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Crítica | Lobisomem (2025)

Ousado em suas escolhas filosóficas.

por Leonardo Campos
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A necessidade de superação, o impacto dos traumas em nossas vidas, a dinâmica dos relacionamentos abusivos e a posição do “homem” diante da sociedade, em especial, em suas trocas com as mulheres e outras pessoas onde tal figura se coloca em posição de poder figuram como alguns tópicos do terror na contemporaneidade. Lobisomem, dirigido por Leigh Whannell, narrativa estabelecida para ser uma releitura do clássico da Universal com Lon Chaney Jr., coloca esses tópicos em cena e entrega um filme emoldurado em cenográfica gótica e trilha sonora imersiva para causar desconforto e tensão, apesar de seu desenvolvimento passar a impressão de estarmos diante de um filme e, de um monstro, que não sabe exatamente o que quer. E, com isso, nos deixar presos nas poltronas do cinema, sem saber também o que estamos sentido. Gostamos? Não gostamos? Como podemos definir essa relação? Quem vos escreve, particularmente, foi com muita expectativa, mas, ao final, não sentiu o que esperava de uma história com muito potencial que, no entanto, não consegue entregar o esperado.

Funciona para quem esperar apenas entretenimento e não possui conexão cinéfila alguma com a licantropia no cinema? Sim. E, funciona para os admiradores do clássico? Talvez. Com críticas mistas, Lobisomem é uma produção desenvolvida por um realizador que sabe construir boas histórias de terror. Leigh Whannell, no começo de sua carreira, revolucionou a história do gênero com o subversivo horror psicológico com doses generosas de violência gráfica em Jogos Mortais, além de compreender bem a reciclagem de ideias clássicas dos ícones da Universal, haja vista a sua intrigante refilmagem de O Homem Invisível. Agora, ao trazer o peculiar monstro do painel de antagonistas populares da cultura cinematográfica, ele versa sobre os mencionados temas comuns ao âmbito desse nicho, entregando ao público uma história tensa, dominada por alegorias e subjetividade, mas deixa a desejar no ritmo e na repetição de situações, muito disso por conta da limitação de personagens e cenários. Ao menos é o que atribuo ao relacionamento pouco magnético que tive ao logo da sessão aguardada com anseio, mas transformada em algo morno ao passo que a trama avançava e meu interesse ia diminuindo gradativamente.

Aqui, a ira do homem tóxico agressivo é transferida metaforicamente através de gerações. É interessante esse paralelo estabelecido pelo realizador, que trouxe Christopher Abbott no papel de Burke, um homem atordoado pelas memórias da rigidez de seu pai, um homem desses que se consideram “raiz”, de atuação domiciliar militar, mas que lá no fundo do seu ser, guarda sentimentos que precisam ser disfarçados para não perder a postura de macho. Ele mora em um grande centro urbano com Charlotte, interpretada por Julia Garner, esposa com quem desenvolve um relacionamento que adentrou na zona do esfriamento. Com boa convivência com a sua filha Ginger (Matilda Firth), um dos prováveis motivos para ele ainda se manter casado, Burke recebe uma documentação que oficializa a morte de seu pai, sumido há anos. Junto, uma chave, a do mesmo local que contemplamos na abertura, 30 anos antes, que nos mostra a relação entre ambos, dotada de todas as características descritas na abertura desse parágrafo.

Como as coisas não estão muito bem em casa, ele convida a esposa para, juntos, levarem a filha para passar um tempo numa região remota do Oregon, onde viveu a sua infância. Lá, eles provavelmente irão se reconectar, ao menos é o que está no planejamento que já se esvazia quando um acidente toma todo de assalto logo no final desse primeiro ato, colocando a todos e perigo. Sem muitas explicações teóricas, a figura aterradora do lobisomem aparece, causa transtorno, fere Burke e coloca todos em situação de perigo. Pronto. O cenário de terror com poucos personagens e direito à referência, como a cena onde o lobisomem preso devora parte da perna para se soltar de uma corrente, uma clara menção ao clássico moderno Jogos Mortais, feita de maneira intencional ou não, está pronto para a nossa contemplação. É uma história trágica de dor e sofrimento, além da inevitabilidade do destino. Uma proposta de releitura do clássico muito interessante e que sai do lugar comum, mas que por algum motivo, não decola como podíamos imaginar. Há histeria, perseguições, mas falta algo que eu mesmo ainda não consegui descobrir e espero, ao longo de possíveis comentários nessa crítica, evidenciar.

