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Crítica | Luck (2022)

Um longa desafortunado...

por Ritter Fan
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Pete Docter soube construir um fascinante mundo paralelo sobre os sentimentos em Divertida Mente, com uma história e personagens cativantes, e entregando um pacote audiovisual quase imbatível de qualidade e infelizmente marcando um dos últimos longas originais realmente brilhantes da Pixar (o último até agora, para mim, foi Viva: A Vida é uma Festa). Foi como espiar por trás da cortina e descobrir a perfeita lógica por trás do que sentimos diariamente, em uma daquelas metáforas visuais que não seria surpreendente se fosse verdadeira tamanha a naturalidade e verossimilhança da coisa toda, mesmo que a carga quase surrealista seja sentida a cada quadro.

Luck (ou Sorte, ainda que o Apple TV+ não tenha oficialmente traduzido o título por aqui, seja lá porque), longa que marca o retorno de John Lasseter à produção de animações depois de sair da Disney, tenta fazer o mesmo, só que com, como o título indica, a “sorte” e o “azar”, criando um mundo secreto onde a sorte é fabricada e misturada com o azar para que eles sejam randomicamente distribuídos em nosso mundo. É, sem dúvida alguma, uma ideia interessante e com potencial, mas que em momento algum ganha a execução que talvez merecesse. Para começo de conversa, o roteiro de Kiel Murray, que co-escreveu Carros e Carros 3, seus dois outros únicos longas, é preocupado demais em criar esse universo de sorte e azar paralelo ao nosso, sem que ele saiba construir a narrativa sem parecer que estamos assistindo ou lendo um folheto turístico sobre o lugar.

Quando a azarada Sam Greenfield (Eva Noblezada) segue o gato preto escocês Bob (Simon Pegg) para tentar obter uma moeda da sorte para dar à uma menina órfã prestes a ser visitada por uma família e chega no tal Mundo da Sorte, tudo o que segue quase até o final é uma sucessão de “ideias espertas” que fazem do lugar uma espécie de parque de diversões multicolorido e povoado por duendes, dragões da sorte e toda uma fauna de seres mitológicos de alguma forma relacionados com sorte/azar. Sam é a perguntadora e Bob, claro, é o guia, mas nenhum dos dois personagens consegue ser genuinamente interessante, com Sam não passando de um jovem genérica que poderia figurar em basicamente qualquer curta ou longa animado sobre qualquer assunto e Bob só se diferenciando pelo trabalho de voz característico de Pegg e nada mais. Sim, a moral da história é simpática – não é difícil acertar nisso, não é mesmo? – e o ritmo é frenético o suficiente para glosarmos muita coisa lugar-comum que faz enorme esforço para parecer “diferente”, mas falhando miseravelmente.

Até mesmo o design de personagens é cansado e óbvio, sem nenhuma tentativa de criar seres que saiam do básico. Mesmo que talvez possamos, com boa vontade, considerar o unicórnio Jeff (Flula Borg) como um personagem razoavelmente memorável, percebe-se que a produção injetou toda a criatividade ali e mesmo assim não conseguiu muito mais do que uma criatura que diverte por alguns segundos somente para tornar-se mais uma entre tantas outras que são apresentadas em sucessão ao longo dos razoavelmente longos 105 minutos de projeção.

E não, não estou sendo duro com a animação e não, o fato de seu filho de cinco anos ter adorado não significa que a obra é boa (eu já tive filhas dessa idade e elas gostavam de praticamente tudo que passava na TV, de Teletubbies a 2001 – Uma Odisseia no Espaço assim como cachorros gostam de qualquer coisa que passa na Dog TV). Considerando a qualidade, a variedade e a originalidade do que vem sendo oferecido nesse gênero por aí – basta ver os recentes Homem-Aranha no Aranhaverso, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas e Wolfwalkers – chega a ser desconcertante deparar-se com a sem-gracice (sim, um termo técnico importante esse) bocejante de Luck, especialmente considerando o nome de Lasseter nos créditos.

E a direção de Peggy Holmes, que só trabalhou em um outro longa cinematográfico em regime de co-direção, o insosso Tinker Bell – O Segredo das Fadas, nem é o maior dos problemas, pois dentro da estrutura repetitiva de “uma montanha-russa por minuto” que é basicamente o que se extrai do filme, ela até consegue trabalhar bem o ritmo narrativo. Mas Holmes não é uma feiticeira atrás das câmeras e, pelo visto, tem um certo azar com os roteiros que dirige, pois não tem como a direção consertar uma história que não consegue fazer com que sequer uma sobrancelha se levante ou um sorriso discreto se forme nos lábios do espectador que não estiver sob efeito de gás hilariante (ou se for bem pequeno, claro). Luck é, no final das contas, um filme pano de fundo, ou seja, é daqueles para deixar rolando enquanto se faz algo mais interessante da vida como, por exemplo, conseguir tirar 10 caras ou 10 coroas seguidas sem usar uma moedinha da sorte ou procurar um trevo de quatro folhas no jardim.

Luck (EUA/Espanha – 05 de agosto de 2022)
Direção: Peggy Holmes
Roteiro: Kiel Murray (baseado em história de Jonathan Aibel, Glenn Berger e Kiel Murray)
Elenco: Eva Noblezada, Simon Pegg, Jane Fonda, Whoopi Goldberg, Flula Borg, Lil Rel Howery, Colin O’Donoghue, John Ratzenberger, Grey DeLisle, Suzy Nakamura, Kwaku Fortune, Adelynn Spoon, Kari Wahlgren, Nick Thurston, Chris Edgerly, Moe Irvin, Fred Tatasciore
Duração: 105 min.

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