Home FilmesCríticas Crítica | Maré Alta (2025)

Crítica | Maré Alta (2025)

O mar e a solidão.

por Felipe Oliveira
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É interessante que a forma que Maré Alta inicia é mostrando a relação de seu protagonista com o mar, não por uma alusão didática ao título, mas como isso representa o personagem vivido com intensidade por Marco Pigossi: solitário, buscando sentido numa imensidão. A cena de abertura ganhará outro entendimento em seu desfecho, mas é com ela que somos apresentados a Lourenço, imigrante brasileiro nos EUA. O simbolismo visual entre o personagem e o mar se mostra mais alusivo quando entendemos que a praia que ele passa suas tardes depois do trabalho ilegal limpando residências de aluguel é em Provincetown, Massachusetts, local que serviu de refúgio para a comunidade LGBT+ durante  o surgimento da aids na década de 80.

É com essa contextualização que Marco Calvani estabelece seu primeiro longa-metragem como diretor e roteirista. Para um drama gay que versa sobre pertencimento e acolhimento, há uma maturidade e preocupação em como o tema será abordado, principalmente na composição desse universo. Além da sensibilidade com a qual a narrativa acompanha a busca de seu protagonista, Calvani preza pela observação, a exemplo dos planos fechados durante diálogos, ou quando deixa o plano aberto nos espaços – em especial, o primeiro momento íntimo entre Maurice (James Bland) no quarto de Lourenço. Assim como na abertura, a fotografia de Oscar Ignacio Jiménez se mostra habilidosa ao criar momentos de contemplação, com um visual que transmite seriedade e sentimentalismo ao tema abordado.

Assim como o poema Canto de regresso à pátria, de Oswald de Andrade, Calvani usa o mar para dar textura aos dilemas de Lourenço, personagem que está dividido entre esperança e desespero enquanto tenta preencher esse vazio por pertencimento com experiências desesperadas, pelo mínimo de conexão e sentido. Aos poucos, entendemos que a sua melancolia vem do sentimento de ter sido abandonado durante uma relação que estabeleceu durante sua mudança para o Estados Unidos, que está ameaçada com o visto prestes a expirar. Assim, Lourenço tenta descobrir quem ele é sem a pessoa que amava, oscilando em vínculos e intimidades temporárias. O que chama atenção em Maré Alta é a forma sensível a qual Calvani retrata os anseios do seu personagem em meio a uma performance dedicada, frágil e emocional de Pigossi.

Todas essas escolhas fazem de Maré Alta um drama diferente ao fugir da narrativa usual sobre imigração e pertencimento. Calvani evita diálogos e situações expositivas e ancora os dilemas dos personagens com uma perspectiva silenciosa, densa e observacional. Por mais que fosse esperando um romance de redenção com o surgimento de Maurice, o cineasta italiano se dedica para destrinchar os temas do roteiro de forma que contempla a presença do elenco de um jeito satisfatório. Que Lourenço é um homem solitário e triste, o filme reforça esse estado emocional com sutileza, seja na performance carregada de Pigossi, ou na ideia de imensidão com que o personagem é posicionado nos espaços ou como é observado em planos fechados, em contrapartida, a relação com Maurice revela fragilidades e o choque das realidades opostas quando o médico nova-iorquino enfrenta o deslocamento e racismo estrutural ao passar as férias em um local predominante branco. Enquanto que para Lourenço o lugar é uma fuga, para Maurice, mexe em feridas – a exemplo até sobre ser visto como um homem preto e dominador, sem considerar a versatilidade.

É por uma simples escolha no roteiro que Calvani foge do ritmo denso quase que na tentativa de criar um ápice emocional convencional no último ato, mas sem perder de vista o seu olhar cuidadoso e controle narrativo, o que fica claro na despedida de Lourenço e Maurice numa cena que pede para ser sentida e observada em sua construção. Ter esse final sintetizou ainda mais a maturidade do cineasta em construir uma história que não queria encerrar de maneira otimista, e sim discutir  da maneira mais reflexiva e sensível sobre acolhimento, pertencimento, imigração e solidão, o que coloca Maré Alta como um exemplo de filme queer ambicioso e fora da curva. 

Maré Alta (High Tide – EUA, 2025)
Direção: Marco Calvani
Roteiro: Marco Calvani
Elenco: Marco Pigossi, James Bland, Bill Irwin, Marisa Tomei, Sean Mahon, Mya Taylor, Bryan Batt, Todd Flaherty, Karl Gregory
Duração: 101 min.

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