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Crítica | Mãos Dadas, de Carlos Drumond de Andrade

Um poema sobre companheirismo e empatia.

por Leonardo Campos
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É fascinante observar como a prosa e a poesia de Carlos de Drummond de Andrade são manifestações literárias que conseguem manter um apelo tão atual. De suas composições estruturalmente mais simples podemos extrair um manancial de reflexões sobre questões pontuais das relações humanas no contexto contemporâneo. Como se esquecer da famosa “pedra no caminho”? E as crônicas e contos voltados aos temas natalinos? São muitas as possibilidades interpretativas diante da vasta produção deste que é um dos grandes nomes da literatura brasileira do século XX. Mãos Dadas, uma dos poemas que compõem o conjunto de Sentimento do Mundo, é uma destas tessituras poéticas brilhantes, ponto de partida para múltiplas reflexões, dentre elas, a necessidade da empatia, palavra-chave para pensarmos o “crash” dos indivíduos em um mundo vertiginoso e corriqueiramente caótico.

O poema, tal como alguns dos que preenchem o painel de composições de Sentimento do Mundo, traz para o leitor um gesto de fraternidade e materialidade com o tempo, neste caso, o presente. Há consciência do passado, perspectivas para um futuro de possibilidades, mas o foco mesmo é a necessidade da conjugação intensa do tempo presente. Drummond traz nos versos a consciência da existência de outros homens em sua jornada, os seus companheiros, delineando que não pretende mais se refugiar na solidão, focado no momento da pavimentação de sua caminhada pela existência, ao lado dos demais que o cerca. Podemos compreender também, neste poema, um tom utópico e festivo diante da solidariedade necessária para a boa convivência humana. É um olhar para a coletividade, contraste de um mundo constantemente mergulhado no individualismo. Diante disso, em linhas gerais, é uma construção poética sobre o nosso olhar enquanto indivíduos e, a partir desta compreensão, da importância de nos conectarmos.

No desenvolvimento de Mãos Dadas, percebemos também o costumeiro anticlímax de Drummond. São tons menores, com o poema indo numa direção contrária ao declamatório, conhecido por tonalidades mais altas, versificação com destaque para o desfecho dos versos, dentre outras peculiaridades poéticas. Curioso também observar se tratar de um poema metadiscursivo, onde o fazer poético é colocado em questão. O eu-lírico, consciente de sua posição no mundo em que habita, nega o futuro em prol do presente não apenas na temática, mas também na escolha dos verbos conjugados ao longo do poema. As mãos unificadas, aqui, também é algo a ser pensado conforme a definição do Dicionário de Símbolos, de Jean Chevalier e Allan Gheerbrant. Significa entregar a própria liberdade, ou melhor, desistir dela, confiando-a a outra pessoa, isto é, abandonando a própria força. É uma linha de conexão interessante com o poema, pois a temática da empatia converge de certa maneira com esta interpretação.

Ademais, Mãos Dadas é um poema curto, mas de caminho longevo. Versa sobre a importância de não nos afastarmos e caminharmos juntos. O eu-lírico, em sua conservação esperançosa, pode parecer utópico, oriundo de uma realidade paralela, haja vista o cinismo do mundo em que vivemos, caso interpretemos o poema na contemporaneidade, descolado do contexto de composição, publicação e recepção de Drummond. Mas há, neste processo, um posicionamento crítico e reflexivo sobre como é necessário impulsionar o tempo e a vida presente, afinal, é somente com uma boa estruturação deste momento para assegurar melhores condições futuras, não é mesmo, caro leitor?

E aqui, numa licença maior em relação ao painel de interpretações do poema de Carlos Drummond de Andrade, delineio uma experiência interessante de reflexão no âmbito da administração. Pensar Mãos Dadas no contexto de gestão de projetos (ágil ou tradicional) e nas dinâmicas de comportamento organizacional, por exemplo, é versar sobre a importância suprema do trabalho em equipe, uma das maiores necessidades de qualquer ambiente que tenha tráfego humano, mas também uma das mais complexas de se alcançar. Sempre que possível, apresento o poema em reuniões, aulas ou atividades de extensão/acadêmicas para promover um repertório cultural mais amplo para os estudantes e também semear reflexões sobre o quão nosso comportamento em associação com o “outro” reflete na qualidade daquilo que produzimos. Em um contexto de constante cobrança por resultados e produtividade, seguir a linha de pensamento das mãos dadas e exercer a empatia e a solidariedade com o “outro” é pavimentar uma caminhada menos angustiante diante das inseguranças de nossos tempos.

Mãos Dadas (Brasil, 1940)
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Editora: Editora Record
Páginas: 1

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