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Crítica | Lost – 2ª Temporada

por Iann Jeliel
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Lost

  • PODE CONTER SPOILERS DE TODAS AS TEMPORADAS! Leia, aqui, as críticas de todo nosso material do Universo Lost.

Lost “Talvez o destino tenha nos juntado.” – Christian

“Por que o destino faria uma coisa dessas?” – Ana Lucia

“Pela mesma razão que ele faz qualquer coisa. Para que possamos ajudar um ao outro.”  – Christian

Se a primeira temporada aparentava diversas características de uma experimentação ambiciosa a ser vendida, a segunda temporada, marcada pela saída de J.J. Abrams da produção, significava a introdução explícita de seus elementos principais escondidos no duplo sentido da fórmula incorporada pelo antigo showrunner, que seria remodelada pelo criador Damon Lindelof a um direcionamento dramático mais direto aos personagens, ainda que expansivo no ponto de vista de exploração do universo misterioso.

Podemos definir, então, essa temporada como um reset de linguagem, onde os personagens não levaram ao mistério, mas o mistério levará aos personagens, e a dubiedade se centrará na interpretação deles perante os sentimentos da descoberta de novas funcionalidades da mitologia da ilha. Essa pequena e sutil inversão na linguagem, ainda que não deixasse de lado por completo um processo de experimentação como exemplificarei em algumas narrativas, de modo geral, converteria a maioria das ideias previamente decididas e outras experimentadas no decorrer do primeiro ano em um direcionamento planejado até o fim, só que lógico, dentro de um timing necessário para a refração de cada informação.

A estrutura de sobreposição de mistérios mudaria desse modo, tornando-se um sequenciamento de causa e consequência. A cada nova descoberta, viria um novo questionamento, que não necessariamente seria um novo mistério, mas uma nova “coincidência” que dentro de um cenário de descobrimento de universo científico (a escotilha, a iniciativa Dharma, os Outros) naturalmente geraria a dúvida de origem, agora em sentido único (Lindelof) e duas vertentes (Fé e Ciência), como evidencia a mudança estrutural. Portanto, não era mais um simples jeito de vender a curiosidade do telespectador, Lost estava mais interessado em desenhar todo um panorama de descobrimento de propósitos: o acaso levaria a evidências científicas de um lugar especial ou as evidências científicas daquele local que forneceram o acaso do destino?

Pensando no processo de transição mencionado no meu texto anterior, a fórmula se encontraria entre essa transição e a primeira parte, que fez sua função de estabelecer e desenvolver todos os personagens a ponto do público se demonstrar reativo a qualquer eventualidade que acontecesse com eles, agora iria na próxima aprofundar seus dilemas e consequências em comum, direcionadas pelos pequenos choques de destino, inversão de motivações ou subversão de comportamentos ligados a um determinado contexto de ação, focada no arco dramático principal da temporada, o embate com “Os Outros”. Lost iniciava aqui seu auge, tanto numérico, em audiência, quanto qualitativo em organização e impacto dos desdobramentos, consolidando-se de uma vez como uma das grandes séries de todos os tempos.
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A Escotilha

“Todos os caminhos levam até aqui.”

John Locke

Partindo para a exemplificação das modificações permissivas na linguagem da temporada, a primeira cena do primeiro episódio, intitulado Man of the Science, Man of the Faith, já evidência muito bem como será essa brincadeira subversiva dentro da própria fórmula. Vemos um homem desconhecido acordando, fazendo alguns exercícios ao som de uma música curiosa, digitando algo em um computador. Acreditamos, portanto, pelo costume pregado anteriormente que ele seja algum dos personagens que conhecemos num tradicional flashback, até o momento em que é mostrado rapidamente o símbolo da Dharma e cai por terra o disfarce. Aquele homem e encenação na verdade já era a resposta do grande mistério da temporada anterior: o que raios havia abaixo daquela escotilha?

