- Leiam, aqui, as nossas críticas dos outros games da franquia.
O anúncio de Mass Effect: Andromeda deixou os fãs da franquia em polvorosa, criando a automática ansiedade naqueles que ficaram órfãos da série após o controverso desfecho de Mass Effect 3. Quando as primeiras impressões do game começaram a sair, contudo, presenciamos todos os péssimos sinais de um jogo altamente problemático: bugs em animações, missões repetitivas, diálogos rasos e um início não tão cativante. Tais fatores, que podem acabar desmotivando inúmeros jogadores a sequer darem uma chance para a obra, estão, sim, presentes em parcelas do produto final, mas Andromeda é um daqueles clássicos exemplos de produções que contam com tantos acertos que os erros acabam sendo eclipsados pela sua experiência como um todo.
O início da história ocorre entre os eventos do segundo e terceiro jogos da franquia. Organizada pelas quatro raças que formam o Conselho da Via Láctea, os Asari, Salarians, Turians e humanos, a iniciativa Andromeda visa enviar representantes dessas quatro raças, mais os Krogan, para a galáxia de Andrômeda, onde povoarão quatro planetas pré-selecionados. Após uma longa viagem de 600 anos, durante a qual os tripulantes das naves foram criogenicamente congelados, eles acordam diante de algo muito diferente do que imaginavam: seus planetas foram comprometidos por um estranho fenômeno que posteriomente chamam de The Scourge e, para complementar, sua segurança é ameaçada pela raça alienígena conhecida como os Kett. Cabe a Ryder, explorador(a) da raça humana, garantir a sobrevivência de todos esses indivíduos que cruzaram o espaço profundo.
A trama geral aproveita uma interessante brecha na mitologia da trilogia original de Mass Effect. Os habitantes da Via Láctea estão prestes a enfrentar a ameaça dos Reapers e não sabem se irão sobreviver ou se serão exterminados como as inúmeras civilizações que os precederam ao longo dos milênios. A iniciativa Andrômeda pode ser encarada, portanto, como o plano B, uma forma de garantir a sobrevivência dessas raças. É interessante notar como o roteiro não deixa isso explícito em momento algum, permitindo que os novos jogadores aproveitem essa experiência plenamente, enquanto que os fãs de longa data certamente captarão alguns detalhes que acrescentam uma bela profundidade a esse universo.
Dito isso, mesmo aqueles que acompanharam as aventuras do comandante Shepard desde o início encararão Andromeda como uma grande novidade. Temos aqui um foco completamente distinto daquele que marcou a narrativa dos três antecessores. Enquanto que a primeira trilogia contava com uma urgência notável, em virtude dos Reapers, cuja chegada é anunciada já logo no primeiro jogo, aqui a ênfase está na exploração. Nas outras críticas da série me referi a Mass Effect como Star Trek dos videogames e isso nunca se mostrou tão claramente quanto aqui na quarta entrada da franquia, que transmite ao jogador, inúmeras vezes, a sensação de surpresa, seja em decorrência da beleza das novas localidades, ou da imersão em cruzar o espaço entre um planeta e outro.
Fica claro que a Bioware fez o máximo para nos colocar precisamente na posição de explorador. Cada nova descoberta é recompensadora, às vezes simplesmente por presenciarmos algo novo, não que necessariamente ganharemos algum item dentro do jogo. Se uma palavra pode bem definir o que significa jogar Mass Effect: Andromeda, é imersão. Desde o deserto gigantesco de Elaaden, até as geleiras de Voeld, somos completamente absorvidos por tais locações e, muitas vezes, apenas cruzar o mapa de um lado para o outro pode provar ser uma experiência inigualável, contanto, é claro, que o jogador não esteja preocupado apenas com a história – tudo depende da maneira como encaramos o game – aquele que decidir simplesmente parar para observar os cenários e suas estonteantes profundidades de campo certamente serão mais cativados pelo jogo.
Com tal questão em mente, é quase óbvio afirmar que Andromeda requer uma bela dose de paciência de seu jogador. Esse não é um game feito para zerar rapidamente. É preciso aproveitar cada aspecto de sua construção e a Bioware realmente se esforçou para garantir, ao máximo, a liberdade do jogador, possibilitando que escolhamos o que fazer em praticamente todos os momentos do gameplay. Somos nós que decidimos o que fazer e quando fazer nessa galáxia, algo que, de início, certamente pode parecer assustador, especialmente considerando a gigantesca quantidade de sidequests presentes no game, que pipocam na tela do início ao fim.
