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Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria – Edição Black & Chrome

O Valhalla em preto, branco e cromo.

por Ritter Fan
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Com o advento da cor no Cinema, o preto e branco naturalmente acabou perdendo o destaque, mas nunca realmente desapareceu, tendo sido continuamente utilizado pelas mais diversas razões por diferentes cineastas até os dias de hoje. Apenas para citar alguns exemplos de memória recente, temos o uso do preto e branco em Ed Wood, O Artista e Mank para capturar as atmosferas das respectivas épocas em que se passam; em Roma, O Farol e Nebraska como exercícios de estilo; em Sin City: A Cidade do Pecado para emular os quadrinhos em que foi baseado; em A Lista de Schindler e A Fita Branca para acentuar a sobriedade de seus temas e, finalmente, em Assassinos por Natureza e Oppenheimer que fazem do uso parcial do preto e branco uma forma de separar o subjetivo do objetivo. Em todos os casos, pode-se dizer que essa escolha também empresta um quê de elegância visual natural.

Também em todos os casos, tudo foi pensado para a fotografia em preto e branco, pelo que o punhado de filmes originalmente coloridos que são convertidos para o preto e branco exigem uma análise que leve em consideração mais do que apenas a preferência do diretor e o trabalho de conversão. Claro que não podemos descartar como desimportantes o que os cineastas acham dessas versões, como é o caso de Frank Darabont preferir a versão em preto e branco que chegou ao DVD e Blu-Ray em 2008 de seu O Nevoeiro, do ano anterior que foi originalmente filmado e lançado em cores, mas isso não preclui que o espectador indague se a escolha faz sentido e se o resultado final enriquece de alguma maneira o longa. Em obras como O Nevoeiro e o recente média metragem Lobisomem na Noite, da Marvel Studios, existe toda uma lógica por trás do uso do preto e branco que vai além de uma mera preferência e isso costumeiramente agrega ao resultado final, enquanto que obras como LoganLiga da Justiça de Zack Snyder e Parasita, as versões acromáticas sejam quase que exclusivamente escolhas estéticas, o que também faz parte do jogo, mesmo que não o mudem.

E o que, então, acontece com Mad Max: Estrada da Fúria em sua Edição Black & Chrome que George Miller lançou em vídeo doméstico (e, de maneira limitada, em alguns cinemas) pouco mais de um ano após a estreia do longa original, produzido em cores? O cineasta, na introdução à versão em preto e branco (ou cromo, como queiram), afirma, como Darabont afirmou, que esta é sua versão preferida, pois ele vinha querendo fazer um filme da franquia Mad Max assim desde que viu a cópia sem cores que Brian May (não, não é o guitarrista do Queen, mas sim o compositor e maestro australiano falecido em 1997) usou para compor a trilha sonora de Mad Max 2: A Caçada Continua. Miller até tentou, em algum momento da longa gestação do retorno de Max Rockatansky às telonas, sugerir a filmagem em preto e branco ao estúdio, mas isso acabou não acontecendo por razões de cunho comercial, para não afastar espectadores, pelo que o que originalmente vimos nas telonas foi efetivamente pensado para ser colorido e, diria, muito colorido, mas no bom sentido, claro.

É que o ponto nodal da estupenda direção de fotografia de John Seale é justamente o uso de cores, mais exatamente o uso das matizes naturalmente complementares do laranja e azul. O filme torna-se quente – e ocasionalmente frio, nas duas noites que vemos brevemente – em razão da oposição dessas cores, com uma paleta cuidadosamente escolhida para povoar o restante do filme, como a ceroula vermelha de Superpateta do enlouquecido guitarrista cego, das explosões laranja e amarelas, dos fogos de artifício com código de cores, com o uso do laranja na testa de Max (Tom Hardy) criado pelo facho de luz do carro do Fazendeiro da Bala (Richard Carter). São informações visuais que dão vida à fita e que, quando retiradas pelo uso do preto e branco, perdem-se em meio ao caos da ação que, como tive oportunidade de afirmar na crítica da versão cinematográfica, funde à perfeição a forma e o conteúdo do longa.

