Há uma expressão peculiar no repertório da linguagem popular que define bem as minhas reflexões diante desse curioso, mas irregular filme intitulado Lisa Frankenstein. Dizem que falar é fácil, mas executar é mais complexo (grifo meu). Acredito que, no caso dessa narrativa, esse seja o caso. Repleta de potencialidades, a comédia de horror que se passa no mesmo universo de Garota Infernal, divertido, assumo, mas também bastante irregular, perde a oportunidade de manter o escracho em cena ao passo que os idealizadores do projeto buscam incessantemente uma “Aura Cult”. No campo de realização cinematográfica, a expressão “Filme Cult” denota uma narrativa que transcende os padrões convencionais, capturando nichos específicos de audiência e muitas vezes explorando temas mais ousados ou experimentais. No entanto, criar um filme dessa categoria apresenta um desafio intrínseco: equilibrar a intenção artística com a coesão narrativa, evitando que a obra caia em um abismo de pretensão. Um dos principais desafios ao realizar um filme nesse segmento é a definição da própria identidade da produção.
E, tal como o monstro de Mary Shelley, em busca de aceitação diante do seu criador, Lisa Frankenstein padece de uma autenticidade mais interessante daquela que transparece ter. Diferentemente de filmes mainstream que visam a satisfação de um público amplo, os filmes cult frequentemente buscam abordar questões existenciais, políticas ou sociais de maneira provocativa. Também são funcionais enquanto entretenimento, não fosse assim, seriam inexistentes. Tal ousadia, no entanto, pode ser uma “faca de dois gumes”. Se mal executada, a audácia pode ser percebida como pretensiosa ou desconexa, afastando o público em vez de atraí-lo. Para evitar essa armadilha, os cineastas devem garantir que suas intenções artísticas sejam acompanhadas de uma estrutura narrativa sólida.
A coesão é fundamental, bem como a conexão emocional, algo que permite aos espectadores interpretar, se identificar e, por fim, apreciar a obra. Por aqui, no entanto, isso acontece em alguns momentos, mas o resultado geral fica muito aquém. Era para ser mais engraçado. Mas não é. Há grande potencial para críticas, mas isso é desperdiçado com piadas frágeis. Indeciso, o filme peca como entretenimento, se apresentando como uma narrativa arrastada, além de não ousar com suas potencialidades reflexivas. Não é ruim, por assim dizer, mas é fraco. Depois de tantas traduções que emularam o romance de Mary Shelley, em sua maioria, exercícios cinematograficamente pecaminosos no que tange aos aspectos da qualidade dramática, era de se esperar um ponto de partida mais ousado na renovação da história publicada em 1818.
Eis a sua trama: em 1989, Lisa Swallows (interpretada por Kathryn Newton) é uma adolescente solitária que ainda sofre com a perda brutal de sua mãe, assassinada dois anos antes. Seu pai, Dale (Joe Chrest), reconstitui sua vida ao se casar com Janet (Carla Gugino), uma mulher narcisista. Esse novo casamento traz complicações, incluindo a adição de uma meia-irmã, Taffy (Liza Soberano), que é popular e extrovertida, contrastando com a personalidade introvertida de Lisa. Aqui, nós encontramos alguns ecos com a biografia de Shelley, salvaguardadas, logicamente, as devidas proporções comparativas. Enquanto enfrenta os desafios de se adaptar a uma nova escola em seu último ano de “Ensino Médio”, Lisa encontra consolo no cemitério de Bachelor’s Grove, um lugar onde passa muito de seu tempo.
A sua vida, no entanto, dá uma reviravolta quando, após um acidente inexplicável, ela reanima uma Criatura (Cole Sprouse), um cadáver da Era Vitoriana que morreu em 1837. Lisa se vê pressionada a manter a existência da Criatura em segredo, não apenas de sua família, mas também de seus colegas. Ao passo que a relação entre Lisa e o seu “monstro” se fortalece, ela luta internamente sobre até onde deve ir para ajudá-lo e os custos que isso implicará em sua jornada já dominada por problemas. Juntos, eles se envolvem em uma série de atrocidades, revelando um lado obscuro e inexplorado de Lisa, que a distancia de sua vida normal. Esse roteiro, escrito por Diablo Cody, marcou a estreia de Zelda Williams como diretora, uma escolha que pode ser definida como a importância de oportunidades para uma realizadora novata, mas prejuízo para um texto que tinha tudo para ser uma grande retomada de Frankenstein.
Há, no entanto, a possibilidade do problema não ser exatamente da cineasta estreante, mas da roteirista, já que Garota Infernal também é um filme muito divertido, mas com semelhanças no que diz respeito às numerosas limitações dramáticas. A narrativa explora temas como luto, identidade e a luta entre a luz e a escuridão dentro de cada um, oferecendo uma visão intrigante da adolescência marcada por traumas e descobertas. A proposta de Lisa Frankenstein promete muito ao misturar drama e elementos sombrios, nos servindo como um retrato da complexidade emocional de uma jovem navegando por um mundo repleto de dores e segredos, tal como a jovem Mary Shelley em sua jornada juvenil turbulenta. Mas, na mixagem de humor, horror e drama, a produção busca explorar a jornada de Lisa em meio à turbulência e ao anseio por aceitação e compreensão em um mundo que muda rapidamente ao seu redor, mas não consegue sustentar bem o que estabelece como propósito.
O resultado, então, é uma comédia com elementos de horror que apresenta momentos interessantes, mas perde a oportunidade de ser ótima para se contentar em apenas “ser legal”.
Lisa Frankenstein (EUA, 2024)
Direção: Zelda Williams
Roteiro: Diablo Cody (baseado no romance de Mary Shelley)
Elenco: Kathryn Newton, Liza Soberano, Jenna Davis, Trina LaFargue, Paola Andino, Joshua Montes, Chris Greening, Mae Anglim, Joey Harris, Henry Eikenberry, Jennifer Pierce Mathus, Luke Sexton, Ayla Miller, Jailyn Rae, Bryce Romero, Cole Sprouse, Carla Gugino
Duração: 101 min.