Um dos movimentos mais controversos da DC dentro do já controverso projeto Novos 52, que reiniciou seu universo completamente, foi retirar John Constantine, conhecido como Hellblazer, do selo Vertigo, mais violento e ousado e que foi responsável pela publicação de 300 números com o louro fumante britânico, para a DC, ambiente mais domado, pasteurizado e brando. Muita gente reclamou, com bastante razão e até hoje há discussões sobre a propriedade do que foi feito.
Ele não ganhou um título próprio nos Novos 52, mas sim passou a fazer parte de um estranhíssimo grupo de heróis “mágicos” da DC formado, nesse primeiro volume, por ele, Zatanna, Desafiador; Shade, o Homem Mutável e Mindwarp. Todos são reunidos pela Madame Xanadu em vista da ameaça de uma enlouquecida Magia, que começa a causar catástrofes mundiais sanguinárias e, logo no começo, derrota a Liga da Justiça “normal”, composta pelos pesos-pesados Superman, Mulher-Maravilha, Ciborgue e Batman.
O volume todo, contendo as seis primeiras edições, tem a clássica estrutura da “reunião improvável de heróis que não querem ficar juntos” e só isso já é suficiente para dar ignição ao meu preconceito. Some-se à situação o uso de um Constantine mais jovem e “arrancado” da Vertigo e pronto, tudo estava pronto para eu detestar o resultado final. Mas devo dar o braço a torcer e dizer que Peter Milligan, responsável pelos últimos 50 números da longeva série Hellblazer da Vertigo não brincou em serviço. Ele não economizou em situações bizarras e na violência para trazer esses heróis sob um mesmo guarda-chuva.
O foco inicial é no Desafiador, um dos mais intrigantes heróis da DC, que nada mais é do que um fantasma que pode se apossar do corpo de quem ele bem entender. Milligan mergulha fundo nos problemas causados pelo fato de ele ser um fantasma e não poder transar com sua namorada Columba. As insinuações sexuais são as mais explícitas que uma publicação da DC pode permitir, com implicações para lá de amorais a cada nova troca de farpas entre os dois.
Mas é ele também que recebe a visita inesperada de uma mulher chamada June Moone, que foge de Magia como o diabo foge da cruz. A natureza benevolente de Boston Brand, que quer ajudar a moça custe o que custar, é manobrada à perfeição por Milligan, que a coloca em choque com o asqueroso John Constantine que não sofre aparentemente nada com a transposição para sua nova e mais comportada casa, algo que, creio, tem direta relação com Milligan ser o pai da criança. Seus poderes são menos discretos, mas isso, no final das contas, faz parte do jogo.
A progressão narrativa por vezes parece se perder, mas o roteiro de Milligan faz de tudo para estabelecer as personalidades de cada um, empregando tempo semelhante para trabalhar Zatanna, Shade e Madame Xanadu, só mantendo mesmo mistério em relação ao perturbadíssimo Mindwarp. A ameaça de Magia é, em poucas palavras, genérica e funciona mesmo é como um artifício para essa junção dos personagens mágicos da editora em um grupo que nunca, em momento algum (ainda bem), é chamado de Liga da Justiça Sombria.
A arte de Mikel Janin é, talvez, bonita demais, limpa demais para a natureza pesada e sombria da história de Milligan e ela exige costume. No entanto, suas splash pages são de tirar o fôlego, com especial destaque para uma logo no início envolvendo um gigantesco acidente de trânsito e, mais para o final, as visões apocalípticas dos heróis.
O que Janin é um absoluto mestre é na composição de seus quadros trabalhando muito bem a estrutura de quadros comuns como diversas maneiras de dar uma fluidez apropriadamente “estranha” às transições de ação, sempre combinando com o tipo de conflito que está retratando. Reparem, por exemplo, nas transições de quadros durante a luta na cabana de magia, com Shade, Zatanna e Madame Xanadu e a ação paralela com Constantine, Desafiador e June Moone. São momentos de grande brilhantismo que nos envolvem na leitura de maneira muito eficiente, evocando a natureza bizarra tanto da ameaça enfrentada quanto dos heróis.
Há enorme potencial nessa Liga da Justiça, muito mais potencial do que na Liga comum, diante do inusitado que é a junção de personagens tão complexos em um relutante grupo sobrenatural.
Liga da Justiça Sombria – Vol. 1: Nas Sombras (Justice League Dark – Vol. 1: In the Dark)
contendo Liga da Justiça Sombria #1 a 6, de setembro de 2011 a fevereiro de 2012
Roteiro: Peter Milligan
Arte: Mikel Janin
Cores: Ulises Arreola
Letras: Rob Leigh
Editora no Brasil: Panini (no mix Dark)
Páginas: 136