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Crítica | Mary Stuart: Rainha da Escócia

por Rafael Lima
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A rivalidade entre as dinastias dos Stuart e dos Tudors por muito tempo rondou o trono da Inglaterra; marcada tanto pelos naturais jogos de poder, quanto por suas diferenças religiosas. O ápice dessa rivalidade se deu na constante tensão existente entre a Rainha da Inglaterra, Elizabeth I e Mary Stuart, Rainha da Escócia, que dentro da perspectiva católica, era a verdadeira herdeira da coroa britânica. O cinema e a TV já trouxeram diversas versões sobre os bastidores dessa rivalidade, sendo uma delas o objeto desta resenha, o filme Mary Stuart: Rainha da Escócia, de 1936, comandado pelo reconhecido diretor John Ford.

Na trama, após a morte de seu marido na França, Mary Stuart (Katharine Hepburn) retorna a Escócia para assumir o trono de seu país natal. A volta da Rainha causa grande desconforto tanto aos lordes da Escócia, quanto a Rainha inglesa Elizabeth I (Florence Eldridge), que acredita que Mary pretenda usar o seu reinado na Escócia como um trampolim para tomar o trono britânico. Enquanto tenta perpetuar o seu reinado, Mary Stuart deve enfrentar as conspirações externas e internas para derrubá-la, ao mesmo tempo em que se vê apaixonada pelo impetuoso Lord Bothwell (Fredric March).

Adaptado da peça de Maxwell Anderson, o roteiro de Dudley Nichols cobre a vida de Mary Stuart desde o seu retorno à Escócia em 1561, quando assumiu a coroa, até a sua morte, em 1587. Desde o começo, a narrativa dá ares trágicos à sua heroína, fazendo Mary enfrentar um ambiente hostil desde o momento em que põe os pés em solo escocês. Ela enfrenta conspirações lideradas por seu próprio irmão, Lord Moray (Ian Keith); a intolerância de John Knox (Moroni Olsen), líder da Igreja Protestante na Escócia, que reprova a cristandade da monarca; e a paranoia de Elizabeth I, que trama a queda de Mary, por um medo injustificado que a soberana escocesa tente reclamar o seu trono.

É preciso apontar que o filme está longe de ser historicamente preciso, já que Mary Stuart não era assim tão desinteressada na coroa inglesa quanto o filme prega. Claro, isso não é um problema, pois não estamos discutindo um documentário, mas abordo isso para apontar o quanto a protagonista é unidimensional dentro do filme, pois Mary Stuart não parece ter um arco dramático claro, que não seja sofrer pelas injustiças que passa. Se o filme escolhesse um foco narrativo claro, essa deficiência poderia não ser sentida. Mas o roteiro empilha uma série de eventos um atrás do outro, sem que o público tenha tempo de se envolver com esses acontecimentos. Em um momento, Mary Stuart está sofrendo um golpe de estado, que então é rapidamente rechaçado. Logo, temos mais uma tentativa de golpe que rapidamente se torna um sítio e que termina com a rainha de volta ao poder, pra ela então sofrer um novo golpe… e assim por diante.

A narrativa ainda tenta usar o romance da personagem título com Lord Bothwell como fio de ligação entre as diferentes situações dramáticas apresentadas pela obra, vide o casamento de Mary Stuart com Lord Darnley (Douglas Walton), ou as constantes tentativas de golpe sofridas pela monarca. O problema é que tal romance é mal desenvolvido pelo roteiro, com alguns saltos de desenvolvimento que nunca permitem que o grande amor entre a rainha e o Lorde ganhe credibilidade, o que por sua vez, prejudica toda a estrutura narrativa pelo fato desta relação ser o plot que deveria conectar as diversas tramas que surgem ao longo da projeção. 

A direção de Ford é competente, mas parece não conseguir se livrar das raízes teatrais do projeto, ao mesmo tempo em que raramente abraça completamente essas raízes. Apenas ouvimos outros personagens falarem sobre como as ações de Mary Stuart estão agradando ou desagradando os seus súditos, sendo que nunca somos realmente capazes de sentir a devoção ou a rejeição que o governo da rainha está inspirando na Escócia. Por outro lado, a direção de Ford ainda encontra momentos de brilho, especialmente nas passagens-chave da obra, onde retrata a forma como a protagonista se coloca diante do ambiente hostil criado por um grupo de homens que querem prejudicá-la, vide a cena em que se apresenta a sua corte pela primeira vez, ou na cena do julgamento durante o 3º ato.

Katharine Hepburn e Fredric March são atores muito carismáticos e conseguem tornar seus personagens minimamente simpáticos, apesar de seus caráteres unidimensionais. Por outro lado, a evidente falta de química entre o casal de atores acaba jogando contra os objetivos do filme. John Carradine, por sua vez, chama a atenção ao interpretar Rizzio, o conselheiro italiano de Mary Stuart, que mesmo tendo grandes discordâncias de sua rainha, é um dos poucos a se manter fiel a ela. Devo ainda destacar o trabalho de Florence Eldridge como a Rainha Elizabeth I, que consegue em alguns momentos conceder alguma dubiedade à sua monarca, vide a sua cena final, ainda que o roteiro insista em pintá-la como uma espécie de rainha má invejosa.

Mary Stuart: Rainha Da Escócia acaba sendo um filme menor de John Ford, cujo roteiro prefere ignorar as complexidades e ambiguidades da história de Mary Stuart para dar lugar a uma história de amor, cujos elementos políticos surgem de forma maniqueísta. Mais uma vez, essa simplificação da trama não é necessariamente um problema, mas a falta de foco narrativo da obra, e um uso nem sempre assertivo das origens teatrais do projeto, fazem desta cinebiografia um longa-metragem esquecível que não consegue atingir as suas pretensões.

Mary Stuart: Rainha Da Escócia (Mary Of Scotland) – Estados Unidos, 1936
Direção: John Ford
Roteiro: Dudley Nichols (baseado em peça teatral de Maxwell Anderson)
Elenco: Katharine Hepburn, Fredric March, Florence Eldridge, Douglas Walton, John Carradine, Robert Barrat, Donald Crisp, Gavin Muir, Ian Keith, Moroni Olsen, Alan Mowbray, Robert Warwick, Lionel Page, Lawrence Grant, Lionel Belmore, Doris Lloyd, Brandon Hurst, David Torrence, John Pickard, Nigel De Brulier
Duração: 123 Minutos

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