Obs: Há potenciais spoilers. Leiam as críticas dos demais episódios, aqui.
Jason Ning tinha uma tarefa complexa em Weaponizer, um verdadeiro pesadelo para qualquer roteirista. Ele precisava introduzir e se livrar de um personagem na série sem que ele parecesse marretado na narrativa e evitando que sua presença fosse meramente um filler. Tendo ao mesmo tempo co-escrito um dos mais fracos episódios da série até agora, The Would-Be Prince of Darkness, e um dos mais memoráveis, Favorite Son, a dúvida estava no ar se ele conseguiria sucesso.
E fico feliz em concluir que Ning acertou em cheio mais uma vez.
O personagem em questão é Uriel, irmão de Lúcifer e Amenadiel, vivido pelo ótimo Michael Imperioli. Nunca havíamos ouvido falar nele na série e sua chegada – mostrada em flashback como sendo o causador do acidente de Chloe que marca o final de Lady Parts – por um momento parece aleatória, mas se torna peça essencial no quebra cabeças divino estabelecido pela recusa de Lúcifer de devolver sua mãe para o Inferno conforme prometera ao pai (ou seria Pai?). Uriel vem à Terra usando seus poderes de “previsão de padrões” para ameaçar Chloe e usar isso para chantagear o irmão.
Ning é ajudado em sua tarefa por Karen Gaviola, a diretora (em seu primeiro trabalho para a série), que consegue, por meio de uma câmera em ângulo baixo, criando uma aura de mistério e medo cercando Uriel. Da mesma forma, a performance de Imperioli, canalizando uma mistura de Spider, de Os Bons Companheiros e Christopher Moltisanti, de Família Soprano, invoca aquela imponência que facilmente interpretamos como empáfia e inveja, sentimentos que escorrem dos diálogos precisos escritos por um Ning inspirado pelo conflito no seio familiar de Deus.
Claro, há um bom grau de exposição para tornar possível a criação de um arco para Uriel em apenas 44 minutos. Faz parte e não é algo que passa sem que o espectador sinta algo prendendo a história. Mas era verdadeiramente inevitável para tornar os acontecimentos relevantes. Precisávamos saber que Uriel era aquele irmão menor, franzino, no meio de vários irmão mais velhos e maiores que não o deixavam se aproximar. Era o “mais um” no meio de vários, o que explica e justifica suas atitudes obedientes ao pai, mas com sua própria versão de obediência, o que inclui o assassinato de sua própria mãe com a espada de Azrael. E o reverso é verdadeiro também. Precisávamos entender a dinâmica para capturar com perfeição a atitude de Amenadiel – primeiro com receio de enfrentar Uriel e depois com plena confiança – e, depois, a dificuldade da escolha de Lúcifer ao previsivelmente cravar a espada de Azrael no irmão.
Sim, previsibilidade. Esse foi o mote por trás do episódio. Ele está obviamente presente no poder de Uriel nos dois fenomenais planos-sequência usados para mostrá-lo em funcionamento (o que me faz ficar triste pela morte do anjo, devo confessar!) e que ganha comentários não só na estrutura sem surpresas, mas cheia de consequência do roteiro. Afinal, tenho certeza que ninguém se surpreendeu por Uriel descobrir que Amenadiel perdeu seus poderes ou, principalmente, por Lúcifer usar a espada para matar o irmão. As peças estavam claramente presentes praticamente desde a metade do episódio e o objetivo de Ning era usá-las para contar uma boa história, o que ele efetivamente conseguiu.
Mas a previsibilidade também está em outro elemento narrativo, mas de forma bem mais discreta. O caso da semana, envolvendo o assassinato de um ator de uma franquia de filmes de ação descerebrados – a fictícia Body Bags -, não só é o melhor até agora investigado, por conseguir criar impagáveis momentos de buddy cop entre Lúcifer e Dan (finalmente um momento bom para o personagem nesta temporada, aliás) que compartilham o gosto pela hexalogia trash para horror de Chloe e por trazer Mark Dacascos, clássico ator desse tipo de filme, como um dos suspeitos, como carrega em si, indiretamente, uma brincadeira sobre clichês do gênero cinematográfico, normalmente carregado de altas doses de previsibilidade.
Os filmes da série Body Bags são a previsibilidade encarnada (e também uma representação dos “filmes de macho”, em antítese à premissa feminina do episódio anterior), exatamente como é mais do que previsível a resolução do caso em si, que leva um tempo mais curto do que o usual justamente por isso, o que também funciona, lógico, para abrir espaço para o conflito entre anjos. É por saber trabalhar essa rede intrincada de peças em um texto facilmente digerível que ainda consegue apresentar um importante personagem novo é que o trabalho de Jason Ning merece comenda.
Se existe um problema no roteiro, ele não é exatamente algo que se pode reputar a Ning. Trata-se do pouco aproveitamento de Tricia Helfer na narrativa. Ela já havia recebido pouco tempo – mas todo ele ótimo – em Lady Parts e, agora, recebe o mesmo tipo de tratamento, em segundo ou terceiro plano e sem a mesma inteligência nos diálogos. Muito claramente, esta é uma escolha de Joe Herderson que, espero, tornará a presença da personagem mais constante na série, especialmente agora que Lúcifer cometeu um crime capital e pode enfurecer de vez seu pai.
Weaponizer é Lucifer em sua melhor forma. Um grande acerto de Jason Ning que nos entrega um episódio que diverte por suas incansáveis referências, seus diálogos ferinos e ainda expande a mitologia da série, trazendo desdobramentos dignos de um episódio de meia-temporada. E olha que nem estamos lá ainda!
Lucifer – 2×05: Weaponizer (Idem, EUA – 24 de outubro de 2016)
Desenvolvimento: Tom Kapinos (baseado em personagem criado por Neil Gaiman, Sam Keith e Mike Dringenberg)
Showrunner: Joe Henderson
Direção: Karen Gaviola
Roteiro: Jason Ning
Elenco principal: Tom Ellis, Lauren German, Kevin Alejandro, D.B. Woodside, Lesley-Ann Brandt, Scarlett Estevez, Rachael Harris, Tricia Helfer, Aimee Garcia, Michael Imperioli, Mark Dacascos
Duração: 44 min.