- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Entenderei perfeitamente quem achar que The Variant foi um episódio pior que o inaugural das aventuras do Deus Trapaça (aquele do final de Os Vingadores, claro) pelo espaço-tempo, mas terei que discordar veementemente. Loki, em seu segundo capítulo – de apenas seis, temos que lembrar – mantém o ritmo apertado da série sem, porém, precisar recorrer a sequências ininterruptas de ação, focando muito mais na relação buddy cop entre o protagonista e Mobius, com Tom Hiddleston e Owen Wilson excelentes e mais do que descontraídos em seus respectivos papeis e, no final das contas, sem sequer parecer que o ritmo é mesmo apertado.
Mas ele é. O roteiro de Elissa Karasik é cuidadoso em constantemente avançar a narrativa, especialmente agora que a apresentação da Agência de Variância Temporal e toda a mecânica dos Guardiões do Tempo e da Linha Temporal Sagrada já é coisa do passado e estamos perfeitamente acostumados com a grande repartição pública setentista “fora do tempo”, com direito a muita burocracia, muita papelada e muita ineficiência. Sem ter que lidar com aclimatações, a roteirista parte para focar na caçada à Variante fugitiva e assassina de Loki, misturando um pouco de narrativa procedimental investigativa aqui, um pouco de didatismo divertido disfarçado pela perfeita química da dupla principal ali e, claro, alguns momentos antológicos como Loki falando em latim para os coitados dos pompeianos prestes a virarem estátuas ou a Senhorita Minuto mais uma vez tentando ensinar o que mais o filho adotivo de Odin precisa aprender como “estagiário” da agência.
Mas Loki é uma série que talvez seja melhor aproveitada sem aquela sofreguidão por reviravoltas ou momentos “ahá”, algo que, confesso, a própria Marvel Studios estimula sem parar. Afinal, venhamos e convenhamos que a revelação de que o vilão é, na verdade, uma vilã (Sophia Di Martino) – seja ela Lady Loki ou qualquer outra personagem que ela eventualmente acabe sendo – e que, para a surpresa de absolutamente ninguém, nem dentro da própria história, Loki tem seu próprio plano egoísta, não são momentos sensacionais, daqueles que mudam nossa percepção sobre o Universo Cinematográfico Marvel (ok, a “recriação” do multiverso por Lady Loki foi bem bacana, admito). Claro que é divertido, mas o como – a jornada – é muito, mas muito mais interessante do que esses artifícios criados para gerar o maior número de teorias possíveis para povoar os sete dias entre episódios. Faz parte do jogo, mas esse jogo cansa se for levado muito a sério com uma sucessão interminável de artigos internéticos “explicando” cada detalhe, e tira a atenção para o que realmente importa, que é justamente tudo o que está ao redor disso.
E o que está ao redor disso é um contínuo trabalho de roteiros cuidadosos, com diálogos divertidíssimos especialmente entre Loki e Mobius, lógico, além da direção de Kate Herron que mostra que sabe muito bem onde está o valor da série. Se Wanda e Visão formaram uma dupla adorável e Sam e Bucky até que tiveram seus momentos (poucos, mas tiveram), Loki e Mobius é ouro puro, pelo que a diretora acerta ao manter a narrativa essencialmente gravitando ao redor dos dois, sejam juntos ou separados, mas sem perder de vista os coadjuvantes, com Wunmi Mosaku mais uma vez se destacando como a agente séria e by the book que se recusa a dar qualquer chance para Loki (ela tirando as facas dele foi sensacional) e Gugu Mbatha-Raw, agora ganhando mais destaque como Ravonna Renslayer, começando a mostrar a que realmente veio.
Não me canso também de elogiar a direção de arte da série que consegue trabalhar espaços confinados para economizar o orçamento sem deixar de estabelecer uma grande variedade de cenários, seja a sala de Renslayer cheia de artefatos e com as estátuas dos “lagartos do tempo” ao fundo, seja a gigantesca loja de 2050 no Alabama ou, claro, a já citada breve sequência em Pompeia. No entanto, a TVA continua sendo inegavelmente o destaque, com aquela atmosfera atemporal com paleta de cores em tons de marrom anos 70 (se esse não é o nome de uma cor, deveria ser) que combina tecnologia inimaginável com o bom e velho arquivo de papel e livros físicos, além de elevadores pseudomodernos em uma pegada jocosa e satírica cujos detalhes eu poderia ficar observando por horas a fio muito facilmente.
E esse é o mérito maior de Loki: transformar uma história cósmica sobre o multiverso e protagonizada por um deus asgardiano em uma série investigativa de “caçada ao bandido”. O macro transforma-se em micro, o grandioso transforma-se em diminuto e toda a seriedade que muita gente costuma cobrar de filmes e séries de super-herói (o que é hilário por si só) quase que se transforma em uma completa sátira de ambiente de trabalho. Que continue assim!
Loki – 1X02: The Variant (EUA, 16 de junho de 2021)
Criação e desenvolvimento: Michael Waldron
Direção: Kate Herron
Roteiro: Elissa Karasik
Elenco: Tom Hiddleston, Owen Wilson, Gugu Mbatha-Raw, Wunmi Mosaku, Eugene Cordero, Tara Strong, Sophia Di Martino, Sasha Lane
Duração: 54 min.