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Crítica | Manifest Destiny – Vol. 3: Quirópteros & Carniformes

O destino do homem perder a inocência.

por Davi Lima
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Manifest Destiny

Após entendermos ainda mais o propósito da missão no Vol. 2, os recordatórios de Lewis começam a se confrontar ainda mais com os balões dos soldados ignorados pela sociedade. Esse confronto não é visual, mas dentro da narrativa de troca de foco em diálogos. A descoberta de um novo arco é sempre a nossa procura, como leitor, até onde vai Lewis e Clark, enquanto Chris Dingess cria um novo objetivo para criar novos conflitos críticos à cultura americana. Claro que a diversão de um novo monstro se aproximando é o chamariz dos quadros completos, que Matthew Roberts desenha com empolgação para criar tensão. Ainda assim, em nenhum momento Manifest Destiny deixa de entender as proporções do medo humano dentro da aventura, entendendo até que os grandes quadros na folha também são zooms preciosos do horror.

Pensando mais especificamente sobre como a série trabalha as dimensões do medo, o exemplo histórico de como a gripe formou um genocídio indígena na América é dramatizado no triângulo de personagens: Clark, Boniface e Sacajawea. O roteiro prefere tornar esse problema virulento na invasão do homem branco às  terras ameríndias em algo mais próximo das temáticas contemporâneas – feminismo e aborto, por exemplo. Isso sem perder a reminiscência histórica de como a indígena Sacajawea é fadada à morte tanto pela profecia do chefe da tribo Etoe, quanto pela sua imunidade biológica. Esses dois fatores em conjunto são uma base para Manifest Destiny – entre o aparente sobrenatural e as descobertas biológicas -, e se tornam ainda enfáticos na medida que o caráter da missão de exploração perde sua motivação inocente de aventura.

A ironia dos recordatórios em meio às imagens – como Lewis comentando a coragem de seus soldados e eles sendo atacados com medo – já revelava desde o começo que não havia inocência no texto de Chris Dingess. Este não é o ponto. Mas após as revelações de como Lewis e Clark se tornaram chefes da expedição para o governo dos EUA no Vol. 2, a cada empolgação por um novo ser na floresta, ou qualquer preocupação virtuosa de Clark pela sua tripulação, não tem o mesmo significado. Isso reverbera em como a nova fase de discordância dos soldados com os dois protagonistas parece acalentar nossas dúvidas como leitor, nossos julgamentos até mesmo com a narração de Lewis – que já se mostrava fraudulenta de maneira explícita no que escrevia em seu diário de viagem.

Por isso, o começo do Vol. 3 traz recordatórios diferentes. O personagem Lawrence Helm aparece como o contraponto a surpresa que necessitávamos antes mesmo de pedirmos a leitura. Por mais lúdico que Manifest Destiny pareça com as cores de Owen Gieni, a temática é bem aterrorizante sobre noções de vida e morte. Helm traz isso aos seus recordatórios, duelando com a solenidade com que Lewis narra a história e contrariando nossos julgamentos, que ainda torcem pelos protagonistas “heroicos”. O mistério desse novo escritor dinamiza o tempo sequencial e aumenta o drama. Em compensação, a aparição do arco com objetivo mais direto de expor críticas à cultura americana se torna uma espécie de comédia assustadora.

Se antes queríamos entender as proporções da aventura, Chris Dingess nos dá a oportunidade de focar ainda mais na tripulação, nas interações humanas, e como os monstros e animais os humilham. É o tal zoom precioso do terror, que faz um pássaro azul chamado Dawhog, da raça Frezon, ser um personagem bem mais respeitado do que qualquer homem da tripulação. As mulheres se colocam à parte, julgando tanto o machismo quanto Lewis e Clark no mesmo corpo temático. Dito isso, o medo vai se fazendo em como os animais revelados pelos arcos anteriormente eram selvagens pelo princípio mínimo de não comunicação. Já a descoberta dos Frezons mostram que eles não apenas falam – os animais falando sempre são sustos para os humanos – como tem religião e cultura própria.

Sem dúvida, ficar remoendo algum julgamento contra Lewis e Clark, mesmo que seja uma nova abordagem, se tornaria uma cobra mordendo o próprio rabo. Por isso, Manifest Destiny traz esse novo escopo de pássaros azuis inteligentes, assim como dá enfoque a Sacajawea, que havia questionado a maneira como a personagem havia sido apresentada no Vol. 1. Assim, tornando os protagonistas num inerte tribunal, o Vol. 2 aumenta o universo da série sem aumentar o seu escopo. Matthew Roberts, o ilustrador, torna isso até didático, em como prefere em certo momento mostrar uma escalada dentro de uma caverna por uma sequência de quadros em diagonal para cima, como o movimento da escalada, assim como Chris Dingess brinca em como o arco misterioso é apresentado pela observação desatenta do personagem Collins com um binóculo. Ou seja: as motivações da missão saem de rota quando o personagem mais “inocente” nos apresenta o famoso arco problemático enquanto observava Sacajawea.

A história progride em maior aprofundamento, sem perder sua linha de entretenimento do horror e gore do Weird Western, estilo que meu amigo Kevin Rick referenciou no texto do Vol. 2. Na verdade, nesse Vol. 3 isso se torna ainda mais inseparável quando a ilustração de um morcego gigante coloca uma cabeça humana em sua estrutura óssea representa quase que perfeitamente a proposta de Dingess em aproximar ainda mais os humanos dos animais. A crítica à cultura americana, em relação à religião cristã que busca destino para tudo, na verdade evidencia que há realmente um destino para todo ser humano: a perda da inocência.

Manifest Destiny – Vol. 3: Quirópteros & Carniformes (Manifest Destiny – Vol. 3: Chiroptera & Carniformaves, EUA – 2016)
Contendo: Manifest Destiny #13 a 18
Roteiro: Chris Dingess
Arte: Matthew Roberts
Cores: Owen Gieni 
Letras: Pat Brosseau
Editora original: Image Comics
Páginas: 128

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