Existe, é claro, a bastante clara noção de que algumas das ações que podemos realizar são mais impactantes que outras. Cinco dos planetas que visitamos estão disponíveis para criarmos colônias e, para isso, é preciso que tornemos tais locais viáveis para a vida de cada uma das raças que vieram da Via Láctea. A cada missão que completamos, essa viabilidade aumenta e algumas dessas garantem um percentual maior dessa taxa, como ativar monólitos deixados por uma raça antiga, conhecida como os Remnant, capazes de terraformar cada um dos planetas, seja diminuindo sua temperatura, aumentando-a, acabando com a toxicidade da atmosfera ou purificando suas fontes de água.
Ativar tais monólitos, que, naturalmente, remetem ao clássico 2001 – Uma Odisseia no Espaço, e explorar as estruturas subterrâneas que são abertas quando ativamos todos de um planeta, é uma das experiências mais engajantes de todo o game, trazendo-nos inúmeros puzzles dispostos em ambientes que dão um ar de ancestralidade a essa raça robótica misteriosa. Ouso dizer que essa atmosfera inerente ao desconhecido é algo que não vimos na franquia desde o primeiro jogo e muitas vezes nos vemos percorrendo as distâncias de cada localidade apenas na expectativa de descobrir algo novo, que possa jogar uma luz sobre os mistérios do enredo.
As semelhanças com o Mass Effect original, porém, não param por aí. Apenas a presença do veículo de seis rodas, o Nomad, que utilizamos para explorar a superfície dos planetas, nos leva de volta aos tempos que controlávamos o Mako praticamente todas as vezes que pousávamos em um novo local. Felizmente, a tragédia que era controlar aquele carro/caminhão não se repete aqui – controlar o Nomad é algo extremamente engajante, com controles bastante intuitivos e funcionalidades que tornam o ato de dirigir mais do que apenas segurar um botão. Aqui, somos forçados a trocar de marcha de acordo com a inclinação do terreno, além de podermos usar um turbo e um propulsor para facilitar nossa jornada. Além disso, podemos customizar e melhorar desde os escudos até a pintura do veículo, um belo uso de elementos de RPG em quase todos os aspectos do game.
Dirigir o Nomad, contudo, traz consigo uma tarefa que todos temíamos que retornasse: minerar recursos. Ainda que não seja algo tão sofrível quanto em Mass Effect 2 (que continua sendo uma obra-prima, apesar desse ponto), procurar por Platina, Elemento Zero, Níquel, dentre outros elementos prova ser uma atividade bastante enfadonha. Felizmente, os locais onde encontramos cada um deles são sinalizados no mapa, o que facilita consideravelmente nossa tarefa. Além disso, suprimentos de recursos podem ser obtidos regularmente através de um perk que desbloqueamos durante o jogo.
Esse e outros perks estão diretamente ligados aos Andromeda Viability Points (pontos de viabilidade de Andrômeda), que podem ser adquiridos completando tarefas e missões. Assim, praticamente tudo no game nos oferece um tipo de recompensa, permitindo que nosso personagem avance em termos de recursos e habilidades regularmente. Aqui, voltamos para a questão da liberdade oferecida pelo jogo por meio de um ponto que chega a ser surpreendente: o nível máximo que podemos alcançar é quando maximizamos todas as skills disponíveis. Tal questão dialoga perfeitamente com o novo sistema de habilidades, que pode ser toda customizada visto que as classes foram abolidas. Em outras palavras, é possível criar um personagem que use uma variedade de armas, utilize poderes bióticos (poderes Jedi, ou quase) e tecnológicos. Além disso, de acordo com nossas escolhas de como construir o protagonista, novos perfis são liberados, cada um contando com bônus passivos que se enquadram na forma como desejamos prosseguir durante as lutas.
Entramos, portanto, naquilo que Andromeda mais se destaca: sua mecânica de combate. Com essa ampla liberdade oferecida pela nova mecânica de níveis, que nos permite investir pontos em qualquer coisa, dezenas de builds podem ser construídas, com inúmeros combos possíveis. É o jogador que decide o que ele quer usar e se quer batalhar de perto, longe ou os dois e não um sistema fechado que precisa ser escolhido no início do jogo. Esse aspecto, aliado ao jetpack utilizado por Ryder, que possibilita pularmos e flutuarmos por um breve período de tempo, tornam as lutas incrivelmente dinâmicas. Ao contrário da trilogia original, que se baseava em esconder atrás de uma barreira e acabar com os inimigos um a um, aqui precisamos nos movimentar, pular, desviar e muito mais, permitindo diferentes estratégias para derrotar cada tipo de oponente.
