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Crítica | Matador de Aluguel (2024)

Mais um remake indispensável!

por Ritter Fan
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Quando a Amazon comprou a MGM, a primeira coisa que Jeff Bezos deve ter determinado foi que um pequeno exército de estagiários procurasse na biblioteca de um dos mais importantes estúdios clássicos de Hollywood todo o material que pudesse ser reaproveitado e, percebendo que tudo o de realmente bom já havia sido comprado há décadas pela Warner, alguém teve a brilhante ideia de fazer um remake de Matador de Aluguel, filme em tese cult de 1989 protagonizado pelo saudoso Patrick Swayze, ideia essa que deve ter sido encampada por algum executivo esperto, vendo todo o poder da obra originalmente dirigida por Rowdy Herrington. Se alguém farejou ironia e sarcasmo no que escrevi, “it’s a bingo“, como diria Hans Landa, pois vamos combinar que o mais famoso longa de brucutu de Swayze não tinha absolutamente nada de especial para além do carisma dele, de Jeff Healy e de Sam Elliott.

E, com isso, 35 anos depois, eis que o público ganha mais uma refilmagem completamente desnecessária de um suposto clássico, desta vez com direção de Doug Liman e estrelado por Jake Gyllenhaal. Não vou nem entrar no mérito de como Liman e Gyllenhaal, ambos com ótimos filmes no currículo (Liman tem altos muito altos e baixos nem tão baixos assim e Gyllenhaal tem uma carreira muito consistente), leram o roteiro e aceitaram participar do projeto. Entendo a atração exercida pelo dinheiro, claro, mas sempre fico estupefato como alguns nomes de calibre embarcam em furadas como um remake de um filme que sequer era bom em sua primeira versão e que conta com uma premissa básica, quase banal e que, no caso do ator, ainda exigiu sei lá quanto tempo de esforço físico e dieta rigorosa para ele ganhar todos aqueles músculos abdominais. Seja como for, é o que temos e o resultado final, infelizmente, acaba sendo qualitativamente comparável ao longa original, com os problemas que são resolvidos aqui abrindo espaço para problemas novos tão relevantes quanto.

O primeiro aspecto que chama atenção na história de Elwood Dalton (Gyllenhaal), um autodestrutivo e amargurado ex-lutador de MMA que é contratado com leão de chácara de um bar/boate nas Florida Keys para tentar revolver o problema de violência que assola o lugar todos os dias, é que o roteiro de Anthony Bagarozzi (co-roteirista do ótimo Dois Caras Legais) e Chuck Mondry (por enquanto um Zé Ninguém) abraça a sátira, o estereótipo, o exagero extremo, mostrando que sabe aonde quer chegar, sem ficar hesitante em simplesmente ser um completo escracho. Em outras palavras, diferente do roteiro sem rumo de R. Lance Hill e Hilary Henkin no filme original, que não tinham ideia sequer do gênero do que escreveram, agora há um norte. Pode-se perfeitamente não gostar desse norte, mas ele inegavelmente existe, já que o filme em momento algum chega perto de se levar a sério e funciona na base da insanidade violenta que muito facilmente poderia sair da mente de Guy Ritchie.

No entanto, isso não quer de forma alguma dizer que o roteiro é bom, bem escrito, com diálogos edificantes, mensagens bacanas ou coisas nessa linha. Não há nada disso na nova versão de Matador de Aluguel. Ao contrário até, o trauma pessoal do protagonista – que, no original é… hummm… mais denso… pela total falta de paciência de procurar um adjetivo mais adequado – é raso, mal resolvido e faz parecer que o protagonista é um personagem de desenho animado como o Taz, ou de quadrinhos, como o Hulk, ou outro que, quando se irrita, sai batendo em todo mundo sem limites, com uma psicologia subjacente que é digna de conversa de bêbado em botequim da esquina e que perde muito com a exclusão de um mentor para o protagonista, algo que, no original, funcionava bem. Só que o roteiro consegue ser aquilo que procura ser: uma pista de pouso de terra batida que tem como objetivo abrir espaço para pancadaria incessante e insana, mesmo que o que acabe pousando lá esteja menos para um jatinho moderno e mais para o albatroz de Bernardo e Bianca. Além disso, sob qualquer ponto de vista, mesmo fazendo um troglodita destemperado, Gyllenhaal é um bom ator e sua clara autoconsciência do que é seu papel rima perfeitamente com a pegada do roteiro.

Por seu turno, Doug Liman, que já mostrou muito conforto com filmes de ação, tendo em seu currículo obras invejáveis como A Identidade Bourne e No Limite do Amanhã, infelizmente não estava em seus melhores meses quando iniciou seu envolvimento com Matador de Aluguel. Liman muito claramente quis, como mencionei, aproximar-se do estilo tresloucado de Guy Ritchie, mas tudo o que ele conseguiu foi imitar o que Ritchie tem de pior, que é justamente a pirotecnia vazia e quase que completamente incompreensível que sabota vários de seus filmes (Ritchie é outro diretor cheio de altos e baixos). Liman faz justamente isso e se autossabota, basicamente estragando todas as sequências de luta com invencionices bobas como filmagens em primeira pessoa, com uma montagem porca de milissegundos da escola de Michael Bay e com o uso de um CGI completamente equivocado que faz o oposto que deveria fazer, ou seja, no lugar de aprimorar as cenas e aumentar a imersão, ela as transforma em videogames fajutos. Curiosamente, em termos comparativos, a direção de Herrington no filme oitentista tentou salvar um roteiro inano, e, agora, a direção de Liman estraga um roteiro com espírito.

Hollywood já mostrou mais vezes do que consigo lembrar que revirar o baú da nostalgia para fazer dinheiro novo com coisa velha costuma ser tiro certo em termos de bilheteria, mas um erro enorme em termos de investimento de tempo e esforço que poderiam ser empregados em material novo. Mas, enquanto o público seguir preferindo continuações, remakes, prelúdios e reboots, é isso que em regra teremos. Resta-nos, agora, aguardar que o estagiário que desencavou Matador de Aluguel lá dos alfarrábios da MGM encontre outra pérola dessas para ser refeita ou que algum executivo tenha a ideia brilhante de fazer Matador de Aluguel 2, com direito até à participação da versão em computação gráfica do falecido Swayze!

Matador de Aluguel (Road House – EUA, 21 de março de 2024)
Direção: Doug Liman
Roteiro: Anthony Bagarozzi, Chuck Mondry (baseado em roteiro de R. Lance Hill e Hilary Henkin)
Elenco: Jake Gyllenhaal, Daniela Melchior, Conor McGregor, Billy Magnussen, Jessica Williams, B.K. Cannon, Joaquim de Almeida, Austin Post, Lukas Gage, Dominique Columbus, Arturo Castro, JD Pardo, Beau Knapp, Hannah Lanier, Kevin Carroll, Robert Menery, Darren Barnet, Travis Van Winkle, Jay Hieron
Duração: 121 min.

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