A primeira sequência de Luta pela Fé — A História do Padre Stu é de seu protagonista, Stu (quando criança), simulando de forma radiante uma dança de Elvis Presley, o que em seguida acaba acaba ganhando a rejeição de seu amargo pai, do qual afirma que do Elvis o menino apenas compartilha o “gosto por pão com manteiga de amendoim“. Essa passagem demonstra duas coisas que andam lado a lado na vida de Stu: primeira, a busca por um palco, por um espaço para brilhar e se destacar (independente do que seja); e segunda, o seu fracasso diante disso, em que o rapaz não tem o retorno esperado e nem o apoio daqueles que convivem com ele. O filme de Rosalind Ross é, por este caminho, um estudo de personagem de um homem marcado por uma única obsessão, que é atingir algum tipo de estrelato; o que significa que esse caminho será composto, na verdade, por diversas outras obsessões, desde que elas proponham a chance de Stu se sentir como um alguém na vida.
Seu primeiro grande interesse apresentado no filme é o boxe, o que sugere ao público que o esporte terá todo um protagonismo na jornada de Stu, mas logo ele é trocado pela ideia de se tornar ator em Hollywood — e em seguida o próximo ponto será ser padre. Essas mudanças ocorrem de forma bem abrupta, já que o longa busca apresentar uma certa efemeridade em suas atividades, uma “energia” que significa justamente um vazio, pois para Stu esses interesses são superficiais, já que tais áreas não possuem um fim em si mesmas — o mero objetivo é o sucesso seja de qual modo for. Nesta mesma linha, a montagem do filme acaba assumindo um tom frenético, que muitas vezes atrapalha a experiência do espectador por não soar muito orgânica, mas que também parece transpor essa obsessão em torno de Stu.
Este, cuja boa atuação, realizada por Mark Wahlberg, entra em diálogo com o dinamismo do longa graças a sua personalidade bastante exaltada, oscilando entre o deboche e a agressividade. Stu sempre parece estar deslocado de seu meio, não se encaixando nas normas de trabalho, não sendo aceito para papéis em Hollywood, se mostrando fora dos padrões da igreja que frequenta e de seu interesse amoroso, etc. A interpretação do protagonista expressa uma amargura que ele constantemente exala de forma gritante, e quando é evocada essa sua agressividade, ela sempre se expõe de uma maneira personalizada, sendo bastante característica da forma despojada com que ele carrega os demais aspectos de sua vida. Por outro lado, o mesmo não se pode dizer da interpretação de Jacki Weaver, mãe de Stu. Esta demonstra um desempenho totalmente sem vida, mantendo sempre um tom de voz baixo e sem alterar absolutamente nada em sua expressividade. Quase que assumindo a forma de um cadáver de tão sem sal, Weaver acaba tendo nenhuma conexão com um filme tão vívido como este.
Luta pela Fé é um filme de superação, sentimental, com moral da história e temática religiosa, porém ele, apesar de todos esses traços, está distante de ser um típico trabalho gospel, daqueles panfletários e unidimensionais. Baseado numa figura real, é nítido o esforço da produção em criar uma obra que possua uma autêntica substância além dos meros clichês. Stu é uma pessoa problemática dotada dos mais variados vícios, mas nem por isso o filme o apresenta como um demônio que necessita a todo custo ser curado. Há uma certa proximidade da narrativa com o personagem, retratando ele com espontaneidade e dando um timing diferenciado para uma obra como esta. Nem mesmo em relação à “desconstrução” dele em sua passagem ao cristianismo é apresentada de maneira discriminatória. Acaba sendo sempre mantido, seja pela interpretação, roteiro ou direção, um naturalismo e parte da essência do próprio personagem.
Por outro lado, esse mesmo roteiro que é cuidadoso na construção dos personagens derrapa feio em relação aos diálogos. As falas chegam a ser incompreensíveis, beirando ao nonsense em suas tentativas de fazer um humor espertinho e soarem sagazes. Stu está sempre provocando as pessoas que o acompanham, e muitas vezes elas respondem na mesma moeda — principalmente no caso de seus colegas da igreja —, o que acaba criando conversas imaturas quase que insuportáveis e que até chegam a ser a maior das deficiências de Luta pela Fé. A decupagem do filme também não faz um trabalho bonito ao espremer a imagem quase sempre em enquadramentos fechados, o que deixa a obra numa condução meio mecânica e engessada, ainda mais se levarmos em conta o conteúdo energético de muitas cenas.
Em contrapartida, a fotografia consegue ter um desempenho muito eficiente neste quesito de dar vida ao filme, misturando amarelo e azul em tons brilhantes e tentando suprir o estilo enfadonho da decupagem. Essa busca por uma estética que saia do total lugar-comum torna-se necessária em uma produção que compartilha tantas características com trabalhos ordinários — que também operam a partir da superação religiosa —, mas que ainda assim possui a chance de ir além deles e fazer algo um pouco diferenciado. Luta pela Fé possui um excelente desenvolvimento de personagem para tal, mas graças a diversos outros componentes de sua unidade — em especial, os já citados diálogos — o filme acaba sendo bastante sabotado, impedindo ele de decolar na maior parte do tempo. Existe sempre um interesse do espectador pela narrativa, mas esse interesse também vem transtornado por vários problemas.
Há uma certa virada quanto a isso no final, quando Luta pela Fé passa a trabalhar mais a questão do sofrimento, o papel dele na vida das pessoas e sua ligação com Deus. Pode parecer meio piegas ou emular um formato de autoajuda barato, mas acaba sendo realizada uma boa condução dessas pautas, em que a moral apresentada aqui não trabalha com a mera ideia de “Deus vai te ajudar” ou “vai dar tudo certo“. Pelo contrário, Stu abraça o sofrimento para si, entende ele mais no sentido de ser um fator da vida como um todo, algo para se aproximar de Deus e de si mesmo. Uma postura meio estoica, mas nem por isso sendo retratada de maneira não trágica. As frustrações, dores e limitações de Stu ainda estão lá, e por isso mesmo essa última parte do filme é tão comovente, pois assim como antes a direção e o roteiro de Rosalind Ross não rejeitavam a personalidade mundana de Stu, agora também não há a negação de seu sofrimento, e sim uma forma de encará-lo com profundidade e sensibilidade.
Luta pela Fé — A História do Padre Stu (Father Stu — EUA, 2022)
Direção: Rosalind Ross
Roteiro: Rosalind Ross
Elenco: Mel Gibson, Mark Wahlberg, Winter Ave Zoli, Faith Jefferies, Cody Fern, Alain Uy, Ned Bellamy, Niko Nicotera, Ronnie Gene Blevins, Larry Bagby, Michael Fairman, Annie Lee, Danielle K. Golden, Carlos Leal, Aaron Moten
Duração: 124 minutos.