Ao mesmo tempo em que a série já fornece uma resposta explícita em nossa cara do que se trata, estabelecendo a nova dinâmica (apertar o botão) dali pra frente,  simbolicamente ela organiza e dita, agora, o novo trio de decisões do embate: a ciência (Jack), a fé (Locke) e a constante (Desmond). John já dizia que todos os caminhos o levariam até aquele local, até aquela escotilha, que tinha como pretexto segurar o campo eletromagnético da ilha de um colapso energético, por meio de um computador no qual o código eram os famosos números amaldiçoados de Hurley. Quem os apertava? Desmond, já adiantando, o nome do tal homem que vimos na primeira cena, o mesmo que Jack havia encontrado anos atrás em uma arquibancada, no flashback do episódio, um pouco antes de um dos acontecimentos que transformaria sua moral para aquela que conhecíamos.

Na temporada passada, apesar do ceticismo, Jack demonstrava ter um espírito de liderança nato, de não deixar ninguém para trás, de querer consertar todos os problemas de todo mundo e não desistir da vida de ninguém. Pois bem, essa índole ganha novas camadas com os dois momentos específicos que são retomados de sua narrativa passada. O primeiro é o do referido episódio que contou como ele foi o responsável por um milagre, ao consertar a espinha dorsal de uma paciente que viria a ser sua esposa, e como isso se tornou um vício para ele tempos depois na profissão, motivo que fez eles se afastarem, algo explorado no episódio The Haunting Party. Jack vive nessa busca de autoflagelação onde o ceticismo se torna uma válvula de escape, e, indiretamente, aquela conversa com Desmond criou essa mentalidade em Jack, já que após o encontro algo que não deveria acontecer, aconteceu, e assim ele viraria um médico mais humanista.

Diante dessa construção de arco dramático individual, particularmente atenuado num brilhante e completo capítulo cheio do melhor de tensão que a série pode oferecer, o  destino atuaria para unir os personagens novamente na ilha, e a partir disso, a série didatiza ao público que através daquele personagem os mistérios passaram a ser resolutos em DESCOBERTA ao invés da EXPLICAÇÃO propriamente dita do fato. Ao longo da temporada e da série, descobriremos outros elementos que indiretamente se conectarão por um pontapé de Desmond e de um “outro” personagem (de que falarei mais tarde), principalmente como linha de organização conceitual de elementos, e lógico, na indução de transformações entre os polos Jack e Locke.
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Os Outros Sobreviventes

“Esperou 40 dias para falar?” – Ana Lucia

“Você esperou 40 dias para chorar.” – Mr. Eko

Enquanto a pendência dentro da escotilha acontecia em episódios seguintes com diferentes pontos de vista até a origem e resolução do encontro de Jack e Desmond, os desdobramentos do que aconteceu com a balsa viriam logo depois para intercalar uma dinâmica junto aos flashbacks fortificadores dramáticos de modo absolutamente envolvente. Nos quatro episódios posteriores, a troca de núcleos fornecia frequentemente a inserção dos novos elementos simultâneos como engajamento crescente de atenção, dentre eles a introdução dos outros sobreviventes, da parte de trás do avião, que ao mesmo tempo que funcionava como uma resposta direta ao público (graças à introdução de Ana Lucia em Exodus), era abstrata a Michael, Jin e Sawyer, principalmente diante da confirmação mais física da hostilidade dos “Outros”, o que faz total sentido diante da última season finale, o trio é quem foi realmente envolvido por eles através da misteriosa importância de Walt.

Através de um novo flashback de Michael, a série viria a reafirmar a força do sentimento do pai em relação ao seu filho, que na essência movimentaria as ações primordiais da temporada em um exercício necessário para fechar algumas pontas. Nas inúmeras transformações das experimentações, a mais difícil sem dúvida o envolvia, diante do crescimento inevitável do ator mirim, seu planejamento teve que ser cessado e desviado para locais que nunca conseguiriam se amarrar por completo dentro da ilha, e diante disso, a série assumidamente o posiciona como utensílio de fechamento dessas experimentações que não tinham mais material para continuar. Um exemplo claro disso está em Shannon, que depois de Boone ficou sem o que fazer, mas nem por isso não ganhou um final digníssimo de sua trajetória, metalinguisticamente dialogando com essa aparência de inútil nos planos da série, ela acaba sendo a porta-voz para um dos melhores momentos da temporada.

