Em apenas dois anos – 1973 e 1974 – o cineasta japonês Kinji Fukasaku conseguiu a proeza de produzir, dirigir e distribuir nada menos do que cinco longas-metragens cinematográficos lidando com a saga da Yakuza em Hiroshima em imediações do final da Segunda Guerra Mundial, com a cidade devastada e a moral dos japoneses lá embaixo até o período logo anterior ao primeiro filme, com a prosperidade já batendo à porta do país. E tudo isso a partir de artigos jornalísticos de Koichi Iiboshi a partir das memórias de Kōzō Minō, membro verdadeiro da máfia japonesa que, no filme, ganhou o nome Shozo Hirono, sendo vivido por Bunta Sugawara.
Para conseguir o feito, Fukasaku contou com a inestimável parceria de Kazuo Kasahara, roteirista que foi muito além de seu dever, pesquisando o material independentemente, consultando-se diretamente tanto com Iiboshi quanto Minō e também entrevistando diversas pessoas que se envolveram de uma maneira ou outra na saga. Mas Kasahara, que seguia um código estrito na abordagem dos filmes, transformando-os quase em documentários, preferiu não se envolver em Episódio Final que, como o nome bem claramente indica, é o derradeiro capítulo. Não houve desentendimentos entre o roteirista e Fukasaku. Kasahara apenas concluiu que não havia mais material para uma obra coerente, entregando todo o resultado de sua pesquisa para Kôji Takada que se responsabilizou então por trazer a saga a seu fim.
Essa mudança trouxe também alterações no estilo da narrativa. Fukasaku manteve a linguagem jornalística, com as características e didáticas narrações em off como em um telejornal, além da paralisação de cenas para a inscrição do nome e posição dos diversos personagens que vão sendo apresentados especialmente na primeira meia hora. Até aí, nada de diferente. O que mudou mesmo foi o relaxamento da rigidez de Kasahara com a verdade dos fatos que, como mencionei nas críticas anteriores, por vezes atrapalhava a fluidez da história, algo particularmente notável no terço final de Estratégias Policiais, com o “sumiço” de ninguém menos do que o próprio protagonista, já que sua contrapartida real havia sido presa na época em que a ação se passa.
Takada, ao lidar com a história da transformação da família Yamamori, agora liderada de fato por Akira Takeda (Akira Kobayashi), com o desonroso chefão Yoshio Yamamori (Nobuo Kaneko) permanecendo nos bastidores, em um negócio legítimo, mais exatamente o partido político batizado de Coalizão Tensei (qualquer semelhança entre crime organizado e partidos políticos – de qualquer ideologia – não é mera coincidência). Com isso, ele consegue amealhar grande poder e unidade dentro da Yakuza, ampliando os poderes da família original e, claro, aumentando ainda mais os conflitos internos.
É importante notar que, apesar da liberdade maior, Takada não sai inventando a seu bel-prazer. O compromisso forte com o realismo é mantido, tanto que ele começa a narrativa do ponto onde o filme anterior parou, ou seja, ainda faltando anos para a saída de Hirono da prisão, o que mantém o personagem razoavelmente longe das lentes das câmeras por um bom tempo enquanto Fukasaku nos leva da primeira metade dos anos 60 até 1970 com a consolidação do poder de Takeda, a indicação de Tamotsu Matsumura (Kinya Kitaoji) como seu herdeiro na organização, a tomada de poder por Matsumura quando Takeda é novamente preso por ações policiais e a transformação de Katsutoshi Otomo (Joe Shishido) em inimigo feroz de Matsumura/Takeda.
Não seria sequer errado afirmar que, quando Hirono finalmente sai da prisão com sua própria pequena família em frangalhos e com o caos reinando na Yakuza, com tensões de todos os lados, seu papel é muito mais de observador, de alguém vendo que, talvez, ele tenha se tornando uma antiguidade dentro de uma organização formada, agora, essencialmente de jovens. O tempo passa e é o tempo o maior amigo desse Episódio Final, trazendo um encerramento que alguns talvez concluam que é anticlimático, mas que funciona muito bem por justamente não ser o tipo de evento bombástico que Hollywood nos ensinou a esperar de obras assim. A liberdade narrativa que Takada trouxe ao roteiro permitiu que Fukasaku encadeasse melhor o longa que usa seu terço final muito mais de maneira contemplativa – mas sem perder o estilo que o cineasta impôs à franquia -, resultando em um esforço mais organizado e interessante.
A pentalogia que, no Ocidente, ficou conhecida como The Yakuza Papers, acaba aqui, mas Fukasaku, Sugawara e também Takada teriam energia para continuar a empreitada com uma nova séries de filmes – desta vez uma trilogia – lançada anualmente a partir de 1974, contando histórias independentes e fechadas dentro dessa lógica da máfia japonesa em momentos diferentes. E Sugawara não volta como Hirono, mas sim em três papeis diferentes só para confundir o espectador ainda mais. Seja como for, Episódio Final traz o encerramento que a saga merecia.
Luta Sem Código de Honra: Episódio Final (Jingi Naki Tatakai: Kanketsu-hen, Japão, 1974)
Direção: Kinji Fukasaku
Roteiro: Kôji Takada (baseado em história de Koichi Iiboshi)
Elenco: Bunta Sugawara, Akira Kobayashi, Kinya Kitaoji, Joe Shishido, Junkichi Orimoto, Kunie Tanaka, Shingo Yamashiro, Hiroki Matsukata, Goichi Yamada, Goro Ibuki, Nobuo Kaneko, Asao Uchida, Isao Konami, Harumi Sone, Takuzo Kawatani, Yumiko Nogawa, Nobuo Yana
Duração: 100 min.