Mad Max, o clássico filme de 1979 que lançou as carreiras de George Miller e Mel Gibson, além de ter definido o padrão conforme o qual filmes distópicos seriam abordados nas décadas seguintes, ganhou uma “novelização” lançada quase simultaneamente ao longa, escrita por Terry Hayes, sob o nom de plume Terry Kaye, que sofreu por ser subserviente demais ao roteiro, mas retirando-lhe toda a ambientação decadente essencial para o correto enquadramento da história. Em 1981, com Miller já dentro da máquina de Hollywood e, portanto, com mais orçamento e ainda um bom grau de liberdade criativa, colocou uma continuação nas telonas em 1981 que sedimentaria o personagem titular no imaginário popular. Mad Max 2: A Caçada Continua foi um estouro de bilheteria e, como na época era de rigueur, o longa também ganhou uma “novelização” que teve a vantagem de só sair no ano seguinte, o que deu tempo a seu autor, Carl Ruhen, a maturar melhor o material e, claro, a ter amplo acesso não só às várias versões do roteiro, como, também, ao filme acabado.
Não é que essa vantagem de Ruhen tenha resultado em um romance infinitamente melhor do que o apenas mediano anterior, mas sim que Mad Max 2 pareça levemente mais bem acabado, oferecendo leves diferenciações em relação ao material fonte que ajudam a torná-lo um material um pouco mais rico e valioso para o leitor que não desejar, apenas, a mais pura transliteração da película em forma literária. Curiosamente bem mais curto que o primeiro livro e mais curiosamente ainda usando passagens integralmente copiadas de Mad Max, notadamente as que explicam as gangues e a força policial criada para enfrentá-las, além da conexão de Max com sua esposa Jessie, Ruhen entrega um livro que no mínimo dos mínimos se esforça em mergulhar um pouco na mente de Max Rockatansky, deixando claro o quanto os eventos traumáticos envolvendo sua família fizeram dele o que ele é, um guerreiro frio e mortal, mas que, lá no fundo, ainda encontra traços de sua humanidade.
É em razão dessa humanidade soterrada profundamente debaixo dos escombros da vida de Max que o protagonista parte para ajudar os habitantes de uma refinaria fortificada que está sendo sitiada pelo vilanesco Humungus e sua infinita e altamente motorizada horda de lacaios violentos e insanos que desejam combustível. Mesmo que as ações de Max sejam inicialmente impulsionadas por seus interesses pessoais em obter o tão escasso combustível para seu black on black (“preto sobre preto”), que é como seu Interceptor tunado foi chamado pela produção do filme original, tendo essa designação sido incorporada às “novelizações”, ele logo deixa seu altruísmo falar mais alto e parte para genuinamente auxiliar o grupo acossado por monstros, levando a uma ininterrupta sequência de capítulos de ação que nos apresentam ao também inicialmente egoísta, mas depois altruísta capitão do girocóptero, a Pappagallo, líder idealista da refinaria, ao menino selvagem que veste pele de animais e empunha um mortal bumerangue, à bela moça que é puro objeto sexual da narrativa a ponto de ser batizada apenas de “garota sensual” com direito a incessantes descrições de seus seios, e, claro, ao já citado Lorde Humungus, líder dos vilões e Wez, o ensandecido tenente de corte moicano vermelho e roupa de couro que parece querer apenas caos.
Além de o texto nos levar timidamente para dentro da mente de Max, algo que o roteiro não se preocupa de verdade em fazer, Ruhen acerta naquilo que Hayes errara, ou seja, na descrição da ambientação devastada pós apocalíptica, ainda que esse conceito de fim de mundo só exista de verdade a partir do segundo filme mesmo. E, finalmente, mas não menos importante, o autor ainda se preocupa em oferecer aos leitores um final diferente, provavelmente fruto de alguma versão anterior à final do roteiro que Miller escreveu com Hayes. Na verdade, sendo muito sincero, não é que o final em si seja diferente, pois o resultado é rigorosamente o mesmo que vemos no filme com exceção da revelação sobre a identidade do narrador do longa que inexiste no romance, mas sim que o encerramento da perseguição final tem encadeamento de acontecimentos que divergem bastante do roteiro final e que consegue ser tão eficiente quanto o que vemos em tela. É como um pequeno e, diria, bem vindo brinde ao leitor.
A “novelização” de Mad Max 2: A Caçada Continua não é nem de longe algo essencial, mas ela pelo menos oferece alguns pequenos aspectos que ampliam e alteram a percepção do longa, sem realmente alterá-lo de maneira significativa. Melhor isso do que pecar na descrição da atmosfera e da ambientação e ficar preso demais ao roteiro original.
Mad Max 2: A Caçada Continua (Mad Max 2 – Autrália, 1982)
Autoria: Carl Ruhen
Editora: Progress Publications
Data original de publicação: 1982
Páginas: 127