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Crítica | Matrix Reloaded

por Guilherme Coral
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estrelas 3,5

O maior e talvez único problema de Matrix Reloaded é o seu exagero. O primeiro Matrix é, por excelência, um filme completo, que inicia e encerra uma narrativa, abrindo portas para um universo que, sim, pode ser amplamente explorado. O exagero em Reloaded, portanto, não é o fato dele expandir a mitologia criada na obra de 1999 e sim os excessivos floreios que utiliza para contar uma história que poderia ter sido, à exemplo de seu antecessor, exibida de forma simples, concisa e precisa. O longa-metragem, contudo, caiu na máxima hollywoodiana do quanto mais melhor, criando uma estrutura dilatada que, em última instância, acaba cansando o espectador.

Isso quer dizer que temos aqui um filme feito para ser jogado diretamente no lixo? É claro que não! As mentes de Andy e Lana Wachowski nos trouxeram inúmeros erros nessas duas continuações, mas muitos elementos ainda fazem desses filmes dignos de serem assistidos.

Uma evidente elipse entre Matrix Reloaded se estabeleceu, criando um distanciamento por nós desconhecido entre as duas tramas. Neo (Keanu Reeves) se revelou como o escolhido, mas isso apenas abriu mais perguntas dentro de si – enquanto a confiança de Morfeu (Laurence Fishburne) na profecia se mantém inabalada, Neo deve buscar o seu verdadeiro propósito dentro de todo aquele cenário. O tempo para fazer isso, todavia, é curto: as máquinas, cientes da localização de Zion, realizam uma gigantesca operação de escavação a fim de burlar o perímetro de defesa da última cidade humana.

Com essa premissa, o filme já vem dotado de uma inerente sensação de urgência – há um tempo limite para todas as ações ali descritas e ele é curto. Em termos de aprofundamento, nós partimos exatamente de onde fomos deixados no primeiro filme. Não há esforços didáticos para nos relembrar de cada um dos elementos já apresentados, o que atua em favor da narrativa da obra. A jornada pelo buraco do coelho agora é muito mais profunda, nos levando não só à Zion como aos princípios fundamentais da Matrix. O design de produção mantém a mesma lógica estabelecida no longa antecessor e nos traz, através de Zion, uma verdadeira amálgama das culturas humanas. Com uma aparência sucateada, repleta de mecanismos que parecem ter sido tirados do início do século XX, esse último reduto é preenchido por pessoas que mais parecem refugiados (e de fato são!). Por baixo dessas roupas sujas e rasgadas, porém, conseguimos enxergar traços de suas vidas quando ainda na ilusão.

Os Wachowski se mantém fiéis à sua premissa original nesse sentido e fazem das minorias a maioria nesse “mundo real”, relembrando que somente saem da caverna aqueles que não são apaixonados pelas sombras nela projetadas. As sequências em Zion resgatam grande parte da estupefação do espectador quando no primeiro filme – agora conhecemos um outro lado desse universo, que, por mais distópico que seja, ainda guarda esperança. É interessante, também, notar que existem diferentes pontos de vista dentro da cidade, que nem todos acreditam no mesmo que Morfeu, fator que ajuda a construir a fragilidade de Neo dentro da obra. Dentro da Matrix ele pode ser praticamente invencível, mas no mundo real ele é tão humano quanto Trinity (Carrie-Anne Moss) ou Link (Harold Perrineau, uma ótima adição como alívio cômico da obra).

Mas nem tudo se desenvolve fora do universo virtual. Dentro dele temos uma notável ênfase em outro aspecto da Matrix, os programas, mais notavelmente o Merovíngio (Lambert Wilson) e o Arquiteto (Helmut Bakaitis), além de uma abordagem criativa das backdoors. Andy e Lana trabalham com conceitos de computação de forma inteligente, dando consciência a praticamente qualquer software dentro daquele mundo, como se todos fossem uma inteligência artificial independente. A escolha por tal abordagem, é claro, requer um mínimo conhecimento de como tais elementos funcionam, mas nada que prejudique a nossa percepção da obra como um todo. O Merovíngio, em toda a sua pompa, é um dos pontos altos do filme, o que apenas prejudica a narrativa do longa quando percebemos que ele simplesmente some de uma hora para a outra. Já, tratando do Arquiteto, entramos no real problema da projeção.

