- Há spoilers. Leia, aqui, as críticas dos episódios anteriores.
Por mais que Noah Hawley tenha uma mente efervescente e queira surpreender o espectador a cada episódio de Legion, há um limite para o que pode realmente funcionar. Depois de um capítulo falho, mas repleto de ação, o showrunner entra no modo “doideira total” e emprega quase que a totalidade da duração do capítulo seguinte para mostrar, de sua maneira, o que aconteceu com Syd depois que sua mente é apagada por David. Para isso, somos transportados para o plano astral na versão Terra-Média – só que em uma jardineira de um prédio em uma cidade – onde vemos Oliver e Melanie vivendo felizes, catando tudo aquilo que é descartado pelo mundo verdadeiro e que acaba por ali. Um desses descartes é Syd, só que como um bebê, que o casal passa a criar.
É um conceito absolutamente espetacular, com uma execução também acima da média, com um cuidado impressionante com o design de produção que oscila entre esse Jardim do Éden em um primeiro momento e, depois, em um cenário urbano, mas como se fosse no século XIX em Nova York ou outra cidade grande, com o casal agora vivendo como sapateiros. Mas porque então o episódio não funciona de verdade ou pelo menos não funcionou para mim? A resposta pode ter várias explicações, mas creio que as principais sejam momento e relevância.
A ação que vimos no capítulo anterior é freada bruscamente para esse desvio surreal que só tem os últimos minutos de “encaixe” na narrativa principal, o que acaba esfriando o élan que a série vinha acumulando. É como se, em meio a uma perseguição automobilística em um filme de ação, houvesse um corte que nos levasse para um romance adolescente. A quebra de ritmo nem seria tão grave se esse artifício de Hawley não ocupasse um episódio inteiro. Uma versão encurtada da “segunda vida de Syd”, com o mesmo resultado, teria sido muito interessante, mas não com a introdução de tantas variantes, como a garota dependente química Cynthia (Samantha Cormier) e o Lobo Mau/Diabo do excelente, mas deslocado e perdido Jason Mantzoukas, em uma escalação surpresa ou a (pouco inspirada) batalha de rap ao final. É coisa demais para objetivo de menos, já que a dicotomia entre natureza e criação e a questão da tentação ficam evidentes já nos primeiros minutos de projeção, quando ainda estamos completamente embasbacados pelo que estamos vendo.
Claro que é sensacional ver os veteranos Jemaine Clement e Jean Smart como Oliver e Melanie Bird novamente, já que os dois atores estão sempre sensacionais e é também sensacional ver a imaginação de Hawley correr solta e, mais do que isso, sendo correspondida pela excelente equipe de design de produção, que faz das tripas coração para transformar em realidade tudo que ele imagina (eu realmente fico imaginando as reuniões de produção com Hawley explicando sua visão – deve ser um negócio impressionante), mas a série chegou a um ponto que fillers desse naipe – e sim, esse episódio é quase que integralmente um puro e simples filler – já não mais se justificam. Diferente do excelente Chapter 22, que nos apresentou aos pais de David dando mais profundidade e relevo ao seu passado, este episódio não faz nem de longe o mesmo por Syd ou para qualquer outro personagem. Ou seja, ele perde também em relevância que, juntamente com o momento errado, acaba colocando um trabalho magnificamente original em uma posição complicada dentro da temporada.
Por outro lado, é simplesmente impossível simplesmente descartar o episódio como algo completamente descartável pela forma como ele é executado. É como já disse: Clement e Smart juntos novamente, por si só, já é razão suficiente para apreciá-lo. E o mesmo vale para toda a história em si, que poderia facilmente ser um baita episódio de Black Mirror ou Além da Imaginação. Mas, dentro do contexto em que é inserido e considerando que ele não traz um milímetro de desenvolvimento narrativo para qualquer personagem, Chapter 25 acaba não tendo seu potencial realmente explorado ou sua existência justificada.
É bem verdade que os minutos finais são importantes para a temporada – e essa é outra razão para não simplesmente descartarmos o capítulo -, mas talvez tenha sido pouco demais, tarde demais. De certa maneira, apesar do esforço do roteiro ao longo da segunda vida de Syd, talvez o único momento genuinamente dramático tenha sido o sacrifício de Cary por Kerry, quando ele usa seus poderes para absorver os graves ferimentos de sua “irmã” e permitir que ela entrasse em forma no hall do tempo para ajudar Syd na luta contra David e Switch. Isso e a volta dos demônios do tempo conseguiram criar até mesmo um pouco de bem-vinda tensão que eficiente arma o começo do fim, considerando que faltam apenas dois episódios para a série acabar.
Eu absolutamente adoro Noah Hawley e teria adorado o episódio em outro contexto bem diferente, mas, aqui, ele simplesmente não funciona bem, apesar de todas as suas qualidades. Mas é aquilo, não é mesmo? Até errando, o showrunner acerta um pouco.
Legion – 3X06: Chapter 25 (EUA – 29 de julho de 2019)
Showrunner: Noah Hawley
Direção: John Cameron
Roteiro: Noah Hawley
Elenco: Dan Stevens, Rachel Keller, Aubrey Plaza, Bill Irwin, Navid Negahban, Jemaine Clement, Jeremie Harris, Amber Midthunder, Hamish Linklater, Jean Smart, David Selby, Jelly Howie, Brittney Parker Rose, Lexa Gluck, Marc Oka, Lauren Tsai, Samantha Cormier, Jason Mantzoukas
Duração: 51 min.