Liga da Justiça: Crise nas Infinitas Terras é uma trilogia de animações que tenta adaptar, de maneira muito ambiciosa, a icônica saga da DC Comics escrita por Marv Wolfman e desenhada por George Pérez entre 1985 e 1986. O enredo do projeto promete uma jornada épica pelo multiverso, mas perde-se em escolhas narrativas questionáveis e num ritmo errático, especialmente no terceiro filme, o pior de todos. Mesmo contando com visuais atraentes e um elenco talentoso, a trilogia não atinge a essência da obra original — que já não era lá essas coisas, tendo muito mais importância histórica e canônica para a Nona Arte do que “imensa qualidade narrativa” — e mais parece um produto forçado para agradar fãs saudosistas do que qualquer outra coisa.
A primeira parte da saga traz uma base interessante, destacando-se por uma maior aproximação com o material de origem, e pela construção narrativa em torno do Flash. A “grande entropia” do multiverso é apresentada, o desespero do Monitor é justificado e dezenas de heróis da DC Comics aparecem para tentar salvar o multiverso. Talvez por ser um filme antes da saturação causada pelas outras duas animações, essa parte inicial encanta o público com diferentes artes e abordagens para diferentes versões da Terra, seus heróis, sua fotografia, tecnologia, cenários e, em alguns poucos casos, até construção de personagem. O filme tem seus problemas, iniciados ali pela metade e piorados no desfecho, mas ainda assim é uma boa animação, algo que nenhuma das outras duas partes conseguiu ser, dada a falta de foco, a uma narrativa confusa e à ausência de impacto emocional em momentos-chave.
Em obras desse porte, talvez o maior desafio para os diretores, roteiristas e produtores seja lidar com a narrativa essencialmente fragmentada, uma característica vinda do original, porque, nas páginas dos quadrinhos, isso funciona bem. Já no audiovisual, as dezenas de quebras na estrutura da história distanciam progressivamente o espectador, levando a trama para a já citada “ausência de impacto” — fica difícil investir emocionalmente em um enredo que está o tempo todo mudando o seu ponto de vista, não é mesmo? A tentativa de condensar os eventos da HQ deixou muita coisa acelerada (o que parece piada, porque são três filmes para desenvolver tudo!) e também deixou a melhor parte do drama bastante superficial, saltando entre diferentes Terras e linhas temporais sem desenvolver adequadamente os personagens ou as situações que os conectam.
Esses momentos perdidos só acontecem porque o diretor Jeff Wamester (de Sociedade da Justiça: 2ª Guerra Mundial) e o roteirista James Krieg (de Liga da Justiça vs. Os Cinco Fatais) simplesmente zeraram o bingo das subtramas desnecessárias, algumas inseridas apenas para “contextualizar” o desaparecimento de Terras icônicas frente ao grande público, vindas de programas de TV ou sagas populares. É aquele tipo de fanservice que não consegue arrancar o riso de cumplicidade, aquiescência e fascínio porque se dá num momento que necessitava de outro tipo de imagem, encadeamento e resolução. É aí que tentamos encontrar uma boa justificativa para o tempo perdido com as origens do Pirata Psíquico (que depois vira um fantoche abandonado) e da Supergirl (cuja finalização, que deveria ser tocante, traz tanta emoção quanto olhar para uma minhoca no solo).
As interpretações do elenco original (como vocês sempre perguntam, vou deixar claro que assisti aos filmes no idioma original, portanto, nada tenho a dizer sobre a dublagem brasileira!) são a única coisa da trilogia a manter a boa qualidade do início ao fim, e em relação a este setor, Crise nas Infinitas Terras servirá como marco histórico, porque traz, pela última vez, Mark Hamill dublando o Coringa, uma decisão de aposentadoria anunciada após a morte de Kevin Conroy, que dubla o Batman, e com quem Hamill trabalhou desde Batman: The Animated Series (1992 – 1995). No decorrer da projeção, porém, mesmo as melhores vozes começam a irritar o espectador pela falta de cuidado do roteiro na construção dos diálogos, que não se envergonham de ser didáticos, mesmo quando isso não é necessário.
A megalomania da produção, a ânsia de fazer referências a cada par de cenas, a má construção de interação entre personagens e a história que vai progressivamente se tornando enervante tornam essa adaptação de Crise nas Infinitas Terras uma decepção anunciada, tentando dar sustentação a um multiverso que estaria muito melhor sem essa “ajudinha”. Podemos admitir que existem algumas lutas e algumas cenas de destruição ou de encontros entre versões de personagens de diferentes Terras que são icônicas, mas toda a ideia por trás da Crise — e a própria identidade da saga — não se podem ver nesta versão de Jeff Wamester. O estúdio tentou, em formato épico, inclusive, mas não foi dessa vez. A grande questão é: em se tratando de Crise nas Infinitas Terras, quando será?
Justice League: Crisis on Infinite Earths – Part One / Two / Three (EUA, 9 de janeiro / 23 de abril e 16 de julho de 2024)
Direção: Jeff Wamester
Roteiro: James Krieg (baseado na obra de George Pérez e Marv Wolfman)
Elenco (vozes originais): Matt Bomer, Jensen Ackles, Darren Criss, Meg Donnelly, Stana Katic, Jimmi Simpson, Zachary Quinto, Jonathan Adams, Ike Amadi, Geoffrey Arend, Zach Callison, Alexandra Daddario, Alastair Duncan, Ato Essandoh, Cynthia Hamidi, Aldis Hodge, Erika Ishii, David Kaye, Ashleigh LaThrop, Matt Lanter, Liam McIntyre, Nolan North, Lou Diamond Phillips, Elysia Rotaru, Keesha Sharp, Harry Shum Jr., Will Friedle, Keith Ferguson, Jennifer Hale, Jamie Gray Hyder, Matt Ryan, Gideon Adlon, Troy Baker, Brian Bloom, Ashly Burch, Kevin Conroy, Brett Dalton, John DiMaggio, Mark Hamill, Katee Sackhoff, Jason Spisak, Corey Stoll, Armen Taylor, Dean Winters
Duração: cerca de 100 minutos, cada filme.