Em uma única cena fica bem exemplificado o grande deslize dos Wachowski. Na tentativa de criar algo rico e complexo, os diretores/roteiristas imprimiram uma linguagem exageradamente complicada, reparem como o diálogo com tal figura é repleta de palavras “difíceis” apenas para complicar uma ideia que poderia ser facilmente transmitida. O calculismo das máquinas, muito bem exibido em Matrix através do agente Smith (Hugo Weaving), é aqui abandonado, trocado por floreios eternos que acabam confundindo o espectador. A ideia de que toda aquela história é cíclica e que o escolhido é praticamente criado pelas máquinas é, então, perdida dentro de extensos diálogos que buscam esconder sua verdadeira mensagem.

Esse deslize se estende na mesma proporção para as cenas de ação da obra. Dilatadas e muitas desnecessárias, quebram o ritmo do filme, visando apenas um espetáculo visual, muitas vezes, vazio. O maior exemplo disso, é claro, é a sequência de luta entre Neo e as centenas de cópias de Smith, que parece ter sido tirada diretamente de um vídeo-game. A ótima coreografia do primeiro filme (que ainda se faz presente em diversas das lutas, felizmente) aqui é trocada por repetitivos golpes e contragolpes que não conseguem puxar o espectador para dentro de si. O conceito da liberdade e paralelo com um vírus de computador (ou, talvez, um câncer) se faz presente através de Smith e Weaving nos proporciona memoráveis momentos através de sua caricata vilania, mas muito da profundidade do personagem é perdida aqui, fruto de uma falta de foco do roteiro, que abandona a linearidade para explorar um terreno maior sem eficácia.

Essa dilatação vista na fatídica sequência também vale para outras, como a perseguição na via expressa, que dura um tempo considerável. Felizmente, alguns momentos empolgantes são inseridos aqui e lá. Cenas de ação que recuperam o espírito do primeiro filme resgatam a obra em questão. Vale destacar a primeira luta contra os agentes logo no início do filme e a batalha no hall de entrada da mansão do Merovíngio. Para que essas funcionem, é claro, temos um louvável trabalho da direção de fotografia de Bill Pope, em conjunto com a montagem já premiada (em Matrix) de Zach Staenberg, que conseguem nos situar mesmo nos momentos de maior agitação, utilizando a mesma lógica do longa anterior, utilizando close-ups e a câmera lenta para mascarar os efeitos especiais (práticos e não-práticos). Aliado a esses fatores ainda temos a emblemática trilha sonora de Don Davis, que aqui decide utilizar melodias mais presentes que se destacam do som ambiente em ritmos eletrônicos. A música tema aparece, novamente, sob diversas variações, em geral acompanhada de açõs que desafiam as leis da física.

Matrix Reloaded pode não estar à altura do filme original, mas certamente vale ser conferido. Trata-se de uma grande expansão da mitologia da franquia e, por mais que possua inúmeros deslizes, ainda permanece com um saldo positivo. Andy e Lana Wachowski erraram a mão em diversos aspectos, trazendo um roteiro cheio de floreios que deixa para trás a notável simplicidade de Matrix, mas fica evidente que a ambição dos irmãos é pautada em mais que apenas a necessidade do lucro.

Matrix Reloaded (The Matrix Reloaded – EUA/ Austrália, 2003)
Direção:
 Andy Wachowski, Lana Wachowski
Roteiro: Andy Wachowski, Lana Wachowski
Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Jada Pinkett Smith, Harold Perrineau, Lambert Wilson, Monica Bellucci
Duração: 138 min.

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