- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios.
When I Die, I Want Your Hands on My Eyes usou o luto pelo assassinato de Coco para criar uma estrutura essencialmente contemplativa muita rara de se ver em séries de TV, mesmo as de qualidade como Mayans. Foi uma jogada arriscada que, pelo menos para mim, funcionou maravilhosamente bem para trabalhar a despedida de um dos poucos personagens da série fora do núcleo familiar do Reyes – em que eu incluo os Galindos – que foi bem desenvolvido e trabalhado ao longo das temporadas, mergulhando profundamente no inferno das drogas para ser resgatado literalmente pelo amor, sem que ele sequer tivesse tempo de usufruir de sua recuperação. Foi um episódio para respirar, mas não uma respiração aliviada e sim uma repleta de pesar e dor.
Dialogue with the Mirror, por seu turno, é quase que exatamente o oposto. O roteiro de Debra Moore Muñoz e Richard Cabral é muito ágil e repleto de acontecimentos e surpresas, começando pelo atentado à Miguel Galindo no meio da estrada e terminando com o retorno de Adelita e seu filho para Angel, com os dois eventos das pontas sendo recheados pelo que parece ser o momento mais sombrio da vida de EZ, em que ele mata Gabriela a sangue frio e sem pestanejar para salvar seu irmão. Mas essa agilidade toda cobra um preço e esse preço é a banalização da violência que vem à reboque de um EZ razoavelmente descaracterizado, que, mesmo nos lembrando de sua graduação em faculdade de elite dos EUA, parece agir no calor do momento, sem pensar e sem planejar.
E não falo apenas do assassinato de Gabriela. Isso já começa pela completa ausência de plano na invasão do hospital que, em tese, objetivava matar Packer, mas que conseguiu tudo menos isso. Nada realmente funciona ali, até porque a missão que ele mesmo se voluntariou não era algo que precisava ser efetivada no dia seguinte à morte de Coco e poderia ter ganhado mais solenidade do que um ataque desses que já começa a dar errado no elevador e continua dando errado na medida em que progride, mesmo que nenhum dos três atacantes seja sequer ferido. E não é que não tenha gostado das sequências, pois elas tecnicamente me pareceram bem feitas, com uma boa decupagem por parte de Elgin James que, mais uma vez, trabalha com o frenesi do momento para construir sequências tensas que levam à surpresa maior que é o ressurgimento de Gabriela, agora uma enfermeira ali. O ponto mais problemático está justamente no ataque em si, de dia, com o hospital cheio, Sons chegando às dezenas e tudo mais. Ah, mas EZ diz que tudo o que ele planeja dá errado, pelo que é melhor não planejar mais e ir na base da orelhada. Ok, mas isso não torna a situação melhor, pois, se alguma coisa, essa afirmação dele parece coisa de criança de primário, com Angel e Manny concordando com tudo como se fossem dois bobalhões.
O sequestro de Gabriela já prenuncia problemas e toda a situação construída pelo roteiro encerra – drasticamente, eu sei – o arco da relação dela com EZ, em uma cena que choca, sem dúvida alguma, mas que ao mesmo tempo não faz lá muito sentido, pelo menos não com a velocidade com que acontece. Mayans já deixou claro que, para os Reyes, a família está acima de tudo e ele fazer um sacrifício dessa magnitude para salvar o irmão não é, de forma alguma, um acontecimento fora de esquadro se formos pensar de maneira mais geral. Portanto, existe uma lógica por trás que sustenta o que o protagonista faz. A questão é o como e o quando. O calor daquele momento para EZ é também o calor do momento para Gabriela e, por sua índole, é natural que ela queira fazer o que é certo – o profundo contraste da atitude fria de Sophia perante um EZ ensanguentado chega a ser cômico pelo exagero da coisa – e, naquele momento, fazer o que é certo é delatar Angel. E, ainda que a resposta a isso seja silenciá-la em definitivo, a sequência toda transforma EZ em um monstro em apenas um estalar de dedos.
Claro que ele já vinha em queda ao longo das temporadas e é claro que esse é todo o objetivo de Kurt Sutter e, agora, Elgin James à frente da série, mas o problema está em quebrar a lógica do personagem tão abruptamente. Aquele momento de sangue fervilhando exigia a cabeça fria do EZ gênio, do EZ calculista, do EZ sentimental. Essa explosão dele me tirou do episódio completamente, fazendo-me indagar mentalmente quem exatamente era aquele personagem ali segurando a pistola. E, curiosamente, apesar dos pesares (e sei que isso não vai fazer o menor sentido), eu gostei do que vi simplesmente porque, com uma cajadada só, o arco de Gabriela-EZ acaba e a transformação final de EZ em um psicopata assassino acontece exatamente como na maldição dos Reyes que Angel furiosamente menciona ao pai depois que Nails o deixa.
Falando em Angels, a gangorra para o lado dele foi impressionante. Não só ele de certa forma – mas inevitavelmente – ocasiona a morte de Gabriela, como ele descobre que Nails perdeu o bebê logo antes de ela o deixar, correndo em seguida para Leti para ele encontrar algum tipo de conexão humana. Angel, por incrível que pareça – e como EZ também deixa didaticamente claro para Sophia no começo – é emocionalmente imaturo e precisa de alguém do lado dele, de mãos dadas. Leti, mais do que sua válvula de escape, era alguém que talvez fosse capaz de suprir essa falta de momento, com a presença de Gilly afastando essa possibilidade. Não sei, porém, se gosto do desfecho de sua história até aqui, com a chegada de Adelita e o bebê. Pareceu-me conveniente demais que um evento fosse encaixado em outro ao longo de algumas poucas horas.
E, finalmente, fora dos Reyes, o episódio dedica um bom tempo para deixar sobejamente claro o tamanho da cunha existente entre Bishop e Álvarez. Não é exatamente uma novidade, mas o que vemos, aqui, são os dois em ambiente familiar, fora do clube, revelando que nem isso é capaz de uni-los mais, o que promete levar os dois a um confronto ou a mais algum tipo de tragédia de grande porte que, pelo menos para mim, ainda não está muito clara, mas que muito provavelmente definirá o futuro de Santo Padre.
Dialogue with the Mirror foi, portanto, um episódio problemático em razão de sua velocidade principalmente, já que ela acaba descaracterizando EZ – tenho para mim que o mesmo poderia acontecer se mais tempo fosse dedicado a cada sequência – e fazendo o drama de Angel ganhar encaixes incômodos demais. Faltou calma no roteiro e na progressão da direção de James, mesmo que as intenções em termos de desenvolvimento de personagens e da história geral tenhm sido boas, mas talvez nem tudo possa ter o luxo de ganhar abordagem contemplativa.
Mayans M.C. – 4X07: Dialogue with the Mirror (EUA – 24 de maio de 2022)
Showrunner: Elgin James
Direção: Elgin James
Roteiro: Debra Moore Muñoz, Richard Cabral
Elenco: J.D. Pardo, Clayton Cardenas, Sarah Bolger, Michael Irby, Richard Cabral, Raoul Trujillo, Danny Pino, Edward James Olmos, Emilio Rivera, Jimmy Gonzales, Greg Vrotsos, Grace Rizzo, Carla Baratta, Joseph Raymond Lucero, Vincent Vargas, Frankie Loyal, Manny Montana, Justina Adorno, Guillermo García, Lex Medlin, Gino Vento
Duração: 48 min.