É normal que críticas de cinema se iniciem com uma tentativa de aproximação do novo filme de um(a) diretor(a) com sua filmografia anterior até o momento. Trata-se do tal método autorista. O que fazer, então, quando não há este comparativo? Quando sua diretora é uma jovem argentina de 24 anos, sem trabalhos cinematográficos anteriores? A necessidade da crítica em trabalhar com um terreno que já seja conhecido — pois isso lhe dá segurança — leva a uma desesperada tentativa de aproximação com qualquer coisa. Neste sentido, estou vendo muitos colegas compararem Mamãe, Mamãe, Mamãe com O Pântano (2001), de Lucrécia Martel. Não sei, mas me parece uma aproximação de caminho muito fácil: Argentina, diretoras mulheres, histórias sobre adolescência, um forte sensorialismo e a casa como personagem vivo. Se de fato há estas similitudes, me parece mais proveitoso tirar a obra da diretora Sol Berruezo Pichon-Riviére desta zona de conforto, superar o método comparativo e fazer com que ela crie asas por conta própria.
Em Mamãe, Mamãe, Mamãe, dois tipos de contextos são trabalhados: o luto e a puberdade feminina, que dialogam entre si. Sem dúvidas que Sol escreveu este roteiro com sede em explorar um cosmos do que é crescer sendo mulher. Com apenas uma hora e cinco de duração, das mais típicas situações ocorrem: a troca de olhares com o rapaz que veio instalar a cerca; o uso de uma maçã para treinar como se beija; e, claro, o surgimento da primeira menstruação. A questão é que sua obra não é apenas um coming-of-age, mas também uma experiência do luto. É justamente deste encontro que nasce o tom da narrativa: o peso da morte, mas também a descoberta da vida. Após uma sequência extremamente carregada, uma mais leve. Uma mistura de sentimentos até um pouco confusa em sua realização, mas que parece estar de acordo com a própria jornada de suas personagens, que precisam lidar com tantas questões ainda desconhecidas para elas.
Afinal, se tudo é um terreno escuro a ser tateado, tanto a morte quanto as transformações físicas se equiparam a partir desta categorização. Não à toa, uma das irmãs mais velhas explica para a mais nova o conceito de menstruação a partir de uma metáfora que envolve a morte (“cada a vez que sair sangue de você é como um bebê na sua barriga que morre”). Eis aí um momento chave, por dois motivos, além do já citado. Primeiro, é o exemplo perfeito da mistura entre a inocência infantil e a atmosfera pesada que vai se alternando ao longo do filme, sendo uma fala obviamente bizarra e macabra, mas que, ao mesmo tempo, só uma criança poderia proferir aquilo sem maldade alguma, sendo apenas o modo como seu cérebro processou criativamente a vivência da morte. Em segundo, tal frase evidencia uma predileção pelo uso metafórico como modo de saída (e escape?) diante do real, sendo este o caminho que a narrativa seguirá progressivamente a nível de roteiro e de direção.
A presença da jovem falecida se faz sentida não por meio de sua presença, mas de símbolos que representam sua morte, o que vai de encontro com o próprio não entendimento literal das crianças diante deste fenômeno natural. Uma banheira repleta de água, a própria piscina em si (sempre enquadrada de maneira afastada), os óculos no fundo da piscina e os bichinhos de pelúcia que ela brincava sendo jogados do outro lado da cerca. Inclusive, esta última, é a cena mais potente de todo o longa, principalmente porque todo o seu peso está na sugestão deste jogo entre o quadro e o que está fora do quadro, da conversa da mãe com a voz da criança vizinha.
De mesmo modo, o terceiro ato narrativo também não se poupa de metáforas e uma imersão sensorial em um estado muito mais de pesadelo do que exatamente lógico. Da exteriorização do medo mais profundo representado pela van (que, após a história contada, deixa de ser um veículo e é muito mais o símbolo de uma ameaça que as garotas novamente não entendem muito bem) até a oportunidade do começo de um novo ciclo, desta vez da vida e não da morte, com o achado dos filhotes de coelho. No fim, o plano final não poderia ser outro do que aquelas mulheres unidas, em uma estrada linear, somente seguindo em frente, sem olhar para trás e agora juntas.
Mamãe, Mamãe, Mamãe (Mamá, mamá, mamá) — Argentina, 2020
Direção: Sol Berruezo Pichon-Riviére
Roteiro: Sol Berruezo Pichon-Riviére
Elenco: Agustina Milstein, Siumara Castillo, Chloé Cherchyk, Camila Zolezzi
Duração: 65 min.