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Crítica | Mad God (2021)

Uma inebriante experiência audiovisual.

por Ritter Fan
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Soube que o mago dos efeitos visuais Phil Tippett tinha um projeto de longa-metragem em stop-motion lá pelos idos de 2013, quando ele iniciou uma campanha de financiamento coletivo para ressuscitar a obra que começara sua gestação bem antes, em 1989 ou 1990, quando ele estava trabalhando em RoboCop 2. Desde então, vinha acompanhando esporadicamente a evolução do filme, que finalmente chegou às telonas em circuito limitado nos EUA em 2022, depois de exibições em festivais, começando pelo de Locarno, a partir de 2021. Foi uma longa jornada para Tippett e um atestado de perseverança, teimosia e também extravagância, além de pitadas de obsessão na perseguição de um sonho.

Quando o longa então fez parte da edição de 2024 do Festival do Rio, ela figurou imediatamente em primeiro lugar em minha lista e, tendo-a finalmente conferido em sua integralidade, posso dizer com muita tranquilidade que o “deus louco” do título é sem dúvida alguma o próprio Tippett, que dirigiu e escreveu Mad God, além de ter cuidado de todos os aspectos da produção resultando em algo que é difícil de descrever, especialmente se eu quiser fazer jus à maravilhosa bagunça que é esse filme. Nessa versão final que, para todos os efeitos, é a que vale, ele foi além do stop-motion, que era a ideia original, e incluiu sequências com filmagens “reais” com atores e algumas outras utilizando um pot-pourri de técnicas diferentes como se ele estivesse querendo mostrar para todo mundo o que ele é capaz de fazer depois de uma longa carreira trabalhando em projetos de terceiros, começando pela criação da sequência do jogo holográfico de dejaric no primeiro episódio lançado de Star Wars e nunca mais parando desde então.

Sem diálogos, Mad God é uma viagem lisérgica e sombria por uma distopia que começa com um explorador fardado com um uniforme que lembra algo saído da Primeira Guerra Mundial, e que continua por uma infinidade de caminhos diferentes que não exatamente formam uma história coesa – se é que formam uma história… -, mas que, quando visto em conjunto, passa a impressão de um ciclo infinito de destruição e morte causada pelos humanos em uma visão mais do que pessimista da humanidade. Sem abrir mão de uma fotografia realmente escura e deprimente e construindo um ambiente sempre expansivo e constantemente aterrador, com direito à violência gráfica das mais variadas, a jornada de Tippett na cadeira de diretor faz questão de deixar o espectador permanentemente em estado de repulsa, de asco, e virando o rosto para diversas sequências, mesmo que elas sejam em stop-motion, ou seja, sem o nível de detalhismo como o live-action.

Sem dúvida alguma, há que se aplaudir o esforço do cineasta aqui. Sua criatividade é sem limites, assim como suas técnicas de animação são absolutamente hipnotizantes, mesmo em sequências longas e exageradas, como é a do cirurgião abrindo um corpo e retirando tudo lá de dentro como se fosse um chapéu de mágico. Há também que se aplaudir a arquitetura sonora cuidadosamente construída por Richard Beggs para ilustrar com sons reconhecíveis e também irreconhecíveis que preenchem a obra e lhe dão verossimilhança, algo que é amplificado pela trilha sonora inquietante composta por Dan Wool. É como uma ópera macabra, um mergulho em um mundo amplo, embriagante e belíssimo de sua própria e doentia maneira que, a cada nova sequência, revela mais de sua expansividade e, claro, da assustadora mente de Tippett.

Os problemas surgem quando o longa passa a querer contar uma história, a tentar abraçar algum semblante de estrutura, pois Tippett, mesmo tendo alcançado o ponto alto de sua profissão original, ainda é um diretor e um roteirista inexperiente, que coloca em tela aquilo que ele quer apenas e não aquilo que faz sentido em termos narrativos. Em outras palavras, Mad God funcionaria bem mais eficientemente como algo que ele nasceu para ser, em minha visão: um curta metragem altamente experimental para exibir as técnicas de seu criador. Quando a ambição de Tippett faz – ou tenta fazer – de seu projeto um filme propriamente dito, ele acaba se perdendo em digressões, criando uma versão expandida de algo que, narrativamente (para diferenciar do “visualmente”), é limitado e não tem para onde ir. É por isso que sequências como a que apontei acima do cirurgião arrancando tudo de dentro de uma pessoa acabam sendo o exagero pelo exagero, a nojeira pela nojeira e não algo que impulsione a trama, isso se realmente pudermos dizer que há uma trama, pois, na verdade, o que Mad God tem é um conceito apenas.

Mesmo assim, o projeto de vaidade que Tippett levou mais de 30 anos para colocar nas telonas é, sem sombra de dúvida, uma inebriante experiência cinematográfica única que todo mundo que conhece e admira seu trabalho deveria assistir pelo menos uma vez. O deus louco dos efeitos visuais fez o que queria fazer contra todas as probabilidades e lutando por décadas para chegar no ponto em que chegou e isso tem enorme valor em uma indústria cinematográfica cada vez mais tomada de ideias vazias e execuções desalmadas. Mad God, com todos os seus problemas, é tudo menos uma obra qualquer.

Mad God (Idem – EUA, 2021)
Direção: Phil Tippett
Roteiro: Phil Tippett
Elenco: Alex Cox, Niketa Roman, Satish Ratakonda, Harper Taylor, Brynn Taylor, Hans Brekke, Brett Foxwell, Jake Freytag, Harper Gibbons, Tom Gibbons, Tucker Gibbons, Arne Hain, David Lauer, Chris Morley, Alexandre Poncet, Anthony Ruivivar
Duração: 83 min.

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