vingar-se de seu pai, seus avós e todo mundo que os apoia, imagina-se como Hitler, fazendo discursos hilários numa distopia psiquiátrica, cheia de pacientes que agem como zumbis num ambiente de guerra. A própria estrutura do filme dá suporte a esse tipo de abordagem, flertando com o dilema final de O Gabinete do Dr. Caligari (ou seja, tudo aquilo aconteceu ou foi apenas produto de uma mente perturbada?), deixando o espectador questionar a natureza das realidades vistas na tela.

É uma pena que as cenas do rapaz sonhando em ser Hitler sejam poucas. Schlingensief faz uma aproximação com o andamento político na Alemanha dos anos 1980, e as aspirações profundas de muitos que se diziam “oprimidos pelo sistema“. Nesse sentido, o filme ganha inúmeros caminhos interpretativos, com cada personagem assumindo um arquétipo social e sendo exterminado por essa força aparentemente pacífica que, aos poucos, ganha destaque, tirando do caminho os “obstáculos de existência” e criando aquilo que entende como “realidade perfeita”. A dinâmica do fascismo, porém, não é o exato foco da película. Claro que se pode lê-la dessa forma, mas enquadrá-la unicamente nessa visão é diminuir, e muito, a sua riqueza simbólica.

O diretor peca ao fazer um filme longo demais com tantos elementos soltos, em estrutura não-linear e ampla rede de possibilidades de entendimento. De fotografia granulada, majoritariamente acompanhado por uma excelente trilha de jazz e construções estéticas que vão do mais puro asco (as cenas de “alimentação“) à repetição estafante de eventos (pessoas com tochas nos subterrâneos), Menu Total é um primo de Eraserhead em atmosfera e abordagem experimental, enveredando para a psicologia e a política, deixando atrás de si um grande número de interrogações. Considerando a proposta, essas reticências são, sim, positivas. O problema é quando o diretor estica demais a corda, transformando o experimento num eterno retorno que deixa de compensar e passa a irritar o espectador.

Menu Total (Menu Total / Hymen 2 – Die Schlacht der Vernunft) — Alemanha Ocidental, 1986
Direção: Christoph Schlingensief
Roteiro: Christoph Schlingensief
Elenco: Anna Fechter, Reinald Schnell, Helge Schneider, Sergej Gleitmann, Dietrich Kuhlbrodt, Thirza Bruncken, Alfred Edel, Wolfgang Schulte, Joe Bausch, Annette Bleckmann
Duração: 81 min.

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