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Crítica | MCU: O Reinado da Marvel Studios, de Joanna Robinson e Outros

Uma abordagem séria e competente sobre um universo fascinante.

por Ritter Fan
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Desde o momento em que soube que MCU: O Reinado da Marvel Studios seria lançado até seu dia de lançamento nos EUA, um intervalo de poucas semanas, fiquei pensando se deveria ou não lê-lo. Tinha curiosidade, pois acho impossível não reconhecer o que a empresa conseguiu fazer no Cinema desde 2008 (e olha que eu concordo de coração com os acertadíssimos comentários de Martin Scorsese!), mas desconhecia Joanna Robinson e seus coautores e tinha receio de que fosse uma obra chapa branca para agradar fãs do Universo Cinematográfico Marvel, mesmo que sem a chancela de Kevin Feige e da Disney (se fosse uma obra autorizada, acho que nem chegaria perto). Quando o livro saiu, li o prefácio e a sensação de algo amador tomou-me quase que completamente, mas resolvi encarar o desafio, prometendo a mim mesmo que, se o nível dos dois capítulos seguintes fosse semelhante ao do prefácio, eu simplesmente pararia de ler.

E, para minha surpresa, segui até o fim sem sentir que estava fazendo qualquer tipo de grande esforço. Para começo de conversa, com exceção do tal início que parece ter sido escrito por outras pessoas, o restante da obra é muito bem escrita, seguindo a cronologia da Marvel Studios, mas começando bem antes de sua criação efetiva, lá por meados dos anos 80 em que a Marvel Entertainment Group foi trocando de mão em mão até, na segunda metade dos anos 90, chegar nas mãos do normalmente demonizado Isaac Perlmutter que, na verdade, mesmo sendo uma figura extremamente problemática, salvou a empresa da falência ao lado de Avi Arad, Bill Jemas e Bob Harras, abrindo caminho para o que ela se tornou até ser comprada pela Disney. Em outras palavras, Robinson e companhia fornecem um panorama sólido, ainda que rápido, do período pré-Marvel Studios, o que ajuda a entender as tensões criadas a partir do sucesso dos filmes.

Além disso, o livro simultaneamente serve de biografia de Kevin Feige, uma figura que reputo ser semelhante a George Lucas no que ele significou para a mudança de paradigma em Hollywood, para o bem ou para mal, obviamente. É muito interessante como os autores tratam organicamente da venda de propriedades da Marvel para outros estúdios – como foi o caso do Hulk para a Universal, dos X-Men para a Fox e o Homem-Aranha para a Sony como todo mundo sabe – de forma a focar em X-Men, coproduzido por Lauren Shuler Donner que tinha Feige como seu faz-tudo e como ele foi galgando os degraus até chegar ao poder absoluto que significou inclusive – e especialmente – finalmente afastar Perlmutter das produções cinematográficas e televisivas. O que quero dizer, portanto, é que o trabalho de pesquisa e de redação do livro jornalístico sob análise é muito bem concatenado, tornando fácil a absorção da cronologia e dos eventos que informaram o fascinante (e, nessa escala, sem precedentes) império de obras interconectas que acabou comprado pela Casa do Camundongo.

Mas MCU: O Reinado da Marvel Studios não é exatamente um livro completo mesmo considerando que tem mais de 500 páginas. Talvez porque seus autores quiseram enxertar diversas anedotas ao texto, algumas delas realmente valiosas como as diversas disputas de crédito (incluindo uma muito feia entre Zak Penn e Joss Whedon no que se refere ao roteiro de Os Vingadores, de 2012), ou talvez porque eles tenham conscientemente decidido focar exclusivamente no Universo Cinematográfico Marvel estritamente canônico, eles tenham perdido a oportunidade de abordar a produção de Agents of S.H.I.E.L.D., Agent Carter e das séries Marvel do Netflix, ou seja, deixaram os produtos da Marvel Television quase que completamente de lado, ainda que elas sejam mencionadas aqui e ali. Isso teria indubitavelmente enriquecido a discussão e tornado ainda mais evidente o racha que havia antes de Feige conseguir consolidar tudo sob sua batuta. Por mais que o livro tenha um bom verniz profissional, é ainda possível sentir aquele lado fanboy dos autores nessa tentativa de contar uma história bastante colorida e cheia de “novidades” que eles acabam mesmo contando, mas economizando em determinados assuntos.

Além disso, talvez pelo tamanho que o livro estava ficando, a trinca de autores manteve uma abordagem consideravelmente cronológica e minuciosa até Vingadores: Ultimato, relaxando a estrutura após esse ponto no tempo e partindo para abordar temas e não mais filmes isolados. Eles chegam até o presente, podem ter certeza, lidando com a demissão da produtora argentina Victoria Alonso depois da polêmica sobre os efeitos de computação gráfica e as várias séries lançadas via Disney+, além do começo do desinteresse geral pelo universo compartilhado e até mesmo chegam a lidar com o preconceito demonstrado mais do que abertamente por grupos de fãs que não merecem ser chamados como tal, mas tudo passa a ser muito mais rápido e, portanto, mais raso, enquanto que é justamente nessa “segunda era”, digamos assim, que talvez houvesse mais razão ainda para o livro existir.

Só que isso não quer dizer, de forma alguma, que a abordagem não é crítica. Joanna Robinson, Dave Gonzales e Galvin Edwards mantêm, de maneira que reputo até surpreendentemente constante, um subtexto cínico, sempre preparado para vir à superfície com críticas, algo que vem com mais força quando o UCM começa a se expandir e a liberdade criativa que é vista em filmes como Homem de Ferro e O Incrível Hulk começa a ser tolhida por engravatados de toda sorte, incluindo Feige (seria “embonezado”, no caso dele?), de forma que os filmes passem a ser menos isolados e tratados mais como peças de um grande quebra-cabeças, além de passarem a fazer parte de uma linha de produção em que a “autoria” pura passa a ser exceção. Ou seja, os autores, apesar de se mostrarem empolgados com a complexidade do que foi criado, têm consciência das mazelas de pequena e larga escalas que o UCM obviamente tem e mostram vontade de trazer o que podem para a superfície.

MCU: O Reinado da Marvel Studios é, portanto, uma obra que pode agradar diversos públicos simultaneamente. Há informações suficientes para que os mais ávidos fãs fiquem felizes com a leitura da mesma maneira que tem material de sobra para os detratores extraírem mais fundamentos para xingar a fábrica de filmes de super-heróis. Mas há também um bom livro para quem quer informações bem pesquisadas, com fontes, com seriedade e oferecidas de maneira estruturada, concatenada e lógica que evita aquela abordagem de “fã histérico” e da horda de pseudojornalistas da internet. Quem sabem os autores não retornam ao tema um dia com um segundo livro para expandir aquilo que eles deixaram de fora? Eu sei que eu leria!

MCU: O Reinado da Marvel Studios (MCU: The Reign of Mavel Studios – EUA, 2023)
Autores: Joanna Robinson, Dave Gonzales, Gavin Edwards
Editora: Liveright
Data original de publicação: 10 de outubro de 2023
Páginas: 528

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