É sempre interessante quando obras de horror examinam temas mais profundos, além das criaturas e dos sustos. Stephen King, em Carrie, a Estranha, usa o gênero para retratar um dos maiores terrores adolescentes, o bullying, nos anos 70, uma época que o assunto era pouco abordado. Jordan Peele tem usado horror nos últimos anos para falar de racismo e diferenças sociais, em seus filmes Corra! e Nós, e mais recentemente como produtor da excelente Lovecraft Country. Ari Aster explora o matriarcado e heranças familiares em Hereditário. Poderia dar dezenas de outros exemplos, mas o ponto é que, o terror pode ser usado como um veículo para contar histórias complexas, e não apenas para infligir medo na audiência, ou melhor, implicar um diferente tipo de medo. O terror do preconceito, abuso, humilhação, entre tantos outros problemas da nossa sociedade, podem ser mais aterrorizantes que qualquer fantasma ou monstro colocado em tela. Evil Eye tenta ser esse tipo de filme de terror com uma abordagem mais “real” dentro do sobrenatural, mas acaba falhando miseravelmente.
O filme é um dos novos lançamentos da parceria Blumhouse/Amazon, lançado sob a coleção Welcome to the Blumhouse, e marca a estreia dos irmãos gêmeos Elan e Rajeev Dassani na direção de um longa-metragem, e é adaptado do audiobook da dramaturga Madhuri Shekar, que também serve como roteirista da fita. O filme conta a história de Usha (Sarita Choudhury), uma mulher profundamente supersticiosa que deu joias à sua filha, Pallavi (Sunita Mani), destinadas a afastar o mau-olhado. Ela consulta astrólogos e é assombrada por sonhos e visões vívidas de abuso nas mãos de um homem. Ela também deseja que Pallavi se case, sempre programando indesejáveis e mal sucedidos encontros arranjados para ela. Mas quando um pretendente entra em cena, o carismático Sandeep (Omar Maskati), Usha não consegue se livrar da sensação de que algo não está certo com a identidade de seu futuro genro. Logo, ela se encontra em uma espiral paranoica, assombrada pelas memórias de seus incidentes traumáticos de muito tempo atrás.
Em teoria, a fita examina uma série de temas como violência doméstica, convicção religiosa e o pesadelo dos pais de como seus erros podem ser revisados por seus filhos, aliado a uma cultura divergente da americana que tanto vemos, construindo um mote que, mesmo não sendo original – todos os temas citados já são batidos no gênero –, pelo menos é interessante por seu conjunto. Porém, apesar da dupla de diretores montarem sua narrativa central com notável eficiência, eles se estabelecem em padrões de contenção repetitivos, já que imitam o ritmo dos dramas domésticos ao mesmo tempo que oferecem poucos detalhes sobre as relações que devem prender nossa atenção. Transformando o filme em um thriller sem emoção ou textura, criando primeiros atos que foram estendidos para se ter a duração de um longa-metragem.
Evil Eye brinca de gato e rato com clichês sobre superstições indianas, sugerindo que pode haver uma explicação secular para os medos de Usha, mas não consegue criar nada além disso. A dificuldade aqui é o material de origem: o audiobook de Madhuri Shekar, que aparentemente foi contada quase que inteiramente em conversas telefônicas e mensagens de voz. Ele não se traduz naturalmente na tela, impondo uma alternância que esvazia a tensão entre as cenas ambientadas na Índia e nos Estados Unidos, e combates intensos de diálogos entre mãe e filha arrastam o filme para a zona do melodrama. Ironicamente, o único momento cinematográfico que realmente salta aos olhos na direção branda dos irmãos Dassani é um telefonema entre as duas que se transforma em uma tela dividida configurada para fazer parecer que Usha e Pallavi estão cara a cara, mesmo que estejam em continentes diferentes.
Evil Eye não tem cenários, suspense ou surpresas. Ele pede ao espectador que espere a maior parte de seu tempo de execução para que Usha fique histérica o suficiente para intervir na América em nome de Pallavi, o que resulta em um confronto breve e superficial que é indigno de aproximadamente 70 minutos de preparação. Não aprendemos nada sobre a relação de Pallavi com Sandeep, e nenhum jogo de adivinhação é incentivado em relação à identidade do jovem. Claro, as preocupações da mãe são justificadas – isso não é um spoiler, está literalmente explicado no pôster oficial do filme – mas a maneira como Evil Eye acaba revelando isso é tão preguiçosa e sem inspiração que beira o cômico. O filme merece reconhecimento por ter uma abordagem sobrenatural que envolve culturas além das armadilhas ocidentais (há inúmeros filmes de terror que usam o catolicismo centrado nos Estados Unidos como guia, por exemplo), mas isso é a única coisa positiva que posso dizer aqui. E com ressalvas, já que o roteiro pouco adentra a cultura hindu além das superstições de Usha.
Potencial desperdiçado no cinema – em qualquer forma de arte, na verdade – é extremamente decepcionante. Têm-se um sentimento enervante quando um filme cria um bom conceito mas não sabe como desenvolvê-lo. Em sua determinação estática de parecer “sério”, Evil Eye fará com que você perca aquela centelha que impulsiona até mesmo as produções mais fracas da Blumhouse. Diferente das obras que citei no início, o filme dos irmãos Dassani se perde completamente na linha de raciocínio dos temas que quer abordar, se tornando uma espécie de soap opera embaraçosa sem identidade, com um final que passa uma mensagem de contínuo ciclo de violência.
Evil Eye – EUA, 2020
Direção: Elan Dassani, Rajeev Dassani
Roteiro: Madhuri Shekar
Elenco: Sarita Choudhury, Sunita Mani, Bernard White, Omar Maskati, Anjali Bhimani, Nupur Charyalu, Lena Clark, Asad Durrani, Kim Patel, Ramesh Reddy
Duração: 90 min.