Ademais, esteticamente, Lobisomem é um filme atmosférico. Benjamin Wallfisch retoma elementos da trilha sonora de outra parceria com Leigh Whannell, O Homem Invisível, para adornar auditivamente as sequências de tensão com perseguição. É um trabalho costumeiramente eficiente do compositor nesse segmento, eficiência que podemos acompanhar no design de produção de Ruby Whaters, assertiva na casa do pai de Burke, bem como em seu entorno, um lugar que podemos classificar como uma autêntica zona de perigo, distante da civilização, território de dominação completa do monstro que os cerca. A direção de fotografia de Stefan Duscio, demasiadamente escura em algumas passagens, escolha que vejo como proposital, para a construção do clima de medo e pânico da narrativa, pode incomodar a nossa contemplação do que é estabelecido em cena em alguns trechos, mas em linhas gerais, entrega um trabalho bom, em especial, nas cenas diurnas na frondosa floresta que cerca o espaço cênico. Corbett Tuck, ao assinar o roteiro em parceria com Whannell, colabora com a edificação de uma história de tom clássico, mas com debates importantes sobre questões contemporâneas.

Lobisomem, nem de longe, é um filme ruim, devo ressaltar. Apenas falha ao aparentemente ter um protagonista indeciso, escolha que mina a tensão. Como estudo de caso sobre a licantropia como alegoria para a masculinidade tóxica, por exemplo, é um primoroso trabalho, que deixa a desejar apenas como proposta de entretenimento. Ao final, pude interpretar que a narrativa resgata um dos simbolismos centrais da licantropia na psicanálise, isto é, a dualidade que reside na natureza humana: a luta entre os instintos primitivos e as normas sociais. Freud, em suas teorias, explorou a ideia de que a civilização é construída sobre a repressão de impulsos instintivos, e a licantropia pode ser vista como a manifestação desse inconsciente reprimido emergindo à superfície. Nesse contexto, o lobo simboliza a instância instintiva e predatória do ser humano, em contraposição à razão e às regras sociais. Quando uma pessoa se transforma em lobo, ela não apenas abranda suas amarras sociais, mas também emerge em sua forma mais pura e, paradoxalmente, mais vulnerável.

A licantropia também pode ser vista como uma metáfora para a alienação. Indivíduos que se sentem desconectados da sociedade. Pode ser por traumas, por repressão social ou por crises de identidade. A transformação em outra forma pode simbolizar a luta pela aceitação e a busca por um lugar no mundo. A ideia de “não ser mais humano” ressoa com muitas experiências contemporâneas de desumanização, onde as pessoas se sentem como estranhas, perdendo sua essência em um mundo que exige conformidade. Além disso, a licantropia também pode ser vista como uma revolta contra as limitações impostas pela sociedade. O lobo, como um ser social, representa a ampliação dos instintos de sobrevivência e de pertencimento. Quando um indivíduo se transforma em lobo, ele busca liberdade e autonomia em um mundo que muitas vezes limita suas expressões autênticas. Isso reflete uma faceta da psique que anseia por reconhecimento e validação, desafiando as normas culturais que muitas vezes sufocam a autenticidade. Uma curiosa cena logo no começo do pós 30 anos de Burke com o pai é seu processo de controle e descontrole diante de uma situação de breve teimosia da filha: ali, ele já nos deixa cristalino que por trás de sua doçura como um homem adulto, pode existir uma faceta dominada pela ira.

São muitas as interpretações. Confira e delineie por aqui: o que você achou?

Lobisomem (Wolf Man, Estados Unidos – 2025)
Direção: Leigh Whannell
Roteiro: Leigh Whannell, Corbett Tuck
Elenco: Julia Garner, Christopher Abbott, Sam Jaeger, Matilda Firth, Benedict Hardie, Ben Prendergast, Milo Cawthorne, Zac Chandler, Beatriz Romilly
Duração: 103 min.

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