Depois da apresentação de Mágico Vento e Poe na aventura de estreia da série, intitulada Forte Ghost, Gianfranco Manfredi nos trouxe uma continuação muito interessante, levemente superior à saga de encontro pessoal do protagonista com o seu “Eu anterior”, o soldado Ned Ellis. O roteiro aqui é uma continuação direta da aventura anterior, mas não de um jeito óbvio. Seguindo o seu processo de ligações bem particulares com a cultura indígena (dos Sioux, nesse caso), o autor abre a saga com uma cena na aldeia que acolheu Mágico Vento e onde ele se tornou Xamã, sob os ensinamentos de Cavalo Manco, seu pai espiritual.
Algo que eu não havia visto em Forte Ghost aparece aqui, desde muito cedo, que é o teor de crônica para a estrutura do roteiro. Não sei se este será um padrão para as histórias vindouras da série ou se constituirá algo mais pontual, o fato é que esse momento de introdução na aldeia traz uma percepção completamente diferente para o leitor, se comparada com a leitura do primeiro volume. A observação do cotidiano e o destaque para Mata-a-Si-Próprio, um heyoke (índio que faz tudo ao contrário) que cai em depressão porque não consegue ajudar a criança raptada por uma águia são duas coisas que facilmente prendem o leitor. Com a chegada de MV e Poe à aldeia e mais um mergulho no imaginário místico da série, com os rituais de magia e invocação de espíritos dos índios, nos sentimos cada vez mais próximos dessa realidade nativa e vemos que o roteiro vai pouco a pouco explorando pequenos núcleos internos, ou seja, começando a corrigir os erros de estrutura da primeira história.
O ponto que realmente importa em Garras é o enfrentamento mitológico da vez. Se em Forte Ghost o ponto sobrenatural eram os fantasmas, aqui, é um lobisomem, o Lobo Negro que Mágico Vento precisa enfrentar. Nas duas edições, vemos o protagonista sair em uma jornada de reconhecimento e, de certa forma, busca por justiça. É na conexão entre esses blocos, porém, que reside a fraqueza da história. Sim, o início é bem sólido e se torna ainda mais interessante pelos três grandes caminhos criados com muito cuidado pelo roteiro: o drama do heyoke depressivo; o drama da família que teve a criança levada pela águia e o drama de Nariz Chato e Lua Brilhante. Paira sobre a aldeia o medo e a suspeita de que um antigo membro, Fala-Com-as-Águias esteja amaldiçoando o grupo. Notem quem há um excelente drama aí, com divisões que destacam membros com diferentes problemas e que recebem diferentes tratamentos no texto, o que é ótimo. O pequeno problema, se é que podemos chamar assim, começa com a saída de Mágico Vento para tentar resolver o impasse central da narrativa.
A arte aqui é de Giuseppe Barbati e Bruno Ramella, cujos desenhos dos ambientes naturais e das cenas na aldeia são os meus favoritos. Gosto também da forma como eles representam a jornada de Mágico Vento nas Terras Malditas, mas como argumentava antes, acho que este ponto da história tem problemas de organização, o que me incomoda. Parece um ato inteiramente desconectado do restante da saga, exceto pela presença mística de Cavalo Manco em alguns momentos, guiando seu filho espiritual. O problema volta parcialmente próximo ao final, na cena perto da caverna. A subdivisão de dramas que Manfredi realizou muito bem no início, parece se diluir e, depois, se agrupar às pressas no encerramento da história. A despeito disso, dou destaque para a terna e emocionante cena entre Poe e Mata-a-Si-Próprio e pela a bela entrada de Mágico Vento na aldeia, carregando a criança. O bom clima de crônica volta à tona nesse final e a história termina muito bem, com aquele tipo de amargura remediada que a vida às vezes traz para algumas pessoas…
Magico Vento #2: Artigli (Itália, agosto de 1997)
Publicação original: Sergio Bonelli Editore
No Brasil: Editora Mythos (2002 e 2017)
Roteiro: Gianfranco Manfredi
Arte: Giuseppe Barbati, Bruno Ramella
Capa: Andrea Venturi
100 páginas