Alucinando com visões de Walt, ela o procura por acreditar que aquilo fosse o seu propósito. E como até então ela não tinha um, compramos a ideia, enquanto Sayid, com quem tinha construído laços, não acredita, e quando vem a acreditar, era tarde demais, porque seu propósito era justamente a morte. No momento preciso e de uma sincronia absolutamente GENIAL com aquele contexto, ela morre nos braços de Sayid com um tiro em falso construído por toda a paranoia que rondava o outro grupo, fornecendo não só um aparato desesperador para a reunião entre as duas linhas de sobreviventes, como indiretamente calcando Walt nessa posição de arma a ser escanteada. E se parece covarde não mostrar o que aconteceu depois desse choque no episódio seguinte, isso é porque Lost assumidamente demonstraria que havia mudado no exercício de junção de continuidade proposto por The Other 48 Days.

Não dá para acusar mais depois desse episódio que a série ficava de papinho, a paranoia que levou à morte de Shannon tinha fundamento, e um capítulo inteiro demonstrou o porquê. Numa pequena volta no tempo, dividida entre a demonstração de diferentes fatos narrados por Ana Lucia em episódios passados, vemos o impacto físico dessas narrações nos personagens novos desde o momento em que eles chegaram à ilha até o Collision, em uma narrativa contada de forma única, emocionante e conectiva (a mensagem do rádio de Boone, o marido de Rose vivo…) para termos material suficiente para não sabermos como lidar quando o encontro chegasse. E só para demonstrar que não era enrolação, aí sim, no episódio seguinte, por meio de um desenvolvimento ainda maior motivacional de Ana Lucia, temos o inevitável confronto que se converte de forma cuidadosa no entendimento pelo reencontro e no afunilamento para a verdadeira ameaça.
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A Verdade de Cada Um

“Não confunda coincidência com destino.”

Mr. Eko

Antes de entrar de fato no arco principal da temporada, precisamos falar como a mudança de forma se manifestou nos demais personagens e como corrigiu alguns caracteres experimentais que não deram tão certo. Começamos pelo maior e mais difícil, Jin e, consequentemente, Sun, no processo de transição e abandono completo daquela mentalidade de relacionamento abusivo constituído em toda a temporada anterior. Na separação dos dois em núcleos, a série começa a converter seus valores específicos para outro caminho. Em Jin, por exemplo, sua lealdade antes vista como tóxica, demonstrou ser fundamental para ajudar o trio a sobreviver do outro lado da ilha, e mais tarde saberíamos que foi isso que o fez conhecer e conquistar Sun. Em seu antigo emprego, percebemos que ele não abria mão das convicções de sua origem humilde por uma convenção socialmente “superior”, quando ele começou a fazer isso, fez para não perder Sun e acabou ficando preso num looping inverso de algo que ele não era. Desse modo, a sua jornada na ilha se tratava de se libertar do peso de estar sendo carregado por essa entidade social representada pelo pai de Sun.

Não à toa, o personagem começa de fato a ser libertado nessa temporada, não coincidentemente após a retirada daquela algema quebrada no braço, presa ali há muito tempo. Enquanto isso, Sun, que sofria de uma perspectiva vitimista, passa a mostrar também seu lado sombrio, de mentiras e manipulações, por um medo que também deveria ser abandonado. A sintonia de ambas as transformações em seu episódio único se dá pelo fato de ela estar grávida sem poder estar, por um problema de fertilidade de Jin, assim a ilha dá o propósito aos dois personagens e os une novamente, subvertendo por completo aquela impressão inicial tóxica. A motivação do casal para a ilha serve já como espelhamento para a de outro, mais terciário nesse contexto todo, mas que ganha a devida atenção por ter sido pilar motivacional da reunião entre as partes do avião, Rose e Bernard. O episódio dedicado a eles é cirurgicamente posicionado dentro de uma posição de calmaria na temporada – mais tarde falarei o porquê -, o que até pode reportá-lo como filler, mas como dito, ele é fantástico para complementar o contexto de importâncias particulares dos personagens naquele local.

