Alexandre O. Philippe tem se especializado em documentários de nicho, vários deles relacionados à Sétima Arte, começando com O Povo Contra George Lucas, sobre a reação do fandom de Star Wars em relação às modificações de seu criador na Trilogia Original e pelo lançamento da Trilogia Prelúdio, passando Doc of the Dead, que aborda a cultura zumbi nas telas e chegando em 78/52, focado na icônica cena do chuveiro de Psicose. Continuando nessa linha, o diretor tentou algo ainda mais ambicioso, ou seja, um documentário que contasse a origem de Alien, o Oitavo Passageiro, filme que mudou a ficção-científica e trouxe ao mundo talvez seu mais icônico monstro, como parte da comemoração do 40º aniversário da obra de Ridley Scott.
O resultado – Memory: As Origens de Alien, o 8º Passageiro -, diferente de suas citadas obras anteriores, não consegue nem ser um documentário amplo sobre o famoso filme e nem um recorte específico, parando em um meio-termo incômodo, que não parece muito bem saber onde quer chegar e por vezes parecendo que Philippe queria discutir um assunto, mas, no meio da produção, decidiu seguir por outro caminho. Mesmo assim, porém, o longa é instrutivo para quem pouco conhece a gênese da franquia Alien (que tive oportunidade de abordar aqui) e quiser saber um pouco mais, ainda que os extras contidos no box em DVD ou Blu-Ray da Quadrilogia Alien seja muito melhor para esse propósito.
Em termos estruturais, Philippe trabalha cronologicamente, do surgimento da ideia do filme – e até antes, com a contextualização da vida de Dan O’Bannon no interior dos EUA -, chegando até o final de sua produção. Quem lê essa minha afirmação, no entanto, pode concluir que há um compasso narrativo que mantém o ritmo da história do começo ao fim, dando pesos razoavelmente equânimes a todo o processo como por exemplo é o caso de Dias Perigosos – Realizando Blade Runner, só para ficar em documentário sobre outra obra de Scott. Infelizmente, porém, não é isso que acontece. Claro que O’Bannon ganha a devida atenção, já que ele de fato foi um dos nomes mais importantes para o nascimento desse monstro inesquecível e, ironicamente, seu nome é normalmente relegado a segundo ou terceiro plano quando se fala na franquia. Philippe, portanto, faz o que pode para corrigir esse problema histórico e teria sido válido se ele continuasse nessa toada e trabalhasse seu Memory apenas como uma elegia detalhada ao criador e roteirista falecido prematuramente em 2009.
Não é isso que ele faz, porém. O’Bannon logo abre espaço para o gênio artístico suíço H.R. Giger que, porém, recebe relativamente pouca atenção. Pior ainda, o próprio Ridley Scott tem uma abordagem menos do que perfunctória, mesmo que os diversos testemunhos de entrevistados ao longo do documentário afirmem como ele foi importante para o processo todo. E, com isso, Philippe parece chegar ao seu “segundo” documentário ou o desvio narrativo que parece ter sido a ideia que teve durante a produção: abordar, como ele fez em 78/52, a mais famosa sequência do filme, o “nascimento” do monstro alienígena a partir do peito de Kane (John Hurt). E, com isso, muito do documentário é focado nesse momento, com intermináveis discussões sobre a vida do artista plástico Francis Bacon, cujos quadros serviram de base para a figura fálica dentada do filhote de Alien e sobre a “surpresa que não foi exatamente surpresa” da explosão de sangue para o elenco. No entanto, como esse enfoque vem tardiamente no documentário, Philippe tem pouco tempo para se aprofundar e faz tudo novamente de maneira muito rasa demais.
Claro que é sensacional ver entrevistas atuais com os veteranos Tom Skerritt e Veronica Cartwright, além de ser interessante a tentativa de se abordar a temática do filme pelo filtro atual que condena mais veementemente o machismo e a tal masculinidade tóxica, mas é pouco demais também, como se o diretor e roteirista realmente tenha querido abordar assuntos em profusão sem uma estrutura bem pensada e firme sobre seu documentário, elemento muito claramente presente em 78/52. Mesmo as imagens de arquivo de O’Bannon, Giger e Hurt, os ilustres finados que ajudaram a dar vida à obra, é repetição de material já razoavelmente bem conhecido, pelo que Memory parece mesmo ter em mente um público-alvo que pouco teve contato com os bastidores de Alien. E não haveria nada de errado nisso se a proposta fosse bem exposta na construção da narrativa do documentário, o que claramente não é, já que o filme começa de um jeito, ensaia outros caminhos e acaba em outro completamente diferente, retirando toda e qualquer profundidade das questões que tenta abordar.
Mas Memory pode ser um razoavelmente bom começo para os não-iniciados em documentários sobre filmes famosos em geral e sobre Alien em particular. Apenas acho que é muito pouco para uma obra tão importante quanto esta e que acaba, de certa forma, diminuindo a qualidade de toda a equipe criativa por trás.
Memory – As Origens de Alien, o 8º Passageiro (Memory: The Origins of Alien, EUA – 2019)
Direção: Alexandre O. Philippe
Roteiro: Alexandre O. Philippe
Com: Bijan Aalam, Tim Boxell, Axelle Carolyn Axelle Carolyn, Veronica Cartwright, Roger Christian, Roger Corman, Mickey Faerch, Henry Jenkins, William Linn, Ben Mankiewicz, Adam Egypt Mortimer, Shannon Muchow, Diane O’Bannon, Rhoda Pell, Ivor Powell
Duração: 95 min.