O argumento de Madeira e Água é claro ao apresentar uma senhora que, após se aposentar de sua função numa igreja, viaja da Alemanha até Hong Kong para reencontrar o seu filho. Porém, essa questão do reencontro, da presença de uma segunda pessoa, é algo que praticamente não existe no filme. A união entre os dois exerce apenas um papel de ponto de partida para algo maior, e como esse encontro não se manifesta como uma coisa concreta, o sentido do longa-metragem se baseia num estado de contemplação, no percurso por si só, como se fosse uma jornada sem rumo.
Anke chega a Hong Kong, porém este país é grande demais para ela. A personagem se dissolve neste universo; os prédios e os nativos ofuscam a sua presença, fazendo com que o indivíduo se dilua naquele meio. Seria fácil demais para o diretor Jonas Bak apenas escancarar uma metrópole em planos enfáticos com enquadramentos largos que abrangessem dezenas de prédios tumultuosos. Porém o diretor se mostra muito mais sutil e habilidoso, imprimindo uma visão singular ao colocar planos simples, sem um corpo virtuoso de matéria ou artifícios, mas mesmo assim retratando uma noção de magnitude urbana diante da impotência humana em torno daquele espaço – que vem banhado de uma iluminação nítida e chamativa ao trabalhar com tons fortes de cores vivas, reafirmando a originalidade na estética de Madeira e Água.
É dentro desse equilíbrio de força e sutileza que a direção cria o seu caminho para a jornada intimista de Anke, se concentrando no simples andar dela pelas ruas e nas singelas palavras trocadas com estranhos. Enquanto isso, o contato com o seu filho torna-se algo esquecível para o espectador, imerso num mundo de vivências de uma mulher que, apesar da longeva idade, parece estar redescobrindo a vida por trás de pequenos momentos. Ainda assim, a melancolia também atua em sua estadia naquela nova terra, no entanto ela vem acompanhada de um tom sereno que exterioriza a humanidade em torno de Anke e de todas as pessoas ao seu redor, provocando, consequentemente, uma conexão afetiva entre a personagem e o público.
A maestria da direção de Jonas Bak é novamente ressaltada quando, em contraste ao ambiente externo enxuto e brutal, há planos gerais de Anke em locações internas que chamam a atenção pelos enquadramentos dela sendo coberta por paredes ao seu redor e portas atrás. Seu corpo está centralizado enquanto as paredes e o espaço vago de portas isolam e intimidam a personagem ao mesmo tempo. Percebemos, assim, que apesar de certa vivacidade presente em seu cotidiano, ainda existe um sentimento de despertencimento, a ausência de algo que ela aguarda. O que resulta numa mise-en-scène que trabalha de maneira sugestiva e poética ao comunicar um outro lado enraizado no interior de Anke.
Há também a questão política da obra, que se passa durante o momento atual de convulsão em Hong Kong sob a força repressiva do governo chinês. E do mesmo modo que a busca de Anke por seu filho não é expositiva e acaba sendo apaziguada por outros fatores, o contexto social, aqui, trabalha com semelhante sutileza ao ser colocado na margem interior a uma parte maior. Não que essa questão política deixe de ter importância, mas a partir da abordagem discreta com que ela é colocada, acaba ocorrendo um diálogo bem orgânico com a figura de Anke. As tensões políticas não deixam de ser um atrito dentro do filme, elas cumprem o seu papel de se expressarem em total coesão com a unidade da qual estão inseridas, estabelecendo um aspecto perfeito de desarmonia sem se entregar ao proselitismo sociológico.
Madeira e Água (Wood and Water) – Alemanha, 2021
Direção: Jonas Bak
Roteiro: Jonas Bak
Elenco: Lena Ackermann, Anke Bak, Theresa Bak, Alexandra Batten, Edward Chan, Susanne Johnssen, Patrick Lo, Patrick Shum, Ricky Yeung
Duração: 79 minutos.