Na primeira temporada, Rose era uma espécie de Locke mais discreto, devidamente confortável com todos os acontecimentos estranhos e com convicção de que o marido estava vivo, algo que foi demonstrado na prática por essa temporada, enquanto ele não tinha o mesmo conforto. Quando ele se depara com ela viva, seu instinto é de tentar sair daquela ilha de imediato para aproveitar a vida com ela, pois em sua cabeça o curandeiro australiano a curou do câncer que dava contagem regressiva ao seu casamento. Contudo, Rose não corresponde, ela se mantém da mesma forma como chegou na ilha, isso porque o flashback revela que ela mentiu sobre a condição dela após a consulta com o curandeiro e decide contar a verdade justamente naquele momento, pois sabia e sentia que a ilha a tinha curado, e isso faria Bernard desistir da ideia. Essa relação de cura com a morte de modo psicológico se reverbera também em Hurley, explorando mais o seu passado, a previamente estabelecida relação de dependência com a comida se mantém interligada a essa lógica de redenção da ilha, em especial, desenvolve um novo elemento mitológico.

No episódio Dave, temos resquícios da importância futura de Hurley com a comunicação com seres inanimados ou mórbidos, e como isso é movido pela culpa da comilança que já o fez matar acidentalmente alguém. Portanto, mais do que uma maldição de azar, a carga dramática de Hurley está nessa condição física e psicológica, que cria esses mitos em sua cabeça, tais como os números, para direcionar sua culpa. Com Libby, nova personagem vinda da parte de trás do avião, Hurley ganha um pequeno conforto em poder enxergar o que de fato é real. Só é um tanto problemático quando, nesse mesmo episódio, Libby no final aparece como uma das pacientes do hospital psiquiátrico de Hurley, junto a algumas falas do amigo imaginário Dave, isso cria no telespectador aquela mentalidade problemática e conspiracionista do J.J., a cobrança por respostas futuras, e nesse caso em específico, pouco relevantes. A única pista que conecta Libby àquele hospital é seu aparecimento no último episódio da temporada, quando ela menciona num flashback de Desmond que seu marido morreu, e aí fica vago se a morte dele ocasionou a sua ida à loucura e logo ao hospital, para o público médio, aquele gancho certamente era para levar a algo maior e que ficou ali por alto.

Outro traço problemático da temporada está no episódio do Charlie, Fire and Water, porque ao contrário dos demais, sua motivação dramática na ilha já havia sido teoricamente convertida no vício em heroína e na superação de ter matado alguém, embora tenha deixado o gancho das santas, o que se reverbera no fim não tem tanta implicância na temporada. No máximo serve como base para Mr. Eko sair em uma jornada própria, descobrindo sua ligação com a ilha no avião encontrado por Locke, onde Boone morreu, e por ele ser um pilar de disfarce para Sawyer conseguir elaborar seu plano de pegar as armas, outro episódio pouco relevante para o aspecto prático dos núcleos da temporada, mas extremamente eficiente, tanto na evolução particular de Sawyer como no desenvolvimento da criação de uma situação isolada. Já o mencionado distorce o Charlie e o desvincula de Claire, que vinha sendo uma evolução saudável de casal (que no final da temporada se entende rapidamente por meio da maleta de injeções para Aaron que o Charlie dá a ela, eles até se beijam no último episódio), e joga de qualquer jeito uma trama em que a criança corre perigo, o que na prática era só a falta de remédios que “Os Outros” estavam dando enquanto Claire havia sido raptada, além da falta de um batismo, rapidamente resolvida por Eko, que em seu passado era padre.

