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Crítica | Martin Mystère: Histórias Curtas

Pílulas de mistérios da humanidade.

por Luiz Santiago
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Este compilado de cinco histórias curtas encontra-se na segunda parte do volume O Homem de Chicago, lançado no Brasil pela editora Tortuga em 2022. São aventuras publicadas de maneira isolada em jornais e revistas diversas, tendo também diferentes desenhistas. Apesar de curtas, todas elas guardam inúmeras características conhecidas e recorrentes das histórias de Martin Mystère, focando sempre em conhecimentos culturais, visitas inesperadas e encontros impossíveis. Um ótimo desfile de mistérios para o incansável detetive do impossível.

A primeira aventura é O Sorriso da Gioconda, originalmente publicada em 1983 na revista Orient Express. Insatisfeito com o trabalho, Alfredo Castelli (roteirista da história) faria um remake dela para a Comic Art, publicado em 1992. É esta segunda versão que temos no compilado, com arte de Giancarlo Alessandrini. É uma história que gira em torno de uma invenção nunca encontrada de Leonardo da Vinci, mas da qual se suspeita a existência. Além disso, a trama está misturada com um mistério mais comum, digamos assim, envolvendo assassinatos. Desta vez, Mystère e Java não estão apenas no encalço de uma relíquia misteriosa, mas também de um assassino que elimina colecionadores de arte para roubar-lhes os objetos históricos. A reviravolta no final é muito boa, assim como a reflexão sobre a arte como conceito, em suas diferentes escolas, trazendo à tona o pensamento sobre quem pode fazer arte, como ela deve ser feita e se existe algum tipo de interesse por trás da produção artística que não seja a vontade e a criatividade humanas.

A curiosa O Retorno do Horticultor foi criada para a Expo 2015, e traz um roteiro de Castelli com arte de Valentino Forlini. A descrição do editor da Tortuga para esta pequena trama nos traz um ótimo contexto de uso de uma história para entretenimento em tempos difíceis. Diz assim: “Em 2020 a Sergio Bonelli Editore e o Centro Cultural de Quadrinhos Andrea Pazienza representaram o trabalho em formato digital, como parte da campanha italiana em distribuir gibis de graça nos momentos mais difíceis da pandemia de COVID”. Essa é uma das histórias mais legais do compilado. Teve como inspiração o quadro L’Ortolano (O Horticultor), do pintor Giuseppe Arcimboldo (1526 ou 1527 – 1593). É um conto muito bem construído, ambientado em tempos diferentes, com ações deixadas para a posteridade e ação de coisas misteriosas envolvendo um lugar, um relógio, uma esfera e um evento astronômico. E mais uma vez, o autor nos presenteia com um detalhe final que garante um baita sorriso de cumplicidade e de incredulidade.

Mystère e Java contra os “invasores espaciais”.

Com desenhos de Giampiero Casertano e roteiro de Castelli, Space Invaders apareceu pela primeira vez nas páginas do jornal italiano Il Messaggero, em 1986. É a história de encerramento mais “bobinho e conveniente” do volume, mas ao mesmo tempo, a que mais me divertiu em seu desenvolvimento. A trama foca em um inventor fracassado que, após ser despejado por sua locatária, acaba tomando atitudes que o colocarão no posto de vilão. A mistura de ciência com alquimia e magia é algo sempre encantador, e tenho certeza de que esta seria uma trama que poderia funcionar muitíssimo melhor com um roteiro mais longo. O que eu não gosto dela é o final, que traz conveniências demais, alinhadas a um tipo de “aceitabilidade” das coisas que fica difícil de engolir como algo orgânico, mas no geral, não é uma escolha que derruba de verdade a qualidade da história.

A última trama longa deste volume chama-se O Viajante do Tempo, que traz o roteiro de Castelli com arte de Lucio Fillippucci. Ela foi concebida em 1992, para a revista semanal italiana TV Sorrisi e Canzoni. É outro enredo que flerta com um bom número de ingredientes típicos das aventuras de Mystère e, como o título diz, traz mais um capítulo das muitas versões possíveis sobre viagens no tempo. A cadência dessa história é muito boa, porque elenca pelo menos dois interessantes paradoxos e deixa uma dúvida cruel sobre o futuro da humanidade e o futuro da televisão. A tristeza misturada com o desalento de uma mente brilhante vitimada pela própria invenção é o tom do ato final, e se pensarmos em um maior trabalho para as problemáticas aqui discutidas, entenderemos que esta é outra criação que poderia melhorar muito se tivesse um número maior de páginas.

O compilado se encerra com O Mistério da Torrada Amanteigada, trama de uma página, de Castelli e Alessandrini, que é uma daquelas deliciosas criações cômicas e ácidas sobre um homem que aparentemente descobriu que existe uma verdadeira conspiração por trás da Lei de Murphy. Segundo ele, há alguém (ou algum grupo) por trás dos resultados ruins de nossas escolhas. E é evidente que não descobrimos a resposta. Ao contrário, a trama termina de forma mórbida, mas muito engraçada, e com uma piada que tem tudo a ver com o tema discutido pelo pobre indivíduo iluminado com a verdade sobre as trágicas coincidências da vida.

Martin Mystère: Histórias Curtas (Itália, 1983 – 2015)
Roteiros: Alfredo Castelli
Artes: Giancarlo Alessandrini, Valentino Forlini, Giampiero Casertano, Lucio Fillippucci
8 a 13 páginas

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