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Crítica | Matar um Tigre

Buscando justiça e mudança.

por Kevin Rick
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Apesar de ter estreado em festivais em 2022, o documentário canadense Matar um Tigre (To Kill a Tiger) só começou a ganhar atenção no ano de 2023, recebendo uma indicação ao Oscar de 2024 e, posteriormente, ganhando distribuição global através da Netflix. Gosto de evitar dizer que um filme é “necessário” (essa palavra hoje em dia é dita com muita falta de cuidado), mas a produção dirigida por Nisha Pahuja é importante e precisar receber a maior plataforma possível para que sua história seja contada, uma vez que é aquele tipo de obra capaz de gerar impacto e mudança ao dar voz para vítimas em silêncio.

O documentário acompanha uma família em Jharkhand, na Índia, que busca justiça depois que sua filha de 13 anos é brutalmente estuprada por três jovens de uma pequena vila, um deles que é primo da vítima. Normalmente, esses tipos de atos hediondos na Índia são “resolvidos” dentro da própria comunidade, sem intervenção policial/judicial, o que aumenta o número de abusos sexuais e diminui a voz de muitas garotas e mulheres violentadas. Inclusive, a “solução” da comunidade é a de que a criança abusada se case com um dos três criminosos, para que não perca sua honra.

Um absurdo que facilmente revolta a audiência, somos rapidamente inseridos dentro do sentimento de indignação que a cineasta Nisha Pahuja quer expor, algo que passa pela fúria e impotência da família e daqueles que estão ajudando-os contra uma sociedade machista. É interessante o cuidado da cineasta em focar mais nesse lado narrativo, sobre a jornada do pai da garota, do caso na justiça e nas opiniões de quem mora na vila em que tudo aconteceu, do que ficar explorando o sofrimento da vítima. Inclusive, ao longo do filme, vemos a garotinha em momentos esparsos e sempre com uma cautela em não causar sua exposição para além do necessário.

Dessa forma, a cineasta evita criar uma obra que se aproveita de forma gratuita da tragédia da jovem. Existe sim uma certa intimidade com a família através de muitas sequências dentro da casa, deles trabalhando e sentados, emocionalmente falando sobre o ocorrido, mas nada soa forçado ou manipulativo. Tudo é sempre voltado mais para o campo de empatia e de frustração por conta do comportamento social e a reação equivocada de tantas pessoas com opiniões limitadas pela sua própria falta de educação, algo que Pahuja foca com interesse para uma narrativa que quer discutir a necessidade de mudanças culturais dentro do pensamento coletivo indiano sobre esse problema social.

Nesse sentido, acredito que a produção encontra seus melhores momentos quando está entrevistando moradores locais, como uma anciã que acredita que a garota deve casar com um dos estupradores, uma autoridade da vila que tenta “apaziguar” o ocorrido e um líder da comunidade que fica pensando nas consequências da situação ser levada à justiça (é curioso como essa pessoa em específico está errada, mas de certa forma nos ensina bastante sobre as dinâmicas locais e como a jornada da família protagonista é perigosa). Entre pessoas contrárias à prender os criminosos e outras dispostas a transformar uma opinião coletiva retrógrada, podemos ver o início de um possível evento que pode modificar a vida de muitas pessoas.

Matar um Tigre (To Kill a Tiger) poderia ser uma exploração sentimental do sofrimento de uma garota e de tantas outras mulheres, simplesmente evidenciando um problema na Índia, mas Nisha Pahuja se recusa a fazer algo tão superficialmente simplista e vitimista. Na verdade, a cineasta cria uma narrativa sobre resiliência, sobre um pai e uma mãe dispostos a lutar mesmo entre perigos, receios e costumes atrasados, e sobre a capacidade de mudança quando pessoas estão determinadas a passar pelo esforço de melhorar a sociedade. No fim, temos um desfecho recompensador entre as cicatrizes de uma família que, pelo menos, encontrou justiça.

Matar um Tigre (To Kill a Tiger) – Canadá, 2022
Direção: Nisha Pahuja
Roteiro: Nisha Pahuja
Duração: 127 min.

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