A civilização dos etruscos sempre foi objeto de grande curiosidade por parte dos pesquisadores. Desde a Antiguidade, com citações feitas pelo romano Tito Lívio, até escavações, descobertas e obras históricas ou relatórios arqueológicos de nossa Era, esse povo tem se tornado objeto de suposições em matérias jornalísticas ou programas televisivos que adoram selecionar algo na História que apresente alguma interrogação ou situação que ainda não conseguimos explicar e atribuir às mais variadas causas, de poder divino a ação alienígena. É este povo que recebe destaque aqui em A Estirpe Maldita, a primeira aventura em que vemos Martin Mystère visitar a Itália, para acompanhar o lançamento de sua série Os Mistérios do Passado (I Misteri del Passato).
Bastante ligado aos acontecimentos de A Vingança de Rá e do fantástico Operação Arca, este volume segue misturando de forma bastante interessante eventos históricos com criações mais próximas da fantasia, da teoria da conspiração, da religião ou da já citada seara extraterrestre. Ao lado de sua namorada (chatíssima, cheia de manha e ciúmes bestas, nesse início de série) Diana Lombard e do eterno amigo Java, o Homem de Neandertal, Martin passa alguns dias como turista pela Itália, e o roteiro de Alfredo Castelli faz uma interessante alternância entre esse lado mais calmo da ação com o lado onde as coisas importantes realmente tomam forma.
É nesse lado agitado que encontramos Beverly Howard, amiga de Martin e filha de Walter Howard, arqueólogo que encontramos na trama de Belize. Um mistério envolvendo a morte de um pesquisador amador e vendedor de relíquias (falsas) é que faz com que esse bloco se encontre com o de Martin e a grande parte da história se desenvolva. Num primeiro momento, o autor prioriza a herança etrusca. O texto brinca com os hábitos conhecidos desse povo e tenta traçar aproximações com o que temos no presente, levando o leitor a acreditar que existe uma profunda relação entre todo o enigma. E bem… de fato existe uma relação direta, mas ela vai para um caminho completamente diferente do que se havia sugerido antes, o que diminui bastante a qualidade da aventura.
Nas histórias da série sempre sobra espaço para a dúvida, para a possibilidade de algo fantasioso ou considerado estapafúrdio realmente ter acontecido, nem que haja uma explicação com palavras científicas e seculares para o que talvez se tenha conhecido como mito, no passado. O problema aqui é a sobreposição dessas impossibilidades. Não bastasse toda a história envolvendo o Fanum Voltumnae (ou “santuário de Voltumna”, principal santuário dos etruscos) e outras citações ligadas a esta civilização, Castelli perdeu tempo com uma trama ligada a reencarnação, trazendo algo verdadeiramente absurdo para um cenário já cheio de coisas fora do comum, mas que isoladas, seriam mais um mistério da Antiguidade interessante para ser resolvido. Com outro elemento de igual força no texto, a barra é duplamente forçada e a rejeição à proposta aparece.
Toda a parte final de A Estirpe Maldita parece se afastar a passos largos do leitor e de tudo aquilo que o início e o desenvolvimento do enredo nos trouxeram de bom. A descoberta de Martin para o que de fato estava acontecendo não é tão chamativa e o mesmo se dá com o fechamento do drama, que é decepcionante, apesar de as últimas páginas retomarem bem a brincadeira com as “possibilidades estranhas” para a ligação do que sabemos da História Antiga com as “respostas ficcionais” que o roteiro nos dá aqui. Uma história com um tema muito bom, um início de andamento instigantes, mas uma finalização que não segue bem esse padrão, apesar de não ser ruim.
Martin Mystère – Vol. 4: A Estirpe Maldita (La stirpe maledetta) — Itália, julho de 1982
Roteiro: Alfredo Castelli
Arte: Franco Bignotti
Capa: Giancarlo Alessandrini
No Brasil: Grandes Enigmas de Martin Mystère – Detetive do Impossível #5 (Globo, 1987)
65 páginas