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Crítica | Matilda (1996)

A história da inteligente e perspicaz garotinha homônima protagonista.

por Arthur Barbosa
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“Quando você está se divertindo, você não está aprendendo”.
– Agatha Trunchbull.

O clássico filme Matilda (1996) fez parte da infância de muitos brasileiros, muito provavelmente em função da sua excessiva exibição na Sessão da Tarde ao longo da programação da Rede Globo. Baseado em um livro homônimo escrito por Roald Dahl, ele conta a vida de uma menina super inteligente — chamada Matilda Wormwood (Mara Wilson) — que, por ler excessivamente desde pequena, é preterida pelos seus pais trambiqueiros, sendo a senhora Wormwood interpretada por Rhea Perlman, enquanto o patriarca é incorporado pelo também excepcional diretor e narrador do longa, Danny DeVito. Já o seu irmão mais velho é Michael (Brian Levinson), que, assim como os pais citados anteriormente, preferem assistir televisão comendo salgadinhos em abundância do que soltar a imaginação a partir de uma boa leitura. Além disso, a garotinha – esperta e perspicaz – possui superpoderes de telecinesia, ou seja, aqueles capazes de movimentar objetos por meio da força do seu pensamento. Com eles, ela consegue se livrar de situações perigosas, rendendo momentos engraçados e divertidos para nós, telespectadores, como a cena da vilã bebendo uma água contendo uma salamandra, a qual depois pulou em cima dela para a nossa alegria.

Logo de início, percebe-se que Matilda, além dos poderes mágicos, é uma garota prodígio, repleta de talento com os números e com as respostas surpreendentes para qualquer pergunta que é destinada à pequena. Surpreendente ainda é a maturidade da criança, que, desde os primeiros anos de vida, teve que amadurecer cedo para ter o autocuidado nas tarefas domésticas, como a alimentação e a higiene pessoal. À medida em que ela vai crescendo e, após descobrir o encantador mundo da biblioteca local, Matilda vê nos livros a busca pelo escapismo de uma família que a maltrata de todas as formas possíveis, sendo, desse modo, uma parte vital da sua rotina e de sua personalidade. É por intermédio deles que ela explora o mundo, porque a menina demorou muitos anos até conseguir ser matriculada na na escola Crunchem Hall. 

Lá, no ambiente escolar, ela conhece duas pessoas totalmente distintas: a doce e gentil professora Jennifer Honey (Embeth Davidtz) e a malvada e vilanesca diretora Agatha Trunchbull (Pam Ferris). Ambas possuem um passado repleto de tristeza, com a morte dos pais da primeira, enquanto a segunda, a tia dela, teve a responsabilidade de criá-la até atingir a fase adulta, com episódios de extrema violência, falta de carinho, em um ambiente rígido de disciplina e de obediência aos mandamentos da megera e azeda senhorita Trunchbull. Segundo o filósofo francês Michael Foucault, existe uma estrutura de controle social que tudo vê e que nada deixa passar, cunhada no termo panóptico, em que pudemos ver a onipresença da megera pelos corredores da escola, a qual, por sua vez, transparece ser uma amedrontada, obscura e fria prisão. Ah, inclusive, tem esse espaço no ambiente escolar, uma espécie de quartinho minúsculo, com enormes atrás da porta para colocar as crianças que não seguem as regras dela, sendo um terrível terror psicológico. Apesar de a trama transparecer ser um tanto sombria, o longa é leve, afinal de contas ele é majoritariamente voltado ao público infantil, mas nada impede de uma pessoa adulta assisti-lo também; olha eu aqui escrevendo uma Crítica sobre ele e, de certa forma, matando a saudade dos meus tempos de infância quando eu comia biscoito de polvilho na casa da minha avó assistindo-o em uma tarde qualquer após ter estudado no período da manhã ou até mesmo nas férias.

