No filme mais antigo de Robert Wiene disponível até hoje, já é possível ver o ensaio de uma temática que surgiria em O Gabinete do Dr. Caligari. Em Medo (Furcht), apesar da estética expressionista ainda não estar representada nos cenários ou pelo jogo de sombras, ela se exterioriza na subjetividade de seu protagonista ou no próprio desenvolvimento da trama. No longa de 1917, Conde Greven (Bruno Decarli) é um colecionador de artefatos que chega em seu castelo, rodeado de paranoia, após roubar uma estátua de Buda em um templo indiano.
Para explorar o sentimento de perseguição, Wiene trabalha principalmente a relação de Decarli com os espaços da mansão, através de uma câmera estática que deixa o ator se movimentar livremente pelas espaçosas salas sempre angustiado. Como por boa parte do tempo o inimigo é “invisível”, o terror psicológico de Medo depende da atuação de seu protagonista, que consegue trazer este convencimento, seja com seus olhos sempre esbugalhados ou sua incessante cabeça que está sempre em movimento procurando algo oculto.
Dessa forma, é curioso que Wiene faça Greven passar por todos os cômodos de sua mansão e, de certa forma, isso indique uma cegueira do Conde diante das suas próprias riquezas. Os cenários são decorados por grandes quadros, estátuas e outros objetos luxuosos, mas tudo isso não importa para o protagonista apreensivo. No mesmo sentido, percebe-se que um dos temas mais recorrentes do filme é esta necessidade irracional de nunca estar satisfeito com o que tem, sempre precisando seguir em frente.
Isso é algo fica perceptível em diversas frentes de Medo. Como já dito: na própria movimentação ansiosa de Greven, na mudança dos cenários e em sua profissão de colecionador. Contudo, isso fica visível principalmente pelo desenvolvimento narrativo a partir do segundo ato. Após uma sequência ambígua que fica no meio termo entre a realidade e um delírio, um sacerdote indiano (Conrad Veidt) avisa que o personagem terá 7 anos de vida antes de morrer pelas mãos de quem ele mais ama. A partir daí, o Conde se rende a todas as luxúrias da vida: festas, a jogatina, uma obsessão científica e um amor. Em comum a todas essas atividades está a incapacidade dele em se manter preso a uma delas, sempre jogando fora o que havia alcançado e partindo para um novo hobby.
Assim, vai ficando cada vez mais perceptível que aquele homem rico é o seu próprio inimigo, o que se consolida no terceiro ato do filme. No entanto, ainda que Veidt seja bastante hipnotizante e amedrontador como o sacerdote indiano, a escolha em dar tanto espaço para o personagem na reta final acaba por tirar um pouco do potencial ambíguo e psicológico de Medo, que acaba caindo em uma seara do homem branco que mexeu com forças místicas e agora deve enfrentar suas próprias consequências.
No fim, não deixa de ser um sólido e primitivo exercício de terror psicológico concentrados na figura de um bipolar Bruno Decarli e na maneira como Wiene trabalha sua movimentação através dos espaços. De certo modo, toda essa paranoia e angústia do Conde evidencia a incapacidade do homem em se relacionar e valorizar aquilo que já tem, com a sua ambição e a insaciedade sendo sua própria ruína.
Medo (Fucht) — Alemanha. 1917
Direção: Robert Wiene
Roteiro: Robert Wiene
Elenco: Bruno Decarli, Conrad Veidt, Bernhard Goetzke, Mechthildis Thein, Hermann Picha
Duração: 54 mins.