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Crítica | Levada da Breca

Um belo representante da comédia dos anos 30 e 40.

por Fernando JG
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Levada da Breca (1938), que é um título bem ruim para a tradução de Bringing Up Baby, é uma comédia romântica pastelão dirigida por Howard Hawks e que traz como personagem essencial da trama um leopardo. Sim, um leopardo trazido do Brasil, que, não sendo selvagem, serve como elemento central para provocar ainda mais essa confusão típica do gênero. Com as ótimas figuras de Katharine Hepburn e Cary Grant nos papéis principais, o filme flui com facilidade por meio de episódios que não requerem muito mais além de uma constância na atuação e no cumprimento do roteiro, que é também muito bem escrito. O longa-metragem é um divertido representante da “comédia maluca”, esse subgênero que traz momentos inesperados, inverossímeis, farsantes, cujos personagens que se encontram na trama raramente combinam, e justamente por serem tão incompatíveis é que provoca o riso. É essencialmente nestes termos que Levada da Breca acontece. 

A trama gira em torno de David Huxley (Cary Grant), um sério pesquisador e paleontólogo que, às vésperas do seu casamento, precisa concluir uma peça de um fóssil de brontossauro para poder granjear financiamento para o prosseguimento de suas pesquisas e para isso nada pode dar errado. Nada pode dar errado até o aparecimento de Susan (Katharine Hepburn), que coloca a vida de Huxley de cabeça para baixo. Apaixonada por ele, depois de um encontro fortuito, Susan é a responsável por provocar inúmeras desventuras, mudando os planos de David em definitivo. 

Percebe-se, no decorrer da trama, que o filme opera com alguns engessamentos de época, como, por exemplo, fatiar a película em cenas bem demarcadas. Existem episódios que servem como núcleos de ação, ou melhor, núcleos de riso: a cena do jogo de golfe, do salão burguês, a entrada do leopardo na trama, o jantar entre David, Susan e Random, a cena final da prisão… Isto é, a produção fílmica enfoca em núcleos específicos e essenciais, introduzindo neles as piadas, as atrapalhadas, as reviravoltas. Apesar da unidade fílmica, nota-se, inclusive pela ausência de cenas de transição e pelos cortes bruscos, o enfoque em episódios determinados. O tempo da comédia ocorre, mais precisamente, dentro desses miolos. 

O argumento aposta numa comédia meio policial, meio whodunit, em que o desenrolar dramático se assenta na busca por algo. É isso o que dá o ritmo narrativo. A perda do fóssil é a primeira grande busca do filme; a segunda, quando o leopardo se perde por aí e é necessário encontrá-lo, afinal, ele vale uma grana. O desfecho não deixa de ser, em si, muito bem-vindo, previsível, é verdade, mas muito bem feito. Um desfecho clássico de resolução de um mistério, mas com uma dose muito caprichada de humor. O ritmo acelerado, inaugurado por Voltaire na sua comédia trágica Cândido, ou o Otimismo, não deixa de ser menos importante aqui para efeitos de humor: quanto mais acelerado, melhor. 

A respeito dos atores, é notório o domínio e o timing que têm Hepburn e Cary Grant. Eles são absolutamente opostos em humor e carisma, mas o entrosamento da dupla simplesmente dá certo. Ela é a personagem que joga o fogo, ele, o que apaga a chama e conserta o estrago feito. Parece que o roteiro, escrito por Dudley Nichols e Hagar Wilde, teve um trabalho específico para a personagem da Katharine e corre o boato em Hollywood de que o papel foi escrito especialmente para ela. Sendo o boato verdade ou não, fato é que Hepburn brilha incansavelmente. 

Existe um dado conflito entre ambos, o que já vinha previsto desde o início. É um conflito amoroso que se dá por meio da negação, da parte de David, e de uma ‘encheção de saco‘, por parte da Susan. Ela está o tempo inteiro o importunando, numa obsessão cabal, e ele, por sua vez, sempre impassível em atitude de negação. Essa disparidade estética da persona dos protagonistas é muito bem dirigida pelo cineasta e representada com maestria por Hepburn e seu parceiro. Os personagens animais, treinados para isso, dão um brilho muito especial para a trama, e há um misto entre o risível e o gracioso na cena em que todos, inclusive os animais e seus ruídos, cantam a música favorita do leopardo para que ele desça de um telhado que subiu acidentalmente. 

Levada da Breca é um belo representante da comédia dos anos 30-40 e faz jus ao screwball comedy com sua personagem feminina dissimulada e com peripécias que transformam qualquer situação boa em ruim, colocando todos em uma condição indesejada. Com carisma e graça, Bringing Up Baby não deixa de ser uma película marcante dentro do gênero e acerta em cheio na escolha do curso dramático, na caracterização dos personagens e no mais importante: as reviravoltas, que é o que sustenta e garante todo o ritmo narrativo e por consequência a boa recepção entre o público.

Levada da Breca (Bringing Up Baby, EUA, 1938)
Direção: Howard Hawks
Roteiro: Dudley Nichols, Hagar Wilde (baseado no conto de Hagar Wilde, Bringing Up Baby de 1937)
Elenco: Katharine Hepburn, Cary Grant, Charles Ruggles, Walter Catlett, Barry Fitzgerald, May Robson, Fritz Feld, Leona Roberts, George Irving, Tala Birell, Virginia Walker, John Kelly, William Benedict, Jack Carson
Duração: 102 min. 

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