Mãos Sujas pode não ser um documentário, mas ele é o mais próximo que uma obra de ficção pode chegar de um documentário. Ele nos permite acompanhar, de perto, algo pouco comum de vermos em jornais e revistas: a discrepância sócio-econômica da Colômbia. Não que esse tipo de abismo seja algo inédito ou diferente do que enfrentamos em nosso país, mas é muito interessante aprender sobre o que acontece em país vizinho que, normalmente, povo muito pouco as notícias e, até mesmo, o imaginário popular.
A apreciação da fita, por esse enfoque, porém, não é a única maneira de ver Mãos Sujas. Ele funciona também como uma eficiente obra de ficção, focada em dois irmãos que não se vêem há algum tempo que, por circunstâncias diferentes, acabam em um mesmo barco a motor levando um torpedo (literalmente) repleto de drogas de um ponto a outro do país, partindo da cidade portuária de Buenaventura, na costa do Pacífico do país. Em determinados momentos, a obra lembra de longe a descida ao inferno de Apocalipse Now, ainda sejam filmes fundamentalmente diferentes.
Essa pequena co-produção entre Estados Unidos e Colômbia, surgida de uma ideia de dois alunos da New York University – respectivamente o diretor de ascendência polonesa e japonesa e a jovem produtora Elena Greenlee – acabou atraindo a atenção de Spike Lee, que acabou emprestando seu nome para facilitar a captação de recursos e, em última análise, a venda do filme. O projeto envolveu a própria comunidade de Buenaventura, onde toda a fotografia principal aconteceu, com atores da escola dramática local (os dois principais, especialmente) e com equipe técnica toda também local e treinada in loco em uma espécie de workshop montado com esse objetivo.
O resultado é um filme com ar genuíno que carrega esse tom documental que mencionei no início, mas que pode ser visto apenas com um thriller de ação mostrando os irmãos Delio (Cristian James Advincula) e Jacobo (Jarlin Javier Martinez) transportando a carga preciosa para o cartel local, tendo que enfrentar os mais diversos obstáculos. Mas, debaixo dessa camada de ação, temos um filme-denúncia das gigantescas diferenças sócio-econômicas da população local, que, apesar de viver no mais importante porto do país, não participa das riquezas geradas, sendo relegadas ao 12º plano de existência. Vemos as alegrias simples e as profundas tristezas desse povo encapsuladas na história pregressa e atual dos dois irmãos e na progressão da narrativa por esse local miserável. Aprendemos qual é o preço de uma vida e o que eles têm que fazer para não perder a deles, doa a quem doer. Reparamos o quão desesperançosa é a situação em que vivem.
Além disso, há um nada discreto elemento por trás de tudo: o racismo. Majoritariamente negra, a população de Buenaventura vive alijda de tudo minimamente bom oferecido pela cidade grande. Bogotá, então, é um sonho longínquo que, segundo a lenda, não tem negros, só brancos. Há o racismo embutido e de certa forma aceito na criação dos dos irmãos e que transparece no único diálogo mais longo do filme: se o maior jogador de futebol do mundo é Pelé ou Zico. É uma discussão interessante por si só para quem gosta de futebol, mas que, em Mãos Sujas, ganha contornos de brancos versus negros.
O que me incomodou no roteiro foi a velocidade das transformações nos personagens. Sim, eles estão em situação periclitante de vida ou morte, mas a narrativa exige que nós aceitemos mudanças bruscas demais, violentas demais que, no pouco tempo de projeção e, principalmente, nos poucos dias em que a história se passa, parece um pouco demais.
De toda forma, Mãos Sujas é um esforço digno, bem construído e muito interessante, nem que seja para nos permitir olhar íntimo sobre graves problemas que nunca podemos esquecer que existem.
Mãos Sujas (Manos Sucias, EUA/Colômbia – 2014)
Direção: Josef Wladyka
Roteiro: Alan Blanco, Josef Wladyka
Elenco: Cristian James Advincula, Jarlin Javier Martinez, Hadder Blandon, Manuel David Riascos
Duração: 84 min.