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Crítica | Mente Perversa

por Luiz Santiago
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SPOILERS!

A pedofilia é classificada pela Organização Mundial de Saúde como um transtorno da preferência sexual, consistindo no fato de adultos terem preferência sexual por crianças do mesmo sexo ou de sexo diferente, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade. A doença, ao contrário do que comumente se imagina, não torna todo pedófilo um criminoso, já que o crime se dá apenas quando um adulto abusa sexualmente de uma criança e nem todo pedófilo cruza essa linha. Infelizmente a pedofilia não tem cura, só pode ser controlada através de frequente acompanhamento psicológico, algo que o protagonista de Mente Perversa (2019) descobre logo em sua primeira consulta. Para o seu mais completo desespero.

Este longa-metragem alemão, escrito e dirigido por Savas Ceviz, traz a questão da pedofilia para um recorte micro, um estudo de caso, a vida de um entre milhares de pedófilos no mundo. O enredo, portanto, não tem pretensões de Manifesto Mundial e argumentativo sobre o tema. Não se reveste de uma sacrossanta necessidade de evitar desconforto ético em relação ao que se vê na tela (sempre a partir do ponto de vista do protagonista) e, principalmente, não esconde aquilo que realmente é, uma obra de ficção que pretende seguir os passos de um indivíduo, compartilhar as angústias, infames emoções, sentimentos, desejos e também ações desse homem. A linha tênue entre o “suspense” que separa Markus (Max Riemelt) do crime é também uma das bases narrativas da obra.

A história não engana ninguém e cumpre perfeitamente o trabalho de enraivecer e enojar o público, ao mesmo tempo que coloca a plateia em uma esteira de tensão, esperando que Markus não abuse de nenhum dos garotinhos que o excita e o faz se masturbar com urgência no trabalho ou em casa; e também que ele busque ajuda, como de fato acontece. O roteiro não se entrega à condenação plena, mas existe sim uma condenação ética na atmosfera social da obra (e nossa) e obviamente uma condenação moral por parte do próprio pedófilo (e nossa também). O texto explora esses dois lados, não esgarçando a corda do olhar condenatório, da mesma forma que não romantiza o problema.

Não existem cenas onde qualquer tipo de “defesa” de Markus esteja sozinha. Até na sua primeira tentativa de suicídio o discurso doloroso e verdadeiro que faz para a sua “namorada” naquele momento traz a tiracolo a repulsa de ele ter tomado banho com o filho dela, a despeito de sua condição pessoal. O espectador não consegue ter empatia a longo prazo por ele, embora reconheça seu sofrimento e sua condição. A corda bamba na qual o texto se equilibra funciona muito bem para o tipo de temática polêmica que aborda e como não há ganas de Manifesto, o roteiro se permite fazer o que qualquer drama deve fazer quando pretende construir a personalidade de um indivíduo e mostrar sua subida ao céu ou descida ao inferno, que é exatamente o que acontece com Markus aqui.

Predominantemente escuro, marcado por filtros azuis e com algumas deixas visuais que não funcionam muito bem (sem contar a coincidência do anúncio na revista sobre pedofilia…), a obra consegue expor o problema através de diversos meios, como não ser maniqueísta ou exibindo o fetiche do protagonista na própria construção da história. Sendo um recorte específico, cuja ideia é nos fazer entender o pedófilo em questão, qual é o erro técnico dessa abordagem? Ou mesmo moral, dentro desse contexto? O filme sofre mesmo é de uma maior falta de conexão entre Markus e o mundo, especialmente no primeiro ato. Nós temos algumas cenas que indicam uma tentativa do personagem em se isolar cada vez mais, em se afastar do mundo… mas isso não tem uma preparação sólida do roteiro, apenas uma rápida passagem e, depois, Markus está realmente isolado, para novamente se conectar com uma vizinha recém-chegada ao prédio.

Como o lobo que se torna cada vez mais feroz e termina por conseguir fugir, a terrível pulsão do protagonista ganha cada vez mais força, a ponto de colocá-lo num estágio que o levará ao suicídio por overdose de comprimidos. Esse tipo de saída poderá facilmente ser confundido com algo covardemente moral, mas se estamos falando de um indivíduo que não cometeu crime algum, não há porquê jogar essa carta. O suicídio é algo específico para este personagem, que já tinha mostrado tendências quando sua pulsão estava menos agressiva e quando não tinha tanto nojo de si mesmo. E de novo: este é um estudo de caso. Mesmo que existam muitas semelhanças com outras histórias de pedófilos ao redor do mundo, o filme conta a história de Markus e não de todos os outros pedófilos da Terra. Mente Perversa não é um documentário sobre pedofilia, com um tipo de discussão-modelo. Mas sua abordagem certamente abre possibilidades de busca e leitura para muitos outros casos onde não houve abuso de criança alguma. Não é uma obra fácil e com certeza gerará inúmeras discussões, o que já é esperado quando estamos falando de pedofilia, não é mesmo?

Mente Perversa (Kopfplatzen) — Alemanha, 2019
Direção: Savas Ceviz
Roteiro: Savas Ceviz
Elenco: Max Riemelt, Oskar Netzel, Isabell Gerschke, Joel Basman, Luise Heyer, Ercan Durmaz, Aris Diamanti, Gabriele Krestan
Duração: 99 min.

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