- Há leves SPOILERS! Leia aqui a crítica da primeira parte da temporada.
Sou só eu, ou a série parece que perdeu o charme? O que mais me cativa em Lupin é o sentimento de ironia e zombaria nos vários roubos e peripécias do personagem principal, terminando com o sorrisão de satisfação de Assane (Omar Sy), enquanto a musiquinha tema da série toca ao fundo. Esses tipos de momentos são pura influência do material original de Maurice LeBlanc, e exatamente por isso não tenho problemas com as várias mudanças que a adaptação faz, propondo um universo contemporâneo que traz a identidade de Arsène Lupin, enquanto cria algo completamente próprio. Infelizmente, o show já dava indícios na Parte 1 de dificuldades para se manter no seu contexto descompromissado, além de torná-lo razoavelmente crível e orgânico, pois o roteiro de George Kay e François Uzan continua procurando por uma trama dramática, puxando a série para longe de suas melhores qualidades.
Tanto o final da primeira parte, como também o primeiro episódio desta, que acontecem em torno do sequestro do filho de Assane, Raoul (Etan Simon), evoca o problema principal que eu tenho com a série: busca por realismo. Eu entendo que o enredo da obra ocorre em torno da vingança, além de elementos de racismo e desigualdade social, mas, honestamente, a premissa de retaliação de Assane contra Pellegrini (Hervé Pierre), é muito mais uma desculpa para se ter ambientes de ladroagem e sequências de enganações mirabolantes, do que realmente criar uma narrativa dramática – e eu estou perfeitamente satisfeito com isso! -, logo, não entendo porque os showrunners decidiram mergulhar em sequestros, pais gritando de dor, conspiração política, conflitos familiares, lutas corporais e afins, pois passa uma impressão de seriedade narrativa que não combina com o tom descompromissado, que, pelo menos para mim, foi o charme que me fez gostar da série.
Não estou dizendo que a obra tem que excluir elementos dramáticos, afinal, tem construções narrativas que gosto bastante, como toda a discussão de legado, tanto entre Assane e seu pai, e agora seu filho, como também da série com os livros de Lupin, e, além disso, o roteiro começou a inserir alguns confrontos morais para o protagonista em relação às consequências de seus atos, que é algo interessante em certa medida, apesar de ainda prefirir a caracterização do criminoso irreparável. Contudo, esses elementos funcionam melhor como pano de fundo ou então estopim de eventos, pois a experiência se sai mais positiva quando abraça o tom fantasioso, algo exagerado e meio farofa mesmo, na sensação de diversão pura nas aventuras criminosas de Assane, o que, em especial na primeira metade da Parte 2, é resignado para criar um deslocado melodrama.
Os dois episódios finais retificam bastante isso, especialmente na cenas da dupla Assane e Benjamin (Antoine Gouy), seja eles recrutando fãs de Lupin – que sequência gostosa de assistir -, ou então na sua dinâmica quando estão preparando seus planos e o tom de zombaria quando eles têm êxito. A sequência que Ben está sendo perseguido ou então toda a construção do roubo no concerto, são os tipos de momentos de astúcia irreal e puro entretenimento que Lupin mostra sua força artística, e não entendo porque o show não se compromete a focar nas façanhas de Assane.
Essa falta de entender o contexto da ironia de Lupin cria outro problema na série, e algo que critiquei na primeira parte, sendo a falta de criatividade em muitos blocos de roubo ou fuga para criar credibilidade no exagero. Novamente, a obra não funciona com realismo, mas é complicado comprar cenas como a que Assane escapa da polícia quando pede para ir ao banheiro ou então quando engana um guarda ao destravar sua arma, essa última é uma vergonha alheia, aliás. Também não sou fã de como a montagem utiliza flashbacks como artifício narrativo pobre para explicar escapadas e assaltos em que o roteiro não é inteligente ou eficiente para cumprir seu papel de demonstração.
Porém, há um charme, em grande parte pela performance carismática de Omar Sy, na atmosfera da obra, algo que me estampa um sorriso mesmo em momentos mais bobos, pois existe uma proposta que eu compro com o coração aberto: o descompromisso irônico das aventuras de Assane. Terminei por focalizar com fervor nas partes negativas, muito por causa da minha decepção com a abordagem dada na segunda parte, esticando os problemas do foco na dramaticidade desinteressante e a falta de inventividade em alguns momentos, mas quando a série abraça e tem cuidado criativo com as falcatruas em pequena escala, Lupin é puro entretenimento “simples”. Infelizmente, o enfoque no realismo, a valorização da temática da vingança e a procura pelo drama apático me deixam receoso pelo futuro da série, que ainda se mantém positiva, mas começa a perder seu charme.
Lupin – 1ª Temporada: Parte 2 | França, 11 de junho de 2021
Criação: George Kay, François Uzan
Direção: Ludovic Bernard, Hugo Gélin
Roteiro: George Kay, François Uzan (baseado nos personagens de Maurice Leblanc)
Elenco: Omar Sy, Hervé Pierre, Nicole Garcia, Clotilde Hesme, Ludivine Sagnier, Soufiane Guerrab, Antoine Gouy, Fargass Assandé, Shirine Boutella, Etan Simon, Vincent Londez, Lindsay Seim, Nicolas Wanczycki
Duração: 231 min. (cinco episódios)