Infelizmente a variedade de criaturas que enfrentamos não é assim tão variada, mas isso sempre fora um problema na franquia. O que não faz o menor sentido é encontrarmos animais selvagens iguais em planetas de sistemas solares diferentes, o que, se tivermos boa vontade, pode até ser explicado se considerarmos que a raça nativa dessa galáxia, os Angara, pode ter levado espécies de um lugar para o outro. Ainda assim, é preciso muita suspensão da descrença para deixar tal fator de lado. Por outro lado, assim como nos antecessores, cada inimigo apresenta diferentes resistências e barreiras que devem ser combatidas utilizando uma variedade de habilidades e armas.
Equipamentos não faltam no game, que apresenta o maior arsenal da franquia, tanto em se tratando de armas quanto armaduras. Essas podem ser adquiridas através de mercadores ou pela nova mecânica de pesquisa, que consiste em adquirir pontos de pesquisa para que possamos liberar esquemas de equipamentos a serem construídos utilizando os recursos que mineramos. Escanear as diferentes tecnologias, divididas em três categorias: Via Láctea, Heleus e Remnant; é uma tarefa tão cansativa quanto a mineração, mas, ao menos, somos avisados quando há algo relevante a ser escaneado por perto, fora que, com o tempo, passamos a prever onde poderemos encontrar objetos que nos oferecem tais pontos de pesquisa.
Mas tudo isso ainda não estaria completo não fosse a interação com os outros personagens desse universo. De início, os diálogos soam rasos e muito aquém daquilo com o que nos acostumamos ao longo da trilogia original. Contudo, conforme o game progride, interações mais profundas se fazem presentes, chegando a ser destoantes e fazendo parecer como se outra equipe tivesse trabalhado na segunda metade do game. Aqui, a alma da franquia pode ser encontrada e logo nos aproximamos dos diversos personagens que compõem a equipe. Essa mudança se aplica tanto nos diálogos ligados às missões, quanto nas conversas casuais durante as missões e realmente não tem preço ouvir um integrante de seu esquadrão gritar shiiiiiiiiiiiiiiiiit enquanto saltam com o veículo por cima de um gigantesco buraco cujo fundo sequer conseguimos enxergar.
Evidente que o clássico romance retorna com tudo aqui em Andromeda e, dessa vez, com algumas cenas impróprias para menores, com nudez mais explícita. De fato, toda a mecânica desse fator foi melhorada, possibilitando algo mais natural e inerente às missões de lealdade que, felizmente, retornam de Mass Effect 2, ainda que não consigam ser tão emblemáticas quanto as do segundo game da série. A nova roda de diálogos, contudo, nos distancia do sistema de moralidade, que é abandonado, favorecendo escolhas que melhor refletem a personalidade almejada pelo jogador – isso garante uma maior liberdade nas opções, já que não precisamos ficar presos ao Paragon ou ao Renegade. Não ache, porém, que as escolhas não contam com peso, já que difíceis decisões precisam ser tomadas regularmente e nunca existe um certo ou errado para definir a melhor opção.
Chegamos, portanto, ao ponto mais criticado do jogo: suas animações repletas de bugs. Isso é realmente algo que muito incomoda nos minutos iniciais, especialmente considerando os gráficos refinados que certamente mereciam algo melhor. Não há como não soltar gargalhadas quanto Ryder emula a garota de O Exorcista, girando sua cabeça repentinamente para trás. Essas, porém, são questões pontuais, que aparecem de vez em quando durante o jogo e não preenchem toda a experiência como muitos pintam por aí. É um grande defeito? Sim, mas é algo que deixa de incomodar depois de algumas horas e que certamente será corrigido com atualizações, visto que evidentemente é algum erro em alguma linha da programação e não um problema na captura de movimento. Sobre alguns personagens pareceram apáticos em determinadas situações, isso sempre foi um problema na franquia , algo que jamais impediu que nos apaixonássemos por ela.
Mass Effect: Andromeda, portanto, é um game que pode ser encarado tendo em vista unicamente seus defeitos. Isso, porém, tirará a chance de se experimentar algo verdadeiramente único nos games. Temos aqui um jogo que se distancia da trilogia original, focada em Shepard, mas que mantém a alma da franquia. Com um foco nítido na exploração e na liberdade, nos vemos engajados de tal forma que imergimos totalmente nessa nova galáxia, querendo cada vez mais desvendar seus muitos segredos. Andromeda é um novo passo dentro dessa mitologia de ficção científica criada pela Bioware, cujos pontos positivos definitivamente ocultam os negativos.
Mass Effect: Andromeda
Desenvolvedor: Bioware
Lançamento: 21 de março de 2017
Gênero: Tiro em terceira pessoa, RPG
Disponível para: PS4, Xbox One, PC