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Crítica | Mad Max, de Terry Kaye (Terry Hayes)

Não arrisca e ainda subtrai.

por Ritter Fan
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Como já mencionei antes algumas vezes, as chamadas “novelizações” de filmes não me atraem muito. Fora do universo Star Wars, li pouquíssimas e, apesar de volta e meia deparar-me com obras que merecem destaque, como é o caso recente de Era uma Vez em Hollywood, em geral o que vejo não é material realmente valioso ou imperdível. A conversão do roteiro de Mad Max, clássico filme de 1979 escrito por George Miller e James McCausland, em romance por Terry Hayes – usando, nesse seu começo de carreira, o nom de plume Terry Kaye – está nessa categoria de bons passatempos que, porém, não conseguem ser mais do que isso.

O maior problema das “novelizações”, para mim, é a oportunidade perdida, pois, na maioria das vezes, o autor, seja por pressão externa, seja por receio, razões que reputo compreensíveis, fica preso demais ao material fonte, resultando em obras que não se aproveitam da liberdade da palavra escrita para ir além, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de personagens. Não sei qual foi a razão para tamanha subserviência de Hayes ao material fonte, mas o que ele escreve é, quase que completamente sem tirar, nem por, aquilo que podemos ver no filme. Funciona para quem quiser a mesma coisa com mínimas alterações sem maiores consequências, mas não para quem espera que o espaço de um romance seja ocupado por mais do que a transliteração de um roteiro cinematográfico para um formato literário.

Especificamente no caso de Mad Max, considerando que o filme foi lançado nos cinemas australianos em abril de 1979 e o livro foi lançado um pouco antes, ainda em março, desconfio que Hayes só teve acesso mesmo ao roteiro de Miller e McCausland para iniciar o processo de escrita e isso acabou criando problemas de contexto. Temos que lembrar que o longa foi concebido como um violento road movie passado nos dias de hoje. Seu caráter de distopia em “alguns anos no futuro” – não exatamente pós apocalíptica, pois isso só é mesmo estabelecido a ferro e a fogo em Mad Max 2: A Caçada Continua – veio mais tarde, quando a obra estava em pleno desenvolvimento, como uma forma de ao mesmo tempo quebrar expectativas de verossimilhança e dar mais liberdade ao cineasta, como também de permitir medidas de economia orçamentária. O que Hayes escreve é consideravelmente menos distópico do que o que é estabelecido no filme. Há um mínimo de esforço de explicar como funcionam a Polícia Rodoviária e as gangues na Austrália, mas ele para por aí, lidando com todo o restante como em um mundo absolutamente normal dentro da premissa meio faroeste em que a lei e a ordem são conceitos pouco levados a sério.

Dessa maneira, o autor, que viria a ser o corroterista do segundo longa ao lado de Miller, não só falha em trabalhar descrições de ambientações caóticas e decadentes no deserto australiano, como os personagens, notadamente o vilão Toecutter, não ganham a pegada insana que podemos ver no filme. E, se o leitor detectou incongruência entre meu desgosto por novelizações que são subservientes ao roteiros e meu comentário de que o romance não é suficientemente distópico como o filme, de fato parece isso mesmo, mas é que tenho para mim que o pano de fundo de Mad Max precisa ser mantido para Mad Max ser Mad Max e não apenas um filme em que policiais motorizados caçam bandidos igualmente motorizados por estradas desoladas e desérticas. Em outras palavras, Hayes chega a fazer menos do que o filme faz e a combinação entre seguir o mesmo caminho do longa sem trazer mais desenvolvimento de personagens ou acontecimentos que vão além do que vemos, e, ainda por cima, retirando a ambientação clássica, não é vencedora, muito ao contrário.

Por outro lado, Hayes, em toda sua simplicidade, escreve muito eficientemente. Reconheço que o roteiro de Miller e McCausland é bem concatenado em sua narrativa básica essencialmente de anarquia e vingança, com heróis e vilões que não são marcadamente uma coisa, nem outra (basta ver Johnny the Boy, por exemplo, e, claro, Max Rockatansky), mas Hayes sabe fazer a transposição suave, fluida e lógica da narrativa, dando a impressão mesmo de lermos um romance e não meramente um roteiro transformado em romance no que diz respeito a construção de frases, de diálogos e de estruturação narrativa. Ele pode não arriscar nem um pouco e fazer menos do que o filme faz no que se refere à ambientação, como apontei acima, mas o autor e então futuro roteirista entrega uma obra que não compromete e entrega o mínimo de uma “novelização” básica, sem maiores pretensões. Apesar de não agregar nada ao filme (tecnicamente ela subtrai…), acaba divertindo de maneira descompromissada.

Mad Max (Idem – Austrália, 1979)
Autoria: Terry Kaye (pseudônimo de Terry Hayes), com base em roteiro de George Miller e James McCausland)
Editora original: Circus Books
Data original de publicação: março de 1979
Editora no Brasil: Editora Abril
Data de publicação no Brasil: 2008
Páginas: 200

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