Até tem coerência o surto de Charlie, visto que ele tinha a pendência com a falta de família, e Claire e Aaron meio que preenchiam esse vazio, mas no desenvolvimento do episódio, cai naquele terreno conspiracional demais para resoluções tão simples. Inclusive, sobre o Aaron, seu propósito e importância de estudo para “Os Outros” recai com respostas bem mais pragmáticas no episódio Maternity Leave, que finalmente mostra o que aconteceu com Claire naquele período em que ela foi capturada e como ela voltou ao acampamento sem memória com a ajuda de Rousseau, no fim revelando a sua motivação ao ter raptado o bebê em Exodus. O mais interessante é perceber a fortificação de Kate com Claire, na relação improvável entre as duas que teria mais sentido no futuro. Kate que também tem seu principal mistério pendente resolvido, com um brilhante episódio para revelar o que ela realmente fez para ser perseguida, dentro de uma intercalação perfeita de núcleos para fornecer o gancho circular dos movimentos finais da temporada. Icônico, é aqui que tem o primeiro beijo entre ela e Jack, a libertação de Jin, a junção de Eko e Locke pelas fitas do propósito da escotilha e, para finalizar, a mensagem de Walt no computador que moverá Michael, como dito, a guiar todo o exercício climático da temporada.
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Henry Gale

Lost

“Esse lugar? Esse lugar é uma piada, John.”

Henry Gale Lost

Na metade da temporada, o tal outro personagem mencionado no primeiro capítulo que ajudaria Desmond a ser esse motor de organização conceitual de Lost é introduzido, seu nome inicialmente é Henry Gale, capturado pela Rousseau em uma de suas armadilhas, afirmado por ela como um dos “Outros”. Mas, claro, Damon Lindelof e Carlton Cuse não deixariam essa oportunidade para explorar os limites do benefício da dúvida e dessa forma criar um caos interno de decisões entre os personagens. Henry seria e será – quando revelar sua verdadeira forma – esse peão de manipulação de informações e gerador do caos a partir da quebra do conceito da caixa misteriosa implementada por J.J.. Essa quebra consiste justamente nesse menosprezo ao que tange à explicação de um fenômeno racionalmente, por ter de antemão o conhecimento da pouca importância que ela tem para o funcionamento da ilha.

Lógico, isso é desenvolvido mais posteriormente, mas tendo essa noção de quebra com esse personagem, é possível acompanhar nitidamente o passo a passo do desnorteamento que ele causa na equipe, especialmente em Locke, após brincar com a conquista de sua confiança logo depois de ser descoberto, ao parar de mentir, criar outra mentira a respeito do propósito do computador e digitação dos números, porque sabia qual efeito daquilo em Locke diante do espelhamento entre os personagens, que ficará mais claro no futuro. A partir daí, Locke parece estar decidido a não apertar mais o botão, em contraponto a Mr. Eko mais motivá-lo a apertar após o descobrimento de suas conexões com a ilha, que começa a guiá-lo ao perceber que John havia caído no truque de Henry. Através da dinâmica de sonhos estabelecida logo cedo com Shannon, Eko é direcionado ao avião, o mesmo em que seu irmão desapareceu, que cai justamente no “ponto de interrogação” visto por Locke quando a escotilha fechou o portão na sua perna, forçando-o a confiar em Henry e cair na sua manipulação.

Nesse mesmo local abaixo do avião, uma nova escotilha é descoberta, e é provado que Locke realmente caiu no truque, pois sua reação de levar no racional aquela estação como puro monitoramento da outra escotilha menosprezou a funcionalidade do botão, enquanto Eko diante de tal “coincidência” pareceu mais certo de que aquele era o destino. Um dos dois conflitos para a season finale então é consolidado dentro de um contexto em que o público também estaria em dúvida sobre o baque dado as palavras de Henry, pelo desconhecimento de seu personagem. Como estopim para o segundo, Michael retorna, justamente depois daquele episódio de Rose e Bernard, dentro de uma condução tão calma quanto suspeita, mas que fazia sentido para amontoar um prometido clima de guerra desde o início da temporada, com Jack querendo montar um exército para enfrentá-los e tudo. Parecia um episódio de transição e de fato foi, mas em Two For Road, Lost puxará o tapete com seu brilhantismo característico e num impacto sem igual.

