Os dois contos apreciados neste texto são também os últimos a integrar o livro Contos Fluminenses, de Machado de Assis. Ainda que de formas distintas, ambos abordam como um sentimento tão lindo como o amor tem a capacidade de destroçar a alma de uma pessoa, fazendo-a evitar, cada qual a sua maneira, novas relações amorosas por medo de possíveis novos traumas. Com esta análise, passamos a ter todas as histórias da referida obra do gigante escritor brasileiro criticadas no site, e, caso ainda não tenha lido, é só procurar em seguida.
.
Frei Simão
Frei Simão é um conto que integra a fase romântica de Machado de Assis, trazendo o amor como centro da narrativa dessa curta obra que encerra o livro Contos Fluminenses do autor. Não somente este tema, porém, mas também a loucura, o egoísmo, os interesses e a religião. Inclusive, é delicioso perceber como o escritor consegue abordar todos esses temas de maneira profunda e tocante mesmo em número tão restrito de páginas.
A história contada gira em torno de Simão, um homem de 38 anos, mas que aparentava 50, frade da ordem dos Beneditinos e que havia ingressado no convento ainda muito jovem. A razão de seu ingresso é a notícia da morte de Helena, sua prima órfã que havia sido criada com ele e por quem nutria um forte amor. Afeto esse que era recíproco, mas inaceitável para os pais de Simão, que ansiavam pelo casamento do filho com uma mulher da alta sociedade.
Para impedir que o amor de Helena e Simão florescesse, o pai envia seu filho para outra cidade na casa de um amigo com o pretexto de ajudar numa questão de negócios, permanecendo lá por um longo período. Quando vê que o contato por cartas entre os amantes impede o cessar da paixão, o pai de Simão envia uma carta anunciando para seu filho a morte de Helena. Uma mentira, obviamente.
Simão, todavia, acredita no conteúdo do escrito, perde completamente seu interesse pela vida e ingressa no caminho de Deus, talvez como uma forma de reencontrar algum sentido na vida.
Anos após o episódio, agora já frade, Simão reencontra Helena em uma cidade que foi pregar, causando um imenso choque em ambos. É ali, provavelmente, que a loucura do religioso, evidenciada logo ao início do conto, começa. Ao assimilar a mentira contada pelo próprio pai, com apoio da mãe, não consegue acreditar que puderam ser tão egoístas e gananciosos por dinheiro e poder a ponto de negar ao filho o amor verdadeiro.
De uma forma poética e ao mesmo tempo trágica, Helena falece, também por conta da revelação, apenas alguns dias antes de Frei Simão, que profere em seu leito de morte: “morro odiando a humanidade!”. Mais do que compreensível esse sentimento de repulsa e traição por quem teve negado o amor e que é poderosamente escrito neste breve conto de Machado de Assis.
.
Linha Reta e Linha Curva
Se em Frei Simão a impossibilidade do amor desejado leva o protagonista a desistir desse sentimento e seguir para o lado religioso da vida, em Linha Reta e Linha Curva o trauma amoroso se apresenta como um pouco de remorso e, inclusive, uma espécie de vingança.
A história trata de Azevedo e Adelaide, jovens recém casados e apaixonados, que recebem em sua casa a visita de Tito, um antigo amigo de Azevedo. Durante as apresentações e breves conversas, Emília e Diogo, conhecidos do primeiro casal, chegam à residência também para passar o dia. É quando as intrigas começam.
Ao relatar que renega completamente o amor após apaixonar-se e não ser correspondido, Tito faz com que Emília sinta-se profundamente ofendida, encarando a ofensa como um ataque a todas as mulheres. Disposta a vingar essa afronta, ela começa a seduzi-lo para provar que ele, na verdade, não é tão frio e descrente no amor quanto aparenta.
Então, a trama começa a focar nessa disputa particular dos dois, algo que, apesar de realmente fazer com que queiramos saber o desenrolar do confronto, muda completamente o protagonismo inicialmente apresentado. Lembro que o autor introduz o casal Azevedo e Adelaide como protagonista no início da obra, fazendo com ambos percam muito espaço ao longo do conto. Da mesma forma, o final traz um desfecho menos impactante do que a interessante disputa entre Emília e Tito.
Apesar disso, a história não deixa de ser satisfatória justamente pelo tempo empreendido nos encontros dos dois, com pequenas tramóias que trazem um ar divertido à acidez das discussões. Longe dos melhores trabalhos machadianos, mas, ainda assim, uma leitura muito boa.
Contos Fluminenses (Brasil, 1870)
Autor: Machado de Assis
Publicação original: Jornal das Famílias, junho de 1864 a janeiro de 1870.
Edição lida para a crítica: Nova Aguilar, 1994.
Frei Simão: 8 páginas | Linha Reta e Linha Curva: 55 páginas