O uso do preto e branco e os tons de cinza resultantes é da mais alta categoria, porém, já que houve um trabalho muito cuidadoso no calibração das cores por parte do colorista Eric Whipp. Ainda que o próprio diretor de fotografia não tenha se envolvido no processo, o que já cria aquela “desconfiança” natural, o fato é que isso pode ter acontecido pelas mais diversas razões, inclusive sua indisponibilidade no momento em que o trabalho tinha que ser feito. Mas Seale declarou, posteriormente, que gostou muito do resultado, ainda que não tenha afirmado que essa seja sua versão preferida. No entanto, Estrada da Fúria é uma obra decididamente tumultuada e o uso do preto e branco, diferente do que Miller afirma em sua introdução, que teria como função focar o espectador que porventura fique perdido pela quantidade de informações visuais em razão das cores, acaba criando uma homogeneização que diminui a riqueza de detalhes do filme.

Reparem, por exemplo, nas sequências de perseguição em plano aberto, especialmente aquelas em que vemos a gigantesca horda de perseguidores a partir da máquina de guerra pilotada por Imperator Furiosa (Charlize Theron). As cores realçam as diferenças dos três grupos que convergem atrás dela, enquanto que o preto e branco torna-os iguais e sensivelmente menos interessantes, quase que fungíveis a essa distância. Até mesmo planos mais próximos, quando o caminhão é abordado por garotos-da-guerra, tudo perde em definição, fazendo os jovens carecas de pele muito branca não muito diferentes das fugitivas dada a maneira como o frenesi do longa é destacado e usado para manter a ação em nível máximo em cada fotograma.

Além disso, as já mencionadas sequências noturnas, as únicas em que a ação dá um descanso, tem um problema a mais que parece resultar da escolha de Miller e Seale em acentuar o azul nesses momentos: a Edição Black & Chrome não converte esse azul em preto ou cromo ou mesmo um cinza tradicional, mas sim em uma estranha cor acinzentada, nem lá, nem cá, que minha avó muito tranquilamente classificaria de “cor de burro quando foge”. E não, não é minha televisão, já que eu a calibro com extremo cuidado e mesmo assim resolvi testar em outras TVs, chegando basicamente na mesma conclusão. Whipp e Miller erraram feito nessa decisão ou, talvez, eles não tivessem escolha dada as opções de calibragem a partir do azul original.

No final das contas, portanto, a versão em preto e branco de Estrada da Fúria detrai do filme, já que retira boa parte de seu calor e potência, além de emudecer os fantásticos detalhes realçados pelo feliz contraste extremo do laranja com o azul. George Miller ainda merece todos os méritos pelo filme que teve a coragem de colocar nas telonas e, mais ainda, pela fenomenal franquia que criou, mas a Edição Black & Chrome pareceu-me um equívoco que faz sua obra-prima perder esse status na comparação. Mas, claro, como diria Rick em um dos maiores filmes em preto e branco da História do Cinema, nós sempre teremos a versão colorida!

Mad Max: Estrada da Fúria – Edição Black & Chrome (Mad Max: Fury Road – Black & Chrome Edition – Austrália/ EUA, 2016)
Direção:
George Miller
Roteiro: George Miller, Brendan McCarthy, Nick Lathouris
Elenco: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrne, Josh Helman, Nathan Jones, Zoë Kravitz, Rosie Huntington-Whiteley, Riley Keough, Abbey Lee, Courtney Eaton, John Howard, Richard Carter, iOTA, Angus Sampson. Jennifer Hagan, Megan Gale, Melissa Jaffer, Melita Jurisic, Gillian Jones, Joy Smithers, Antoinette Kellerman, Christina Koch, Jon Iles, Quentin Kenihan, Coco Jack Gillies, Chris Patton, Stephen Dunlevy, Richard Norton
Duração: 120 min.

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