Enquanto Eko era um apoio de Locke, Ana Lucia era um apoio de Jack, só que menos óbvio e mais indireto, embora ainda explícito dado que seu segundo flashback é literalmente ela se aventurando com o pai de Jack, motivada igualmente pela fuga de ter perdido a profissão por um conflito paterno originado por vingança. E aí entra a ludibriação, por ter a primeira conexão mais óbvia entre passados, com exceção de Sawyer que já havia também conversado com o pai de Jack (coincidentemente, Sawyer aparece por um pequeno momento no episódio esbarrando com o carro em que Ana e Christian conversavam, e na cena seguinte Ana e Sawyer transam e confirmam essa conexão), pensamos que Ana se tornará um pilar importante dali em diante na série, ela até se redime de certo modo, não se juntando a Christian no bar e não matando Henry sequencialmente, e nessa redenção nem suspeitamos que é uma despedida. Michael a mata a sangue frio e de bônus ainda mata Libby, com quem estamos começando a nos importar pelo Hurley, na mais chocante reviravolta da série até então, libertando Henry Gale. Agora sim, o caminho do fim estava trilhado.
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O Destino Ligado a Ciência

Lost

“Sinto muito pelo que tenha acontecido te fez parar de acreditar, mas é tudo real. E agora preciso ir para fazer tudo desaparecer.” – Desmond Lost

“Espere! Desmond!” – Locke Lost

“Te vejo em uma outra vida, irmão.” – Desmond Lost

Na caótica situação, surge de um barco Desmond como a carta na manga para o final equilibrar os polos e fechar todo o raciocínio da temporada no direcionamento a progredir a lógica transicional da série. De um lado, ele fornece o barco para que Jack e Sayid consigam montar um plano na invasão ao território dos “Outros”, desconfiado por Sayid de ser uma armadilha pelo comportamento suspeito de Michael, que estava acobertando o assassinato de Ana Lucia e Libby para Henry. De outro, Locke irá pedir a Desmond, completamente descrente também, que o ajude a manobrar Eko para longe do computador, e assim eles possam parar de apertar o botão e ver o que acontece. Contudo, nesse caminho, Desmond acaba investigando melhor sobre a motivação da descrença de Locke, e sincronizado com o flashback dedicado a ele nessa finale, descobre o verdadeiro papel da escotilha no destino dos membros do avião, além da conexão constante entre ele e o próprio Locke.

Dentro da narrativa própria extremamente fundamentada de Desmond, seu drama de amor impossível comove logo de cara pela infelicidade de cruzar no caminho com a ilha, tornando-se um peão da iniciativa Dharma, onde a função de apertar o botão o segurou nela por 3 anos que só agravaram seu pessimismo com relação a ver Penny novamente. No entanto, não só Penny previu esse momento de desistência, colocando uma carta de incentivo no livro ao qual Desmond dedicaria seu tempo final de vida, como Locke apareceu no mesmo momento para impedi-lo do suicídio, e naturalmente ele acende a luz de Deus Ex Maquina que daria a Locke um novo propósito naquele momento para seguir em frente, e de agora em diante, ligaria os dois de modo a fazer Locke voltar a acreditar. Como complemento, na manipulação de seu antigo parceiro de escotilha que queria o deixar sozinho na ilha para apertar o botão (curiosamente o mesmo que era general e libertou Sayid das mãos espiãs dos EUA), Desmond deixa escapar o tempo de digitar os números por um momento, e o colapso eletromagnético acontece.

