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Crítica | Madame Teia

Não.

por Luiz Santiago
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Todos nós já tivemos pesadelos. Se precisássemos defini-los, diríamos tratar-se de “um sonho desagradável que pode causar uma forte resposta emocional da mente, normalmente medo, mas também desespero, ansiedade, nojo ou tristeza“. Figurativamente, a mesma sensação, frequentemente manifestada com ódio, descrédito ou percepção de ter sido enganado, pode apresentar-se como uma reação ao nosso contato com determinadas obras de arte. Nos “filmes de bonequinho“, tal status é a tônica das produções (e sim, as exceções provam a regra). Mais particularmente no caso da Sony, este parece ser o único propósito do estúdio a cada novo aracnofilme: criar, progressivamente, o pior longa-metragem de super-herói já realizado na História do cinema. A última pergunta do Universo, portanto, ecoa: quantos outros filmes, elencos e vergonha mundial serão necessários para que nos livremos desse experimento bizarro da empresa? Existe alguma possibilidade de a equipe de criação do estúdio conhecer a teoria de que é possível realizar um bom filme de super-herói? Pelo visto, saberemos no próximo atentado contra a humanidade que eles cometerem através de seu pseudo-Aranhaverso em live-action.

A vítima da vez é Madame Web, personagem que apareceu pela primeira vez na revista O Espetacular Homem-Aranha #210 (lançada em novembro de 1980), com roteiro de Denny O’Neil e desenhos de John Romita Jr.. Não diria que é uma personagem “para o gosto de todos” e nem que tem um impacto ou histórias inesquecíveis da Nona Arte, mas definitivamente não é uma personagem ruim; e se a sua premissa como heroína for bem utilizada, pode gerar enredos marcantes, misturando sci-fi, fantasia e mistério. Não é o caso, porém, desta produção assinada por S.J. Clarkson, diretora com sólida carreira na televisão. Talvez a conjunção de fatores negativos deste Universo cinematográfico, começando com o pavoroso roteiro (co-assinado pela diretora, diga-se de passagem), tenha criado o melhor solo fértil possível para que ela compusesse uma tapeçaria visual nula de qualquer sentido, tentando contar uma história que começa em “nada” e termina em “lugar nenhum“.

O título do filme é enganoso, e o enredo, como não sabe para onde vai, dissipa-se em direções que não chamam a nossa atenção. Deveríamos, em tese, conhecer os caminhos que levaram Cassandra Web à posição de Madame Web, correto? Em vez disso, acompanhamos uma narrativa picotada, com piscadelas não-lineares, mostrando Cassandra confusa diante de suas premonições; e inserindo um vilão à caça de jovens Mulheres-Aranha que supostamente irão matá-lo. À primeira vista, só parece um texto bagunçado, mas é muito mais do que isso. É um texto que se anula toda vez que algo minimamente aceitável aparece em tela, gerando, a longo prazo, uma coleção de coisas sem sentido ou que geram muito mais perguntas do que o filme consegue responder. Se temos migalhas de motivação na sequência de abertura, na Amazônia peruana, essa motivação transmuta-se em obsessão vazia quando Ezekiel (Tahar Rahim, um bom ator, por sinal) desaparece do filme e volta, em determinado momento, já encarnado na figura de um “aranhão malvado” querendo acessar a melhor tecnologia de reconhecimento facial existente em 2003 (ano em que o filme se passa) para localizar as futuras Mulheres-Aranha de suas premonições. Não há trajetória, não há continuação dramática ou compensação narrativa nem mesmo para as ações do vilão ao se dar conta do que Cassandra Web é capaz de fazer. Tudo é impulso, reação imediata e preenchimento de buracos cênicos com situações risíveis, vexatórias ou patéticas.

Disperso e ineficiente ao criar uma história de origem pela qual haja algum interesse da plateia, o roteiro de Madame Teia tem algo ainda pior em sua constituição, se é que isso é possível: seus horripilantes diálogos. Não há um único ator ou atriz aqui que receba uma cena livre de diálogos vergonhosos. As sentenças são óbvias, desviam rapidamente do assunto principal da cena, não sinalizam aprofundamento para absolutamente nada e possuem uma queda para a comicidade que extermina qualquer possibilidade de salvação. Artistas como Tahar Rahim, Adam Scott e Dakota Johnson, que não são maus atores, figuram como fantoches sem graça, mexendo a boca e tentando criar um momento compreensível em meio ao emaranhado de situações que deságuam no que deve ser a pior sequência dirigida por S.J. Clarkson: a luta “épica” do bloco final. Notamos um aceno até interessante da direção de fotografia, com os fogos de artifício, mas a impressão que temos é que Mauro Fiore encarnou a persona de uma criança que faz uma piada, todos acham bonitinha, e ela simplesmente não sabe parar, terminando por arruinar a piada e deixar todo mundo com raiva.

Não se entende muito bem o que está acontecendo na última luta. A montagem trabalha com vultos e borrões. A alteração de cores da fotografia estaciona num filtro vermelho e fica por lá mesmo, mesclando contornos e impedindo a demonstração de boa profundidade de campo e eficiente troca de plano e ângulo, coisas cruciais em longas cenas de batalha. Novamente, as motivações e a colocação dos personagens em cena não possuem unidade, carecem de sentido lógico, não engajam, não emocionam e nada criam além de uma superficial expectativa para o cumprimento das premonições. É difícil gostar de uma obra que retrata adolescentes de maneira tão progressivamente caricata, com verniz contemporâneo e suposta construção de duas décadas atrás, num longa que nem é sobre essas adolescentes. Vejam como todas as escolhas criativas, mesmo as que começam de maneira decente, se desenvolvem e terminam de maneira negativa. Alguns poucos planos inteligentes, algumas viradas de câmera, mudanças de perspectiva e mistérios em torno dos poderes de Madame Teia desaparecem frente ao absurdo e irritabilidade que todo o restante da película nos traz. Tudo bem que o ciclo dos “filmes de bonequinho” está em decadência de qualidade e engajamento de público, mas a Sony parece agir à frente de seu tempo, com filmes que representam um futuro onde esse tipo de produção culmina em prisão perpétua. Mais uma franquia de longas-Dementadores capazes de sugar toda a nossa vontade de pisar novamente em uma sala de cinema.

Madame Teia (Madame Web) — EUA, 2024
Direção: S.J. Clarkson
Roteiro: Matt Sazama, Burk Sharpless, Claire Parker, S.J. Clarkson
Elenco: Dakota Johnson, Sydney Sweeney, Isabela Merced, Celeste O’Connor, Tahar Rahim, Mike Epps, Emma Roberts, Adam Scott, Kerry Bishé, Zosia Mamet, José María Yazpik, Kathy-Ann Hart, Josh Drennen, Yuma Feldman, Miranda Adekoje, Deirdre McCourt
Duração: 117 min.

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