Baseado no romance Love – A História de Lisey, de Stephen King, a minissérie Lisey’s Story, adaptada (infelizmente) pelo próprio King, com direção do experiente e versátil Pablo Larraín, nos leva a uma jornada de luto e obsessão entre melodrama realista e surrealismo mágico – surpreendentemente com poucos toques de terror – na vida da viúva Lisey (Julianne Moore). A protagonista perdeu seu marido Scott Landon (Clive Owen), um famoso escritor de ficção, e agora se vê sendo perseguida por um fã maluco (Dane DeHaan) querendo roubar o material póstumo deixado pelo escritor, enquanto revive lembranças misteriosas sobre a infância traumática de seu marido e de um mundo paralelo chamado Boo’ya Moon.
O principal elemento artístico da obra está no vínculo entre o surrealismo e horrores reais, característica bastante comum da bibliografia de King no sentido de utilizar o fantástico como meio de expor crueldades e atribulações humanas. Toda a minissérie é uma grande metáfora para as adversidades do luto, como aprender a ficar sozinho (pelo menos temporariamente) e a dificuldade em aceitar a realidade. Por isso vemos personagens fugindo e/ou ficando presos em Boo’ya Moon, além do próprio curar (a piscina/fuga da dor em lembranças boas) e machucar (o monstro/cativo da negação) na mesma medida, tanto metaforicamente quanto literalmente dentro da realidade da série.
É uma ideia extremamente interessante do autor utilizar esse “além-mundo” para fazer um tratamento dramático de situações aflitivas com a morte, misturando ali no meio terrores reais como a obsessão de um fã, abuso doméstico com o passado traumático de Scott e a automutilação de pessoas angustiadas, assim como orquestra todos esses elementos e núcleos em torno de um enredo de romance do casal protagonista; o amor como âncora para a realidade e suporte para cicatrizes traumáticas.
O grande problema está na transposição da linguagem de King, do literário para o cinematográfico. Sempre que o autor tentou fazer esse pulo de romancista para roteirista, uma grande dificuldade de adaptação se configura no texto de King: dramaturgia superficial. King prospera no meio literário por ser um poço de criatividade na descrição de suas narrativas, mas no audiovisual o autor se mostra um total incompetente em construir diálogos interessantes, orquestrar narrativas que vão além de metáforas repetitivas – notem como o roteiro fica reiterando os mesmos problemas e elementos (automutilação, abuso, fanatismo) de novo, de novo e de novo – e a inexistência de cadência dramática, caindo em um ritmo vagaroso de episódios e episódios que não evoluem ou desenvolvem nada, mas ficam repetindo as mesmas tramas.
É como se o autor não sabe (ou não quer) fazer uma transição de mídia, mantendo seu estilo descritivo (narração em off, conversações pobres, superexposição) no roteiro da minissérie. Como disse no início da crítica, a obra se desenrola como um melodrama que quer desesperadamente ser realista, e, bem, tematicamente ele é, mas também é completamente vazio de sentimento. Mesmo tendo 8 episódios a sua disposição, King não dá tempo para construir intimidade nos relacionamentos das irmãs ou do casal, pouco entendemos sobre os personagens para além de suas atribulações superficiais. Até os vilões, como o fã obsessivo ou o pai violento, não recebem espaço narrativo para suas complexidades. O texto de King está mais interessado em impacto vazio da violência e das aflições do que realmente criar sutilezas, empatia, emoção e vínculos entre o espectador e estes personagens.
Por outro lado, é preciso dar mérito para o cineasta Pablo Larraín – e para a direção de arte – por quão lindo Lisey’s Story é, desde o aspecto onírico com cores vivas (especialmente verde), a maneira como ele estiliza o mundano (a piscina nebulosa, as ótimas transições aquáticas entre mundos) e o esteticamente deslumbrante e sombrio Boo’ya Moon. Contudo, tanto a direção quanto a montagem – especialmente a montagem – parecem tentar camuflar o texto pobre e superficial de King com a confusão. Existe uma ideia do roteiro e visual de querer ser surrealista ao extremo, não explicar motivações ou mitologias, até presunçoso na sua proposta de negar lógica, que aumentam ainda mais o estranhamento e distanciamento com os personagens e o fantástico, como também tenta futilmente complicar um enredo simplório apenas para piorar o ritmo.
Lisey’s Story é, como falei no começo do texto, a mistura do melodrama realista com o surrealismo mágico. Contudo, o realismo é nulo de intimidade no romance e relacionamento dos personagens, e completamente inexistente de conflito dramático para além da repetição de metáforas bobinhas, enquanto o surrealismo é resignado a uma tentativa lenta de confusão visual desinteressante. Existem boas ideias, especialmente porque vêm de uma mente criativa lendária, além de ser esteticamente lindo e com boas atuações dentro das limitações do roteiro, mas King (novamente) se prova um pífio roteirista, acompanhado de uma montagem horrorosamente enjoativa.
Love – A História de Lisey (Lisey’s Story) | EUA, 04 de junho a 16 de julho de 2021
Criação: Stephen King
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Stephen King (baseado em seu romance Love – A História de Lisey)
Elenco: Julianne Moore, Clive Owen, Jennifer Jason Leigh, Dane DeHaan, Joan Allen, Ron Cephas Jones, Michael Pitt, Sung Kang, Omar Metwally, Peter Scolari, Will Brill
Duração: 400 min. aprox. (oito episódios)