Mostrando previamente as consequências de deixar de apertar, o passado da ilha se cruzava com as ações do presente, através de Desmond, alinhando assim todos os destinos. O fenômeno científico proporcionaria a queda do avião como demonstraria a fonte do monitoramento, essa sim a farsa, ao contrário do que Locke imaginava, e Desmond, além de ser a constante simbólica, iria se tornar a física ao ter de absorver – ligando a chave no gerador de emergência – grande parte do colapso para si, o que agravaria os fenômenos temporais em seus futuros episódios, algo que detalharei em outras críticas quando outras partes da mitologia forem destravadas. O que importa é que, representativamente, a ciência é novamente a força motriz inicial para que o fantasioso seja implementado, no caso de Desmond, com uma fonte de organização bem definida para os passos dessa transição.

Só restava agora resolver Michael, e claro, a pendência Walt de modo ambíguo o suficiente para que ele pudesse ser utilizado em um outro momento, mas que as resoluções da série não precisassem deles para sobreviver. O único caminho era colocar Michael como vitorioso no acordo, e para isso, o poderio dos “Outros” junto a Henry tinha que ter sido bem desenvolvido para que a sobreposição de planos não parecesse forçada, dito e feito. Henry valida o aspecto teatral brilhante de ambiguidade, deixado pelo ator Michael Emerson, e mostra na prática que estava um passo à frente dos sobreviventes, antecipando a possível emboscada de Sayid e Jack, transferindo o local de encontro e bolando um outro para conseguir o seu objetivo de capturar Jack, Kate e Sawyer para planos de outra temporada. E só para reforçar um pouco mais de sua índole, Henry “cumpre” sua palavra, ou pelo menos a deixa totalmente incerta com Michael e Walt fugindo da ilha de um modo tão simplório quanto duvidoso. Um final absolutamente épico de temporada.

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Como podem perceber, muitas dúvidas do que foi introduzido na primeira temporada foram resolvidas nessa segunda pela mudança de linguagem, sendo que a maioria das que não foram farão parte de uma esquematização de descobertas ainda a ser desenvolvida ao longo das demais temporadas, mas que certamente já tinham seu planejamento colocado. Os hieróglifos, a estátua incompleta, os efeitos magnéticos com o tempo (na bússola, na transmissão “de qualquer época” do rádio de Hurley), dentre outros fatores motivacionais por trás da exploração Dharma. O que importa é que o novo passo de transformação da série estava direcionado, e embora explícito, não era tão óbvio a ponto de o grande momento de cisão na temporada posterior ser desvendado com antecipação. Mais do que nunca, a série se mostrava a favor de seus personagens como primeiro plano da jornada, e com eles em domínio, o público se deixava ser dominado, e o fenômeno popular se tornava a prova viva de que o mainstream podia ser muito inteligente.

Lost – 2ª Temporada (Idem, EUA, 2005-2006)
Criador(es): Damon Lindelof, Jeffrey Lieber e J. J. Abrams
Diretores: Jack Bender, Stephen Williams, Alan Taylor, Adam Davidson, Paul Edwards, Matt Earl Bessley, Roxann Dawson, Karen Gaviola, Erick Laneuville, Deran Sarafian.
Roteiros: Damon Lindelof, Leonard Dick, Steven Maeda, Javier Grillo-Marxuach, Craig Wright, Edward Kitsis, Adam Horowitz, Carlton Cuse, Elizabeth Sarnoff, Christina M. Kim, Dawn Lambertsen Kelly, Matt Ragghianti.
Elenco: Matthew Fox, Terry O’Quinn, Evangeline Lilly, Jorge Garcia, Josh Holloway, Naveen Andrews, Dominic Monaghan, Yunjin Kim, Daniel Dae Kim, Michelle Rodriguez, Cynthia Watros, Adewale Akinnuoye-Agbaje, Maggie Grace, Harold Perrineau, Emilie de Ravin, L. Scott Caldwell, Mira Furlan, Michael Emerson, Henry Ian Cusick, M. C. Gainey, Sam Anderson, John Terry.
Duração: 43 min. (em média) cada episódio – 24 episódios na temporada.

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