Ademais, ao contrário de muitas obras voltadas para o público das crianças, em Matilda não há o tratamento delas como personagens extremamente inocentes ou menos importantes, e sim indivíduos que entendem as situações que ocorrem a sua volta, contendo em seus comportamentos educação, responsabilidade, gentileza, firmeza e coragem. E por mais que os atos violentos e criminosos da diretora, como ela rodopiar uma menina pelo cabelo ou jogar um menino indefeso pela janela, transpareçam a característica de serem irreais, eles fazem com que os cidadãos mirins questionem e percebam o que é o certo e o que é errado, da mesma foram que todo ato tem as suas consequências, sejam elas boas, sejam elas ruins. Dessa maneira, a ruindade acabou assolando a vilã no final, a qual abandonou e desapareceu da Crunchem Hall, tendo sido uma personagem terrível em suas ações e, ao mesmo tempo, ridícula demais para ser levada a sério. Em meio a isso, ainda tivemos a cafona casa decorada da família da Matilda, que não perceberam a breguice do local, juntamente à ausência de análise crítica dos seus moradores, exceto a nossa protagonista. O senhor e a senhora Wormwood também podem ser considerados cafonas e caricatos, dando uma vergonha alheia ao vê-los em cena, tanto pelos seus trejeitos quanto pelos seus atos fora da lei para conseguir dinheiro de uma maneira fácil e rápida.

Outro aspecto positivo do filme é a incredulidade que a Matilda gera a cada novo diálogo com os adultos, mostrando que desde cedo precisamos questionar os maiores de idade para não sofrermos injustiças. Isso foi notório por exemplo no rebate da seguinte fala destinada à personagem principal: “Eu sou esperto, você é burra; eu sou grande, você é pequena; eu estou certo, você está errada; e não tem nada que você possa fazer a respeito disso!”. Muito pelo contrário: além de ter feito algo, Matilda de modo muito inteligente ilustrou a ausência de habilidade de argumentação dos adultos estúpidos, os quais de forma insistente oprimem as crianças por duvidarem das capacidades e da maturidade delas em tomar decisões, como os seus pais. Consequentemente, por não terem nenhuma habilidade cognitiva, eles acabaram se transformando naquilo que eles tanto criticam e repudiam: adultos mimados, hipócritas e burros, afinal de contas eles não desconfiaram em nenhum momento da presença dos agentes do FBI, os quais estavam estacionados na porta da casa, monitorando o ambiente 24 horas por dia. 

Portanto, Matilda é um filme essencial para o público-alvo, com elementos sádicos, que são apresentados de maneira imaginativa e lúdica, com a presença de adultos caricatos e, claro, engraçados. Mara Wilson conseguiu proeza e maestria ao ser a intérprete da protagonista, sendo extremamente carismática e adorável em suas falas e em seus trejeitos, além de nos mostrar a importância da leitura desde a tenra idade. Matilda – que ganhou uma nova versão, em 2022, pela Netflix, intitulada de Matilda: O Musical – é uma comédia familiar sombria sobre pais estúpidos, contendo uma professora cruel e uma garotinha corajosa. Percebe-se que DeVito conseguiu nos mostrar o respeito ao público infantil – que eles podem ser os verdadeiros protagonistas de suas próprias histórias – juntamente à relevância da leitura na formação crítica e cidadã do público menor de idade. Menção honrosa à cena em que o personagem Bruce Bogtrotter (Jimmy Karz) precisou comer um bolo enorme de chocolate na frente de toda a escola no auditório. Quem aí também torceu e, óbvio, comemorou quando ele finalizou o castigo? Por falar nessa cena icônica, em 2019, o elenco original se reuniu novamente para relembrar o filme e, ainda, a cereja do bolo – me perdoem pelo trocadilho infame! – foi o fato de eles terem recriado a cena do bolo, com muitas recordações e risadas.

Matilda | EUA, 1996
Diretores: Danny DeVito
Roteiristas: Roald Dahl, Nicholas Kazan, Robin Swicord
Elenco: Mara Wilson, Danny DeVito, Rhea Perlman, Embeth Davidtz, Pam Ferris, Brian Levison, Jimmy Karz, Paul Reubens, Tracey Walter, Jean Speegle Howard, Sara Magdalin, RD Robb, Gregory R. Goliath, Fred Parnes, Kiami Davael, Kira Spencer Cook
Duração: 100 minutos (1h40)

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