Todo documentário ganha de algum modo ao se portar como uma ficção, pois relaciona seu posicionamento diante dos fatos e os enriquece ao embasar o ponto de vista crítico na realidade. O inverso já é mais complicado, quando se adapta uma narrativa ficcional à linguagem documentarista, existem certos perigos, especialmente quando o filme se preocupa mais em contextualizar os fatos do que aprofundar o sentimento de encenação deles. Olhando a cineasta responsável, é plenamente justificável essa abordagem, Liz Garbus é uma das documentaristas mais renomadas da atualidade, mas infelizmente ela não soube adaptar linguagens e entregou uma narrativa com amplo potencial dramático completamente na morosidade.
É possível enxergar no estilo de filmagem uma tentativa de construção atmosférica meticulosa, bem típica de David Fincher, trabalhando com o poder imagético para amplificar a carga de urgência. Uma escolha coerente com as evidências dos fatos em que ela estava baseada, a tensão baseada no mistério praticamente insolúvel à Zodíaco, fortalecido pela premissa Três Anúncios Para um Crime de uma mãe contra um sistema que parece não ter interesse no prosseguimento da justiça. Contudo, o filme gasta seus recursos cedo demais, já se entregando no detalhismo expositivo anunciador de desdobramentos, que simplesmente não têm mais fôlego quando acontecem. Falta sensibilidade no controle temporal do filme e, principalmente, na maturação do tempo na questão sentimental dos personagens.
As atuações são até esforçadas para atingir um certo realismo que nunca é sentido pela escolha equivocada de enquadramentos. Remetendo a distanciamento, melancolia e circularidade, o roteiro não parece andar para lugar nenhum. Soa bastante artificial pois não há uma base progressiva de desgaste, ao mesmo tempo em que a mãe e aquela família soam completamente desesperadas o tempo todo, parece que elas já estão entregues a um fechamento pessimista. É uma digressão subentendida de tom, psicologicamente, mesmo que nos identifiquemos com a situação desesperadora, prevemos o seu fim e desanimamos, já que esse anúncio está vinculado a um fato imperecível, não existe a chance de a magia do cinema atuar para tentar nos enganar de alguma forma no trajeto, nem que seja para reafirmar o pessimismo e nos fazer sentir ainda mais seu peso.
O filme não concebe devidamente quais os pontos-chave de dramaticidade do percurso e parece perdido no seu preenchimento, fazendo-o apelar para repetições temáticas importantes de denúncia, mas que perdem o impacto quando faladas várias vezes pelas mesmas bocas, como a questão do olhar midiático no julgamento de vítimas “prostitutas”. Pela linguagem jornalística, o discurso inclusivo fica como uma fonte segura de diálogos, que não apresentam aprofundamento na psique da protagonista ou de qualquer outro personagem. É insosso e, como dito, parece uma matéria pronta, factual e documentarista que não quer mexer no arquivo pelo risco de não entregar tudo “certinho”, num suposto discurso em respeito às vítimas, mas que na escolha como linguagem é equivocada, por não permitir a proximidade necessária para que possamos ter empatia pela situação.
Por empatia digo a específica, porque o relacionamento do filme com o público parte do pressuposto de que precisamos ter obrigatoriamente em qualquer situação do gênero, caso contrário seremos vilões, como o comissário que não consegue encontrar de maneira nenhuma a filha da protagonista perdida e só dá as caras quando o filme quer apontar sua incompetência. É bastante genérico e conveniente, porque apesar da linguagem documental existe um ponto de vista teoricamente humanista do filme sob os personagens, que não seguem arquétipos clichês justamente para evitar o caráter ficcional, o que nesse personagem se torna uma incongruência pensando nessa vilanização do passivo que permeia todo o discurso do filme.
Sem esse desenvolvimento principal e com tudo meio anunciado, a jornada de Lost Girls fica enfadonha e parece mais uma reportagem do Fantástico (que são devidamente mais estimulantes) do que um filme de suspense. Existe potencial técnico na diretora, é só esperar que ela, em seus próximos filmes, não leve o “baseado em fatos” tão a sério assim.
Lost Girls: Os Crimes de Long Island (Lost Girls / EUA, 2020)
Direção: Liz Garbus
Roteiro: Michael Werwie
Elenco: Amy Ryan, Thomasin McKenzie, Gabriel Byrne, Oona Laurence, Lola Kirke, Miriam Shor, Reed Birney, Kevin Corrigan, Rosal Colon, Dean Winters
Duração: 95 minutos