- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos demais episódios.
Diferente da coruja em CGI que prenunciou o morno Búho/Muwan, o uso do morcego como animal totêmico no quarto episódio da temporada é bem mais eficiente e estabelece um bem cadenciado – apesar de longo – capítulo no esperado spin-off de Kurt Sutter. Tendo como função principal alargar os horizontes da obra, o roteiro co-escrito pelo showrunner com Santa Sierra faz de Murciélago/Zotz, talvez, o mais importante episódio até agora, com um mergulho mais evidente nos dramas pessoais de uma boa parte dos personagens.
Emily é, para mim, o maior destaque aqui. A mãe que perdeu o filho não descansa e se recusa a desistir, mesmo com seu próprio marido jogando contra. Mas, para conseguir o que mais deseja, ela precisa fazer o que sua sogra alerta como sendo algo que terá um preço terrível: mergulhar no submundo de seu marido e, com isso, aceitá-lo. Seu plano para reverter o cenário de conflito do Cartel Galindo contra Los Olvidados é a guerra de guerrilha, mas ela, para todos os efeitos, é uma amadora que mantém-se inocente diante da efetiva realidade do que seu marido faz. A eficiente sequência final na procissão em Santa Madre reúne todo o conceito por trás de Mayans M.C., com a dicotomia do profano e do sagrado envolta em traição e morte. Será muito interessante ver a jornada de Emily, se ela se afastará e procurará ajuda de EZ ou, como desconfio, abraçará de vez o lado sombrio que está escondido atrás dos ternos bem cortados, do Rolls-Royce último tipo e da mansão hollywoodiana de seu marido.
No outro espectro, temos El Coco e seu segredo, seu dilema. O roteiro, aqui, é quase confuso na velocidade com que as coisas andam, mas, quando dura sequência termina, com um pai sem saber o que fazer vendo sua filha ir embora na boleia do primeiro caminhão que vê oferecendo favores sexuais em troca de uma carona, ficamos desesperados, revoltados pela truculência da avó e pela inação de El Coco. O que sempre separou Sons of Anarchy de outras séries com vasto elenco foi a capacidade de Sutter de explorar mais do que apenas o núcleo principal da série e ele parece seguir o mesmo caminho em Mayans, empreendendo tempo, já nesse início, para lidar com um personagem que, para todos os efeitos, era menor. Pois bem, ele acaba de ganhar os holofotes. E o que vemos não é nada, mas nada bonito.
O universo da série ganha ainda mais abertura com a entrada de novos e misteriosos jogadores no cenário do tráfico de drogas local, o que nos permite ver Sutter fazendo comentários ferinos – e nada discretos – sobre a imigração ilegal e sobre o fanatismo patriótico, além de incluir a própria prefeita de Santo Padre na podridão da corrupção que permite o cartel e os Mayans agirem livremente por ali. Mas o jogo é ainda mais amplo considerando que Angel, líder da dissidência no clube, precisa de um comprador “na encolha” para as drogas roubadas pelos rebeldes que ele patrocina, agora que seu contato na máfia chinesa foi executado por Bishop. Com a entrada do militar truculento, um novo e perigoso jogo começa a ser estabelecido, com um final que simplesmente não poderá ser menos do que trágico considerando o massacre cirúrgico na casa dos caipiras.
No lado familiar dos Reyes, Felipe recebe o maior foco, no episódio que mais dá espaço para Edward James Olmos brilhar. A costura com o parentesco deles com Jimenez e o que o agente do DEA é capaz de fazer, mesmo que hesitantemente, para conseguir o que quer coloca o patriarca contra a parede em razão de seu passado misterioso e que envolve cabeças orgulhosamente decepadas, algo completamente desconhecido de seus filhos.
Jogado para escanteio nessa história toda, o personagem de JD Pardo ganha um ou dois minutos para desenvolvimento, com Alvarez iniciando um processo de cooptação dele, algo que provavelmente não dará certo considerando o senso de lealdade que demonstra ao se recusar de plano a trazer Emily para o lado do DEA a pedido de Jimenez. Mas o cerco está se fechando ao redor de EZ e ele não parece ter mais muito espaço para correr.
Apesar da grande quantidade de núcleos e assuntos abordados no episódio, a direção de Hanelle Culpepper mostra-se como a mais eficiente até agora na temporada, com uma decupagem precisa e uma montagem que estabelece muito bem cada momento, mesmo quando a intercalação de sequências passa a ficar mais intensa no terço final. É essa fluidez que vinha fazendo falta em Mayans M.C.
A trama definitivamente se complica em Murciélago/Zotz e a temporada fica decididamente mais saborosa, ainda que esse caldo precise de mais tempero para chegar ao ponto certo. Mas, ao contrário do animal cego que simboliza o episódio, aqui a visão fica bem mais ampla e afiada, novamente demonstrando que a empreitada de Sutter tem efetivo potencial para fincar os pés firmemente na areia do árido deserto fronteiriço onde se passa.
Mayans M.C. – 1X04: Murciélago/Zotz (EUA – 25 de setembro de 2018)
Criação: Kurt Sutter, Elgin James
Direção: Hanelle Culpepper
Roteiro: Kurt Sutter, Santa Sierra
Elenco: J.D. Pardo, Sarah Bolger, Michael Irby, Carla Baratta, Richard Cabral, Raoul Trujillo, Antonio Jaramillo, Danny Pino, Edward James Olmos, Emilio Rivera, Maurice Compte, Frankie Loyal Delgado, Joseph Raymond Lucero, Clayton Cardenas, Tony Plana, Michael Marisi Ornstein
Duração: 61 min.