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Crítica | Mães de Verdade

por Michel Gutwilen
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Para quem acompanha toda a carreira da diretora Naomi Kawase — e isto inclui não só seus longas, como também seus curtas e médias metragens — saberá que a maternidade é um tema de muito interesse a ela. Na verdade, o núcleo familiar é a base de boa parte de sua filmografia, mas a realizadora japonesa já explorava profundamente esta relação materna no média Tarachinme (2006), um documentário sobre sua própria gravidez no qual ela estabelece paralelismos e contrastes entre a vida e a morte. Neste filme, sua obsessão em querer capturar o sentimento de ser mãe é tanta que, em um dos atos cinematográficos mais extraordinários e corajosos que eu já vi, Kawase filma a si mesma realizando seu próprio parto natural, com uma câmera na mão sem medo de registrar aquela brutalidade física mas que ao mesmo tempo é tão bonita. Talvez nenhum momento no cinema captou tão verdadeiramente em uma única cena a dualidade do ato de ser mãe.

Em Mães de Verdade, Kawase vai para o terreno da ficção abordar esse mesmo sentimento extremamente complexo. Sua narrativa gravita em torno de uma única criança, mas que gera diferentes vivências de maternidade para três mulheres. Portanto, não se trata exatamente de histórias cruzadas, mas de uma mesma história que vai adotando diferentes pontos de vista e sendo bagunçada através de uma narrativa não-linear proposta pela diretora. Dentro deste emaranhado haverão três mães: a biológica, a adotiva e a falsa mãe-biológica — sendo esta a que menos importa. 

Ou seja, a questão central aqui a ser explorada por Kawase é o que o título já propõe: quem é a mãe de verdade? O que significa isso, afinal? Só há como ter uma? Tais perguntas certamente vão sendo desenvolvidas pelo roteiro, mas é através do ato da montagem que estabelece essa não-linearidade que Kawase têm muito a dizer. Primeiro, vemos a família adotiva com o filho, vivendo uma vida normal com ele, alternando tanto em momentos fofos (o escovar de dentes) quanto de preocupação (a suposta agressão do menino). Neste momento, ainda não sabemos exatamente que se trata de uma adoção. Em seguida, Naomi faz a primeira inversão narrativa e, através de flashbacks, passa a explorar a vida do casal antes de decidir por esta prática. Acompanhamos seus lamentos pela infertilidade e suas posteriores esperanças com a possibilidade de adoção a partir da clínica Baby Baton. A partir disso, vai se criando uma empatia por este casal ao longo de todo o processo doloroso que passaram para ter um filho, como também pelo modo como vibram uma energia positiva em prol desta possibilidades. 

Posteriormente, volta-se ao presente e surge na narrativa uma jovem misteriosa que afirma ser a verdadeira mãe daquela criança. Primeiramente, ela é ridicularizada (afinal, o casal havia conhecido a mãe biológica na hora de adotar) e nós do público estamos com nossa confiança do lado daqueles dois que acompanhamos a jornada até aqui. Porém, agora é a vez de Kawase ir mais a fundo no passado. Esta sub-história, portanto, estará sempre em uma dialética com a que vimos anteriormente. Não mais um casal chegando na meia idade que desesperadamente deseja um filho, mas uma jovem com uma vida toda pela frente e que vê seu namorado da escola como um príncipe encantado. Longe de ser uma gravidez desejada e que reacenderá a chama daquele casamento, mas, pelo contrário, que destrói o futuro daquela jovem e é como uma sentença para ela. 

Cineasta associada ao movimento do Cinema de Fluxo, Kawase é uma diretora que normalmente explora a duração dos planos cinematográficos em suas obras, sempre com um olhar mais voltado para o sensorial que conta a história a partir das imagens do que de fato por diálogos. Pode-se dizer que em Mães de Verdade há uma maior confiança da diretora no falado, mas não há como negar que seu trato da mise-en-scène ainda dita boa parte de sua atmosfera. Há um repetitivo uso de flare na fotografia, além de uma iluminação marcada pelo branco em certas cenas, que associa o próprio estado de maternidade (tanto a busca por ele quanto sua concretização) a esta espiritualidade, como uma benção divina a ser concedida. De mesmo modo, a conexão da autora com a natureza e por uma câmera mais livre aqui também se fazem forte. Toda a sequência de amor vivida pela jovem mãe biológica na floresta realmente parece fazer parte de uma realidade paralela e onírica, o que acaba se tornando um forte contraste para o baque que irá levar depois.

No fim, o que Kawase traz como resultado de sua embaralhada narrativa é isto: duas diferentes vivências de uma mesma maternidade, em jornadas marcadas tanto pela dor quanto pela felicidade. O espectador, após experimentar (uma palavra chave ao cinema kawasiano) essas duas jornadas, sabe que não há uma mais merecedora que a outra, mas sim que ser mãe é uma jornada bastante subjetiva.

Mães de Verdade (Asa ga Kuru ou True Mothers) — Japão, 2020
Direção: Naomi Kawase
Roteiro: Naomi Kawase, Izumi Takahashi, Mizuki Tsujimura
Elenco: Hiromi Nagasaku, Arata Iura, Aju Makita, Miyoko Asada, Hiroko Nakajima, Tetsu Hirahara, Ren Komai, Taketo Tanaka
Duração: 140 min.

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