- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Retornando à direção, o que obviamente prenuncia a importância do episódio, Elgin James entrega um poderoso capítulo que marca a metade da temporada final de Mayans M.C. focado quase que completamente em Ezequiel “EZ” Reyes e sua continuada jornada ao inferno e às sombras. Pouco importa o que na prática acontecerá com o protagonista, se morrerá, se ficará isolado, se será preso ou se viverá com Emily em uma casinha de campo com uma cerca branca, pois EZ, a cada dia que passa, endurece mais seu coração e se afasta da grande promessa que um dia ele foi para sua família. Seus pecados são tantos que seu mundo encolheu e a verdadeira felicidade (aquela utopia que todo mundo cisma em perseguir) ou mesmo algo próximo ou que lembre de relance algo que possa ser talvez chamado de felicidade é impossível para ele.
Se, de um lado, vemos a negação, depois a relutância, depois a confirmação e aceitação e, somente após esse processo alongado e essencialmente humano, a demonstração de fúria assassina por parte de Creeper ao receber a notícia que EZ é o traidor, o mesmo não acontece com o presidente dos Mayans. Sua reação à acusação do colega, do irmão de clube, é instintiva, animal, ainda que inteligente no sentido de ser sua única saída imediata, levando Creeper a ser brutalmente espancado e, provavelmente, a passar dias, possivelmente semanas na solitária, isso não muito tempo depois de o Mayan ficar à beira da morte em razão do esfaqueamento. Ali, EZ agiu de maneira completamente egoísta e covarde, mesmo que possamos considerar que, lá no fundo, olhando-se o macro, seja possível concluir que ele também agiu em prol do clube.
Seu ato posterior, o de aceitar pessoalmente o desafio de Isaac nas “conversas de paz” entabuladas pelo pessoal do Grim Bastards (sou só eu que acha aquele uniforme laranja deles horroroso?) que de conversas e de paz nunca tiveram nada pode até parecer um ato altruísta, daqueles de um verdadeiro líder. Mas, no fundo, o que EZ faz é um movimento calculado – ainda que obviamente arriscado diante do tamanho do sujeito do Sons que ele precisa encarar – para justamente firmar-se como líder em um momento em que sua estratégia foi posta em dúvida e sua posição foi fragilizada pelo própria irmão que, para nós, revela-se como o responsável por colocar fogo nas drogas do cartel. EZ apostou suas fichas na luta como uma estratégia barata para ganhar pontos perante os Mayans, mesmo que seja perfeitamente aceitável interpretar sua escolha também como uma autopunição, pois, inteligente como é, ele tem consciência da gravidade do que vem reiteradamente fazendo.
Mas é isso que sempre foi fascinante no universo Sons of Anarchy criado originalmente por Kurt Sutter: o drama shakespeareano moderno em que a corrupção da alma e do coração revela-se como a regra e não a exceção. Ninguém está a salvo de uma guinada sem volta para as sombras e, aqueles que permanecem razoavelmente puros ou aqueles que conseguem a redenção têm poucas chances de sobreviver ou de encontrar uma vida que condiga com suas escolhas. Uma vez que tivemos que aceitar a queda razoavelmente brusca de EZ na temporada passada – havia a necessidade clara de mais um ano de série para que isso fosse evitado -, agora não há volta para ele em seu caminho de poder e cobiça como presidente dos Mayans que é capaz de tudo para reerguer o clube ao nível de glórias passadas que ele sequer viveu.
I Want Nothing but Death, porém, não teve EZ como seu único foco, com o episódio abrindo espaço e oportunidade para que Patricia Devlin (Dana Delany), que trabalha para o governo em um cargo que pode ser resumido à investigadora interna de agentes federais, fosse apresentada. Ou, melhor dizendo, apresentada com propriedade. Afinal, até o episódio anterior, o que vimos foi uma burocrata com suspeitas sobre o insidioso Lincoln Potter. Agora, fomos apresentadas a uma funcionária federal talvez tão inteligente e obstinada quanto Potter, mas sem a psicopatia do personagem de Ray McKinnon. Com a pressão que ela sofre para largar o caso, ela automaticamente, como previsto por seu chefe, recrudesce seus esforços para derrubar Potter e sua primeira ação efetiva de campo é conversa com ninguém menos que Miguel Galindo em uma sequência enquadrada pela direção de maneira muito simples, mas elegante e extremamente eficiente, com o roteiro de Sean Varela criando uma sequência memorável de diálogos que mais do que cumpre sua função de literalmente terminar de construir Devlin como a antítese de Potter e como uma saída para Galindo. Confesso que mal posso esperar para ver o embate entre os dois agora que as cartas estão na mesa.
Mesmo que Elgin James retorne ao seu cacoete visual de enquadrar sequências com um primeiro plano desfocado sem que haja qualquer função narrativa para isso – uma implicância minha, talvez, mas é que me irrita -, ele sem dúvida foi capaz de entregar um fenomenal episódio de metade de temporada que eleva o jogo e prepara o terreno para um final que provavelmente será trágico para muitos personagens, ainda que seja difícil prever como exatamente as tragédias ocorrerão. O que é certo é que, mesmo aqueles que conseguirem sair fisicamente ilesos do que está por vir, dificilmente escaparão de uma condenação espiritual em algum nível.
Mayans M.C. – 5X05: I Want Nothing but Death (EUA – 14 de junho de 2023)
Showrunner: Elgin James
Direção: Elgin James
Roteiro: Sean Varela
Elenco: J.D. Pardo, Clayton Cardenas, Michael Irby, Carla Baratta, Danny Pino, Edward James Olmos, Emilio Rivera, Sarah Bolger, Andrew Jacobs, Stella Maeve, Frankie Loyal, Joseph Raymond Lucero, Vincent Vargas, JR Bourne, Emily Tosta, Vanessa Giselle, Augie Duke, Andrea Cortés, Selene Luna, Alex Barone, Caitlin Stasey, Branton Box, Dana Delany, Luis Fernandez-Gil, Ray McKinnon
Duração: 70 min.