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Crítica | Manifest Destiny – Vol. 2: Anfíbios & Insetos

Sobre um sapo gigante e insetos xenomorfos.

por Kevin Rick
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Misturando fantasia e horror com faroeste, no melhor estilo Weird Western de histórias pulp do início do século XX, além das pitadas de ficção histórica com o período do Destino Manifesto, a obra criada por Chris Dingess é uma série que me conquista no seu conceito. O tratamento narrativo é o de exploração por uma terra cheia de monstros, que, como meu colega Davi Lima já pontuou no texto do primeiro volume, é uma aventura com cara de terror naturalista em sua sanguinolência, mortes chocantes e pânico. Tudo isso passando por uma camada irônica dos exploradores violentos sendo caçados pela própria natureza.

O segundo volume dá seguimento à expedição capitaneada pelos capitães Lewis e Clark, passando agora por diferentes perrengues na selva. Como os títulos indicam, se antes tivemos a fauna e a flora, agora os inimigos naturais são os anfíbios e os insetos. Aliás, a maneira como Dingess utiliza o aspecto de “violência à espreita” de westerns é muito inteligente. Por causa do Cinema, o imaginário coletivo se acostumou com a selvageria dos duelos armados, anti-heróis, bandidos e batalhas contra os povos ameríndios, mas, na realidade, talvez o maior vilão do período (depois do homem) é a própria natureza. Pessoas que morriam de cólera após beber água de rio sem ferver; cobras atrás de arbustos; as planícies e desertos sem vida; e até mesmo atravessar um rio de carroça era um desafio à morte. A vida cotidiana era um perigo, e, aqui, Dingess apenas provém um exagero fantasioso e irônico ao realismo.

O encadeamento da história é similar ao primeiro volume, dividido em pequenos blocos de aventura que apresentam diferentes antagonistas do ambiente natural. A forma narrativa é desenvolvida através da narração de Lewis, como se estivéssemos lendo as melhores partes de um diário de viagem sobre a expedição (a montagem que pula determinados dias enfatiza o estilo de narração). Essa forma ao mesmo tempo progressiva e solta de contar a história me agrada bastante em obras de aventura, lembrando a estrutura narrativa de livros do Jules Verne, em especial A Volta ao Mundo em 80 Dias e sua “jornada de itinerário”. O fato da HQ ser visualmente fantástica é a cereja do bolo da experiência da leitura, seja no mundo expressivo pelas cores de Gieni (especialmente no uso do verde), nos fantásticos designs dos monstros de Roberts (adoro a piada de serem criaturas que misturam aparências de diferentes seres mitológicos), e, claro, na diagramação que nos mantém em uma montagem de perspectiva ambiente do terror.

Também aprecio a sutis contextualizações históricas do texto de Dingess. Só nesse volume, o autor aborda a terrível lei da sodomia e a homofobia; o machismo à época, inclusive mostrando uma situação de estupro; os traumas da guerra e o genocídio indígena no continente americano; e também escravidão – esse último momento, aliás, é apresentado com uma soberba troca de diálogos e simbologia visual entre York e Sacagawea. São elementos mais sugeridos do que necessariamente explorados, mas Dingess definitivamente não foge de temas maduros e consegue nos situar diegeticamente no período. Ainda nesse assunto, o autor aproveita questões de mentiras históricas com o fato de Lewis estar escrevendo dois diários diferentes, tocando num tema ainda delicado sobre as muitas falsidades que aprendemos em aulas de História – o genocida Cristóvão Colombo agradece até hoje!.

Divertido como a questão de reescrita histórica é usada como piada, como, por exemplo, quando um soldado faz um ato de estupidez e Lewis narra como “bravura” – o timing visual de Roberts para o humor é tão gostoso que o momento se torna quase uma esquete. E isso meio que exemplifica a abordagem cômica dos criadores de Manifest Destiny, menos interessados em um tom crítico, e sim mais próximos do sarcasmo de um humor perverso, como rir satisfatoriamente de um estuprador perdendo uma perna. Mas o volume também tem piadas mais, digamos, inocentes e típicas de aventura, como a dinâmica entre os protagonistas, entre a personalidade boêmia de Lewis e o jeito truncado de Clark, além de comédia no meio de situações perigosas, como a péssima mira de Lewis.

Deu pra notar a quantidade de elementos que citei? Desde contextualização histórica, camadas temáticas, estrutura narrativa, parte técnica, até o delicioso jogo entre terror, aventura e ironia comicamente perversa, Manifest Destiny se prova uma leitura de expedição divertidíssima – isso porque nem abordei as partes científicas, como a criação do inseticida, as dissecações e catálogo de espécimes, que podem soar simples, mas que nos situam de uma trama verdadeiramente sobre exploração, também em sua violência chocante. Tenho receios de um possível cansaço a longo prazo na estrutura “monstro da semana”, mas o final insinua um norte para a narrativa macro da série. Que venham as “mandíbulas de um diabo”.

Manifest Destiny – Vol. 2: Anfíbios e Insetos (Manifest Destiny – Vol. 2: Amphibia & Insecta, EUA – 2015)
Contendo: Manifest Destiny #7 a 12
Roteiro: Chris Dingess
Arte: Matthew Roberts
Cores: Owen Gieni 
Letras: Pat Brosseau
Editora original: Image Comics
Páginas: 128

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