- Há spoilers.
O título do episódio inaugural da terceira série (quarta se contarmos com a imperdível M.O.D.O.K.) do Universo Cinematográfico Marvel em um semestre não poderia ser mais perfeito, pois usa uma das frases mais famosas de Loki (Tom Hiddleston) para também me permitir fazer uma gracinha e afirmar que o verdadeiro propósito glorioso desse começo é servir de recapitulação de tudo o que precisamos lembrar para não ficarmos completamente perdidos tentando acompanhar o protagonista ao lado de Mobius (Owen Wilson) provavelmente visitando diversas linhas temporais variantes, com diferentes versões dele. Apesar de ter apenas seis episódios, algo nessa linha era provavelmente essencial para que todo mundo pudesse ficar na mesma página para as semanas seguintes.
E, com isso, naturalmente, a história avança pouquíssimo, basicamente se resumindo à revelação de que uma versão aparentemente muito mais maligna do próprio Loki (ou ele mesmo no futuro, mas não vou entrar nessas teorias que certamente já começaram a brotar) está assassinando os Caçadores da Agência de Variância Temporal para roubar o que quer que seja aquele aparelho que permite que linhas temporais sejam apagadas. Essa reviravolta final estabelece, portanto, a premissa da minissérie (ou seria temporada?) e justifica o recrutamento do Loki de 2012 que roubou o Tesseract para fugir da prisão asgardiana em Vingadores: Ultimato e que, portanto, não viveu tudo aquilo que o “nosso” Loki viveu nos filmes seguintes, culminando com sua morte pelas mãos de Thanos, em Guerra Infinita.
O restante do episódio, portanto, serve para nos lembrar que este Loki não é aquele outro Loki, com direito a um resumo da vida do outro Loki projetada na tela para ninguém ter dúvida alguma, o que também inteligentemente funciona como uma sessão de terapia a jato para fazer com que este Deus da Trapaça basicamente reconheça que ele é uma fraude. E, claro, o roteiro do showrunner Michael Waldron consegue não só criar a conexão buddy cop entre Hiddleston e Wilson, prometendo muita diversão, como também a relação antitética de Loki com a Caçadora B-15 de Wunmi Mosaku.
Além disso, e talvez melhor ainda, somos apresentados à tal Agência de Variância Temporal, que é o resultado de um primor de direção de arte e de direção de fotografia, resultando em uma sensacional atmosfera que consegue ser ao mesmo tempo setentista e atemporal, familiar e alienígena, repleta de tons de sépia, no que é basicamente uma repartição pública cheia da inafastável e hilária burocracia, mas que tem a função de manter intacta a Linha Temporal Sagrada criada pelos Guardiões do Tempo depois de uma guerra multiversal, tudo devidamente contado com uma animação apresentada pela Senhorita Minuto (voz de Tara Strong) e que coloca em jogo a própria existência de um multiverso (novamente, não vou entrar em teorias, mas o espaço aqui embaixo é para isso!). O recurso da animação, famosamente usado em Jurassic Park, mas que não coincidentemente é um artifício largamente usado em todos os brinquedos da Disneyland e DisneyWorld, é pura diversão, algo que é amplificado pela estupefação de Loki tentando entender o que raios está acontecendo e porque sua suposta “divindade” não é mais do que uma brincadeira nesse ambiente surreal.
Em outras palavras, o primeiro episódio de Loki não se contenta em “cumprir seu objetivo” (como eu detesto quando as pessoas taxam algo de “muito bom” por cumprir seu objetivo…). Ele vai além de ser um episódio que pega em nossa mão e nos conta tudinho que precisamos saber para entender a premissa. Sim, sim, Waldron sem dúvida faz isso com seu roteiro, mas ele vai além. Ele cria um “recorte” completamente novo e original do UCM (ainda que com diversos elementos retirados dos quadrinhos, como a própria agência e Mobius), um que vira de cabeça para baixo a hierarquia cósmica (sei lá se essa expressão existe) desse universo, com uma abordagem divertida que não se leva muito a sério e que aproveita muito bem os talentos cômicos de Hiddleston e Wilson, desde já a melhor dupla de “amigos inimigos” dessas novas séries da Marvel. Aliás, nesse quesito de atuação, todos os demais estão também muito bem em seus respectivos papeis, com destaque para Mosaku e Eugene Cordero, este como o recepcionista Casey que tem uma gaveta cheia de joias do infinito ao lado de fichas de pôquer e medalhas, como se elas não fossem mais do que bijuterias (e, tecnicamente, pelo menos por ali, são mesmo, o que por si só é hilário já que pega toda a grandiosidade e importância desses MacGuffins e os diversos filmes que de uma forma ou de outra giraram ao redor disso e os arremessa pela janela sem a menor cerimônia…).
Se tudo de novo que é apresentado aqui em Glorious Purpose tem algum propósito glorioso maior do que criar as circunstâncias para outra potencialmente ótima série dessa Fase 4, eventualmente afetando de verdade os vindouros filmes e séries, muito sinceramente não me importo. O que é realmente relevante é que Loki está de volta melhor do que nunca e que ninguém menos do que Owen Wilson, agora, também é parte do UCM. Glorioso, sem dúvida!
Loki – 1X01: Glorious Purpose (EUA, 09 de junho de 2021)
Criação e desenvolvimento: Michael Waldron
Direção: Kate Herron
Roteiro: Michael Waldron
Elenco: Tom Hiddleston, Owen Wilson, Gugu Mbatha-Raw, Wunmi Mosaku, Eugene Cordero, Tara Strong
Duração: 51 min.