- Há spoilers.
No Globo de Ouro de 2012, o apresentador Ricky Gervais fez um comentário engraçado e interessante sobre o filme Missão Madrinha de Casamento, que havia explodido no ano anterior tanto na bilheteria quanto na crítica especializada. Em síntese, o comediante elogiou a comédia de forma irônica, dizendo que as garotas finalmente provaram que podem ser tão nojentas quanto os homens, peidando, xingando e realizando atos sexuais selvagens em uma produção totalmente escrachada. Existe verdade nisso, uma vez que muito do sucesso desse filme veio simplesmente pelo fato dele jogar contra os estereótipos femininos, se aproveitando da onda dos anos 2000 de comédias masculinas de bromance de Judd Apatow, Seth Rogen e companhia, como Superbad – É Hoje, O Virgem de 40 Anos, Eu Te Amo, Cara e afins, para colocar mulheres em posições normalmente ocupadas por homens.
Por mais que a obra de 2011 não seja tão espetacular como alguns afirmam, é um filme levemente divertido que tem seu legado espalhado pela última década, que, em sua crescente representatividade, começou a ter cada vez mais esse tipo de comédia com elencos compostos por minorias, como Girls Trip, Fora de Série e Fire Island, para citar alguns exemplos. A mais nova adição ao catálogo é o tema desta crítica, Loucas em Apuros, uma comédia dirigida pela estreante Adele Lim, roteirista do ótimo Podres de Rico, que retrata um grupo de asiáticas em uma viagem maluca na China quando Audrey (Ashley Park), uma moça de ascendência chinesa adotada e criada por americanos, precisa fechar um negócio em Pequim, tendo a ajuda das caóticas Lolo (Sherry Cola) e Kat (Stephanie Hsu), e da estranha “Deadeye” (Sabrina Wu).
Todo esse preâmbulo serve basicamente para expor que Loucas em Apuros é mais um produto de comédia escrachada que brinca com estereótipos e representações de minorias ao colocar jovens asiáticas fazendo todo tipo de coisa maluca e ultrajante em cenários que servem para chocar a audiência. Temos um bloco anárquico em que o grupo usa um monte de drogas e outro em que elas transam de maneira ensandecida, vemos elas vomitarem após ficarem bêbadas e falarem diversas bobagens sobre sexo, assistimos uma das garotas ter cocaína explodindo em sua bunda e depois descobrimos que ela tatuou o diabo na vagina… pegaram a ideia, certo? Depois de muitas obras terem engessado no imaginário coletivo a visão rígida e a cultura de pressão com imigrantes/descendentes asiáticos, o filme de Adele Lim quer nos mostrar um lado bem diferente da história, tirando sarro ao mesmo tempo que critica alguns estereótipos.
A maioria desses momentos no filme têm um humor forçado, apenas colocando as personagens em situações de besteiróis americanos que vimos diversas vezes e com mais criatividade, como a terrivelmente constrangedora montagem da orgia ou a péssima sequência musical que mistura K-pop com as bobagens sexualmente explícitas de Cardi B. O fato da obra ter uma narrativa de road trip que não explora a China (temos uma longa sequência em uma boate, depois em um trem e outro num hotel…) é mais um ponto negativo, desperdiçando o potencial meio EuroTrip da comédia e trazendo diversos cenários genéricos para compor a produção, sem falar que a própria trama envolvendo o negócio de Audrey é descartada e toda a história acaba soando como uma desculpa esfarrapada para ver asiáticas sendo tão atrevidas e nojentas quanto homens.
Interessante, porém, que entre a patetice desse humor, o roteiro consegue tecer piadas inteligentes sobre a crise de identidade de Audrey e sua “americanização”, além de tirar sarro de estereótipos, como a piada de todos os asiáticos serem iguais, incluindo altas risadas em torno das rixas entre chineses, coreanos e japoneses, ou as divertidíssimas cenas de tradução do mandarim para americanos. Também temos outros elementos de qualidade, como o deadpan de Sabrina Wu e o humor em torno de tradições chinesas que elevam o valor da produção e que justificam a premissa da obra. Quando a produção favorece o exercício de fazer comédia com os costumes e comportamentos culturais que englobam as protagonistas, seu entorno e sua herança, nota-se uma relevância temática que não serve apenas para reflexão, mas que constrói ótimas gargalhadas.
Infelizmente, o que torna Loucas em Apuros levemente interessante acaba ganhando pouco espaço frente a diversão efêmera de muita coisa boba sobre sexo e drogas. O último ato do filme até tenta incorporar alguns dramas para encorpar o lado cultural da obra e o womance (isso existe?) das melhores amigas, mas nada realmente substancial e fora do ordinário para causar algum efeito de emoção, e que em última instância não combina com o tom da obra. No fim, fica a impressão de uma comédia convencionalmente escrachada que é um passatempo regular não muito diferente de outras produções comuns de besteiróis e bromances, mas que tinha potencial para ter aquele algo a mais no lado humorístico que explora esse tipo de cultura, identidade e minoria. Mesmo assim, dá para ter umas boas risadas do elenco carismático quando a obra é efetivamente sobre o que promete.
Loucas em Apuros (Joy Ride), EUA – 2023
Direção: Adele Lim
Roteiro: Cherry Chevapravatdumrong, Teresa Hsiao
Elenco: Ashley Park, Sherry Cola, Stephanie Hsu, Sabrina Wu, Ronny Chieng, Annie Mumolo, David Denman, Timothy Simons, Daniel Dae Kim
Duração: 95 min.